Por décadas, os Estados Unidos apoiaram seus amigos e dissuadiram seus inimigos. Essa firmeza está sendo jogada de cabeça para baixo, enquanto Donald Trump pressiona aliados e busca acordos com adversários. Depois de congelar toda a ajuda à Ucrânia em 3 de março, seu governo a restaurou quando a Ucrânia concordou, em princípio, com uma trégua de 30 dias. Não está claro o quanto a Casa Branca pressionará Vladimir Putin para aceitar isso. No mesmo dia, Trump brevemente impôs ainda mais tarifas ao Canadá. Seu novo primeiro-ministro, Mark Carney, alertou que americanos predadores querem “nossa água, nossa terra, nosso país”. E não nos esqueçamos da Ásia. O presidente acaba de levantar dúvidas a respeito de qual seria o valor para os americanos do tratado de defesa EUA-Japão, que Eisenhower assinou em 1960. Em todo o mundo, os aliados temem que o lema “a América em primeiro lugar” signifique que eles fiquem em segundo, terceiro ou até mesmo em último lugar.
Trump e seus apoiadores acreditam que suas ações frenéticas aumentam o poder americano, quebrando impasses e sacudindo aliados caloteiros ou parasitas. O cessar-fogo proposto na Ucrânia é uma evidência de que ele pode mudar o comportamento dos países. Mas a que custo? Sua guerra comercial está deixando os mercados financeiros em pânico. Os cerca de 40 países que colocaram sua segurança nas mãos dos Estados Unidos desde 1945 estão sofrendo uma crise de confiança. Eles temem a inconsistência e o curto prazo da equipe Trump: um cessar-fogo em Gaza que é bastante parecido com o ucraniano pode entrar em colapso em breve. Em casa, Trump enfrenta freios e contrapesos. No exterior, muito menos. Os aliados estão se perguntando se têm certeza de que Trump ou um eventual presidente J.D. Vance lutariam ao lado deles se o pior acontecesse. Infelizmente, a resposta é: não dá para ter certeza o suficiente.

Essa perda de fé também reflete uma percepção crescente de que coagir aliados é uma consequência inevitável da pauta livre de valores do movimento MAGA. A interdependência dos aliados significa que os Estados Unidos têm mais influência sobre eles do que sobre inimigos como Rússia ou China. Por décadas, o Canadá, a Europa e partes da Ásia confiaram no “pacote de superpotência” dos Estados Unidos — tratados de defesa, acordos comerciais, armas nucleares, o sistema bancário do dólar — porque ele é mutuamente benéfico. Tragicamente, Trump vê isso como uma responsabilidade a arcar.
O nacionalismo econômico do governo e o repúdio ao seu papel de mantenedor da segurança global podem ir mais longe. Empresas estrangeiras estão sendo intimidadas a transferir capital para os Estados Unidos. Alguns assessores da Casa Branca querem tarifas recíprocas, uma forma radical de protecionismo. Em Wall Street, fala-se em esquemas para deprimir o dólar. Elon Musk diz que os Estados Unidos devem sair da Otan; embora Trump não tenha ido tão longe, ele não o contradisse. Os europeus estão explorando novos riscos antes impensáveis: os Estados Unidos têm mecanismos de desativação para caças F-35? Eles podem se recusar a manter o compromisso com a dissuasão nuclear da Grã-Bretanha?
Os aliados asiáticos temem que Trump se volte contra eles em seguida. Austrália, Japão, Coreia do Sul e outros esperam que sua hostilidade à China seja profunda o suficiente para que ele não os abandone. Mas suas queixas a respeito de tratados de comércio e defesa não têm limites geográficos. Dada sua determinação em evitar a terceira guerra mundial com a Rússia envolvendo a questão da Ucrânia, as negociações com a China ou a Coreia do Norte podem fazê-lo oferecer concessões que enfraquecem os aliados e tornam Taiwan mais vulnerável.
Para quem admira os Estados Unidos e suas alianças transatlânticas e do Pacífico, essa mudança é tão extrema e desconhecida que pode ser tentador negar que ela esteja acontecendo e supor que Trump deve recuar. No entanto, quando a segurança do seu povo está em jogo, a negação não é um plano. Os aliados dos Estados Unidos têm um PIB de US$ 37 trilhões, mas não têm poder duro. Bajular o Salão Oval e oferecer-se para comprar produtos americanos os leva apenas até certo ponto. Fazer concessões pode encorajar mais demandas, como o Panamá descobriu. Se os aliados não conseguirem se defender, alguns buscarão uma acomodação com a China ou a Rússia.
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Os aliados dos Estados Unidos devem tentar evitar esse resultado sombrio, a partir de hoje. Uma ideia é impedir que os Estados Unidos causem danos mútuos. Isso significa identificar medidas retaliatórias não convencionais enquanto calibramos seu uso para evitar uma espiral descendente no estilo dos anos 1930. Uma opção é desacelerar a cooperação em sanções extraterritoriais e controles de exportação. Os aliados poderiam usar seus “pontos de estrangulamento” no comércio, que calculamos representar 27% das importações dos EUA, incluindo combustíveis nucleares, metais e produtos farmacêuticos. Escondidas na cadeia de produção de semicondutores estão empresas como a Tokyo Electron e a ASML na Europa, que são fornecedores cruciais para os gigantes da tecnologia dos EUA. A retaliação inteligente contra tarifas tolas funcionou para a Europa no primeiro mandato de Trump. Os aliados também devem identificar pontos de pressão militar, como radares e bases, embora devam parar de explorá-los, exceto em circunstâncias extremas.
Como uma apólice de seguro, os aliados terão que construir sua própria infraestrutura econômica e militar paralelamente ao pacote de superpotência dos Estados Unidos. Criar essa opção levará anos. É altamente provável que a Europa emita mais dívida conjunta para financiar gastos extras com defesa, e o continente pode manter suas próprias sanções à Rússia mesmo que Trump suspenda as sanções americanas. Tudo isso pode dividir os mercados de capital americano e europeu e, finalmente, impulsionar o papel do euro como moeda internacional. Na defesa, a Europa está se esforçando para preencher lacunas em suas forças. Também está discutindo uma dissuasão nuclear continental envolvendo a França e talvez a Grã-Bretanha. Na Ásia, a Coreia do Sul e talvez o Japão podem se aproximar do limiar nuclear, a fim de dissuadir a China e a Coreia do Norte.

Os novos vigias noturnos
Por último, os aliados dos Estados Unidos devem buscar força em números. A Europa precisa de um plano para assumir a liderança da Otan, juntar-se ao CPTPP, um acordo comercial asiático, e cooperar mais estreitamente com o Japão e a Coreia do Sul em tecnologia militar e civil. Isso criaria escala e ajudaria a administrar rivalidades. Também preservaria uma ordem liberal alternativa, embora muito inferior à original. Os aliados devem estar prontos para receber de volta os EUA sob um novo presidente em 2029, embora o mundo não seja o mesmo. A proliferação nuclear pode ter sido desencadeada, a China terá se fortalecido e o poder e a credibilidade americanos terão sido gravemente danificados. Para seus aliados, não há sentido em choramingar: eles precisam endurecer, reagir e começar a trabalhar. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL