TEGUCIGALPA - O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, voltou a atacar a Igreja Católica e o Vaticano e qualificou o papa João Paulo II, canonizado em 2014, de “ditador” e “tirano”. As declarações foram dadas durante um discurso televisionado enviado à imprensa nesta quinta-feira, 20, pelo governo de Manágua.
Em seu discurso, Ortega relembrou a primeira visita do papa João Paulo II à Nicarágua, em 4 de março de 1983, quando o país centro-americano era governado pelos sandinistas. Segundo ele, durante uma missa celebrada em uma praça de Manágua, ele gritou “silêncio” aos simpatizantes do governo que gritavam “queremos paz”, no meio da Eucaristia.
Segundo o presidente, o papa ficou incomodado com os gritos de “queremos a paz” e também com as mães dos sandinistas que morreram durante a guerra civil daquela década que imploraram por uma oração, mas não foram atendidas.
“Ele não fez isso (a oração), ao contrário, ficou chateado e gritou: silêncio, como um bom ditador, como um bom tirano”, disse Ortega.
O líder sandinista insinuou, sem apresentar provas, que João Paulo II chegou à Nicarágua naquela ocasião “com uma mentalidade totalmente afastada da essência de Cristo e do cristianismo, e foi manipulado pelo governo (americano) de Ronald Reagan”.
Karol Wojtyla, nome próprio de João Paulo II, esteve pela primeira vez na Nicarágua em março de 1983. Nessa ocasião, além de gritar “silêncio” às massas sandinistas, advertiu publicamente o poeta e sacerdote Ernesto Cardenal, por misturar religião com revolução.
Segundo o artigo testemunhal A vergonhosa armadilha do papa João Paulo II pelos sandinistas, do jornalista Alberto García Marrder, que cobriu aquela visita papal à Nicarágua para a agência de notícias EFE, “foi condenável, vergonhoso, cruel e grotesco” o que o papa passou na celebração na praça.
Guerra civil
“Foi quando as turbas sandinistas profanaram uma missa ao ar livre do papa João Paulo II no auge da consagração”, disse ele em seu artigo. Ele recordou que o papa, surpreso com o desafio à sua autoridade, respondeu com voz rouca: “A Igreja também quer a paz”, mas de nada adiantou, porque a gritaria continuou.
“Sua Santidade enfureceu as turbas quando, afastando-se do discurso oficial e referindo-se claramente ao sandinismo, recordou a passagem do Evangelho de São Mateus: “Cuidado com os falsos profetas. Apresentam-se em pele de ovelha, mas por dentro são lobos ferozes”, disse García Marrder.
A Nicarágua, em 1983, vivia uma guerra civil entre os Contras, financiados pelos Estados Unidos, que combatiam os sandinistas das montanhas, aliados da extinta União Soviética e de Cuba.
Para Ortega, João Paulo II respondeu à multidão há 40 anos de maneira “não cristã”. Segundo ele, depois que o papa deixou a Nicarágua, houve “um escândalo mundial, dizendo que havíamos desrespeitado o papa por gritar que queríamos a paz!”
‘Grande noite escura’
João Paulo II visitou a Nicarágua pela segunda vez em fevereiro de 1996, quando governava Violeta Barrios de Chamorro (1990-1997). Nessa ocasião, ele descreveu sua primeira visita ao país como uma “grande noite escura”.
“Ali, ele tinha outra expressão famosa que indicava claramente sua preferência política, ideológica e não cristã”, comentou Ortega, referindo-se à expressão do papa.
Sobre o Vaticano, Ortega disse que “é mais um Estado no mundo”, que “tornou-se outro Estado, intervencionista, a serviço dos imperialistas da Terra”.
“Ali não existe democracia. Tem um comando totalmente vertical, como exerciam os imperadores romanos. Assim como os imperadores romanos fizeram, assim como Nero, Calígula fez”, repreendeu.
As relações entre o governo Ortega e a Igreja Católica vivem momentos de grande tensão, marcados pela expulsão e prisão de padres ou pela proibição de atividades religiosas.
O presidente Ortega acusou padres, bispos, cardeais e o papa Francisco de formarem uma “máfia”. O pontífice se referiu ao governo sandinista de “ditadura rude” em uma entrevista recente ao site Infobae, apontando “um desequilíbrio da pessoa que dirige” o país da América Central./EFE
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