Os bastidores de como os EUA derrubaram o balão chinês; leia a análise

Balões não parecem reunir muito mais informações do que os satélites chineses em órbita baixa da Terra

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Por David Ignatius

Os analistas de inteligência distinguem entre segredos e mistérios. O bizarro sobrevoo do balão chinês pelos Estados Unidos que terminou com sua derrubada no sábado sobre a costa atlântica tem elementos de ambos.

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O espetáculo público de um balão espião flutuando sobre a América foi um embaraço para o governo Biden, com certeza. Mas o governo pode alegar que esperou o momento mais oportuno para destruir o balão e capturar sua carga secreta – e que o estranho caso foi uma vantagem de inteligência para os Estados Unidos.

A briga política já está acontecendo em Washington. Os republicanos afirmam que o governo Biden mostrou fraqueza ao permitir que o balão entrasse no espaço aéreo dos EUA. As autoridades respondem que o governo anterior, do presidente Donald Trump, não reagiu a várias missões semelhantes nos estados e territórios dos EUA. No entanto, essas incursões anteriores não duraram tanto ou chegaram tão longe nos Estados Unidos continentais.

Balão chinês foi destruído durante o fim de semana na Carolina do Sul. Foto: Randall Hill/ Reuters - 04/02/2023

Mas vamos examinar os detalhes de inteligência deste último incidente, conforme descritos por um funcionário autorizado do Pentágono com conhecimentos detalhados e em primeira mão do evento.

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Primeiro, a parte dos segredos: os chineses têm despachado balões de coleta de informações há anos. O funcionário do Pentágono disse no sábado à noite que cinco balões chineses circundaram o globo, e a China conduziu de 20 a 30 missões com balões globalmente na última década.

Os balões não parecem reunir muito mais informações do que os satélites chineses em órbita baixa da Terra. Os balões podem pairar por mais tempo sobre alvos de coleta, como o campo ICBM em Montana, que foi sobrevoado há alguns dias, mas não são fixos e sua capacidade de coleta de sinais não é radicalmente diferente de outros sistemas disponíveis para os chineses, disse o funcionário do Pentágono.

Um balão fornece melhor granularidade em suas imagens. E é possível que a missão tenha sido uma tentativa de acionar o radar dos EUA ou assinaturas de guerra eletrônica, que seriam valiosas em um conflito futuro, disse o funcionário, mas qualquer coleta desse tipo teria valor limitado. Quanto à especulação de que o balão estava espalhando dispositivos de espionagem menores – microdrones que podem observar alvos secretos, digamos – o funcionário disse que não havia evidências de tal dispersão.

A parte secreta da história deve ficar mais clara se o Pentágono recuperar a cápsula de coleta de informações que o balão carregava, como as autoridades esperavam fazer no sábado. A cápsula aparentemente caiu no Atlântico praticamente intacta, disse o funcionário, e deve fornecer uma oportunidade útil para examinar e fazer engenharia reversa dos sistemas de inteligência e comunicação chineses.

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Assim, do ponto de vista da inteligência, os funcionários do Pentágono acreditam que a estranha viagem de balão de uma semana foi mais benéfica para os Estados Unidos do que para a China. Ao esperar até que o balão estivesse sobre as águas territoriais americanas, o governo Biden conseguiu maximizar a probabilidade de que a cápsula pudesse ser recuperada, minimizando o risco de os americanos serem feridos pela queda de destroços.

O funcionário do Pentágono disse que seu peso equivalia a dois ou três ônibus e poderia ter causado danos consideráveis se tivesse atingido o solo. Se tivesse caído sobre Montana, 2.000 pessoas poderiam estar em perigo devido aos destroços espalhados.

Como operação militar, a derrubada foi relativamente simples. Um F-22 Raptor disparou um míssil AIM-9 contra o balão e câmeras de televisão mostraram o que aconteceu. O funcionário do Pentágono disse que a principal prioridade era evitar disparar através do balão, o que poderia tê-lo deixado em grande parte intacto e capaz de viajar outras 500 a 600 milhas para leste, talvez fora do alcance de recuperação dos EUA.

O Pentágono ponderou se seria possível esvaziar parcialmente o balão e capturar a cápsula de inteligência em altitude mais baixa. Mas o funcionário disse que não existe tecnologia que permita tal operação de captura como uma “rede de borboletas”.

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Agora a parte dos mistérios. Oficiais de inteligência não sabem o que pode ter levado os chineses a lançar tal missão agora, na véspera da visita planejada do secretário de Estado Antony Blinken à China, que foi cancelada por causa do sobrevoo.

Uma possibilidade óbvia é que esta foi uma tentativa chinesa de afirmar seu poder e ousadia em um momento em que as coisas não estão indo bem para Pequim, devido à desaceleração do crescimento econômico, protestos políticos públicos e má administração da pandemia de coronavírus.

Uma oportunidade de “furar os olhos” dos Estados Unidos é sempre atraente para o regime belicoso do presidente Xi Jinping, especialmente agora. Washington tentam se impor agressivamente com operações de “liberdade de navegação” no Estreito de Taiwan ou no Mar da China Meridional – mas sem uma violação tão flagrante do espaço aéreo e das águas territoriais chinesas.

Por que agora? Analistas de inteligência estão considerando a possibilidade de que os militares chineses ou elementos de linha dura dentro da liderança tenham deliberadamente tentado sabotar a visita de Blinken, cujo objetivo principal era explorar medidas estratégicas de estabilidade e outras barreiras que poderiam limitar a probabilidade de uma escalada não intencional em Taiwan ou outras questões de conflito potencial.

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Uma possibilidade final é que isso foi simplesmente uma sequência de erros– algo possível em qualquer operação de inteligência ou militar. “Às vezes, a mão esquerda não sabe o que a mão direita está fazendo”, observou o funcionário do Pentágono.

Espiões podem coletar segredos. Isso é o que os chineses estavam fazendo com seu balão e o que os Estados Unidos farão agora em sua tentativa de analisar o hardware que o balão carregava. Mas a espionagem não pode resolver mistérios, o maior dos quais hoje em dia é a intenção e o resultado potencial da afirmação global de Xi do poder chinês. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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