'Os EUA não precisam ser a polícia do mundo, mas devem ser um de seus líderes'

Para analista, política externa de Trump de não se envolver em questões da agenda internacional tenta agradar parte de eleitores que acredita que atual ordem mundial deveria ser demolida

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Por Renata Tranches 

Sob a presidência de Donald Trump, a política externa americana passou a ser sobre o que deseja o presidente, cujas decisões têm emitido sinais confusos a aliados e antigos adversários, na avaliação do analista Jamsheed Choksy, presidente do Departamento de Estudos da Eurásia Central da Universidade de Indiana. 

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"Quando se trata de política externa e a política econômica nas sociedades, as pessoas gostam de previsibilidade. Elas gostam que as coisas estejam e permaneçam calmas. E se há um problema, gostam de saber que um país ou um líder será capaz de agir rapidamente e cuidar do problema. Com os EUA costumava ser assim. Agora, as pessoas se perguntam o que o país irá realmente fazer", disse, em entrevista ao Estado.

Como o sr. definiria a política externa americana sob Donald Trump? 

Olho para a política externa de Donald Trump e vejo como ela é realmente incoerente. O que ele quer é sempre o aspecto central. A política externa americana agora é sobre o presidente Trump. Esse é o problema. Não é sobre as relações americanas com o mundo, infelizmente. 

Donald Trump conversa com jornalistas na Casa Branca. Foto: Shawn Thew/EFE

Ele teve alguma influência no aumento da tensão na Caxemira? 

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No caso da Caxemira, ele recebeu o primeiro-ministro do Paquistão em seu Salão Oval e disse que o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, havia lhe pedido ajuda para mediar o conflito. Isso se mostrou que não era verdade, e não acredito que Modi tenha querido isso. Esse é um exemplo de como Trump gosta de estar no centro das coisas, mesmo que em contradição. 

Houve uma mudança no conflito?

O que acontece na Caxemira é que antes, mesmo que os EUA estivessem mais preocupados com outros conflitos no mundo, não acredito que o governo indiano agiria fora do esperado sem aguardar por uma consequência. Tem sido assim nas administrações de Obama, Bush, Clinton, outro Bush. Agora, porque Trump está um pouco menos preocupado com essa parte do mundo, a Índia olha e a atuação do presidente com a China, a Arábia Saudita, ou negociando com a Coreia do Norte, e vê os exemplos que ele dá. O presidente envia a mensagem de que se pode fazer isso (revogar o status especial da Caxemira) e sair impune. 

Qual a conexão entre a possível retirada do Afeganistão e o conflito na Caxemira? 

No caso do Afeganistão, é mais um exemplo. Os indianos chegaram à conclusão de que o presidente Trump não está preocupado com o governo do Afeganistão. Trump chegou até a dizer que poderia destruir todo o país se ele quisesse. Ele fez esse comentário, mesmo que o governo em Cabul seja seu aliado. Agora, seu governo negocia com o Taleban ao mesmo tempo em que planeja retirar tropas. Ele mostra assim, não só aos indianos, mas ao próprio Taleban, que ele não liga sobre as consequências, contanto que ele possa se dirigir para o público americano e dizer que 'conseguiu um acordo de paz' com a milícia. Ele não liga para o que acontecerá depois. 

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Qual a diferença para as administrações anteriores? 

As administrações anteriores tentaram encontrar um equilíbrio, garantir que a hostilidade entre paquistaneses e indianos se mantivesse baixa sempre que houvesse algum sinal de elevação. Nesse caso, não estavam tão elevadas assim, mas indianos chegaram à conclusão de que poderiam tomar essa decisão sem sofrer consequências. 

No Afeganistão, pode haver algum resultado? 

O Taleban claramente não está negociando em boa-fé e não precisam, porque os americanos vão sair do paísde qualquer jeito. Taleban e governo afegão estão sob alta tensão porque enquanto há essa negociação com a saída das tropas, a milícia continua atacando constantemente. E os EUA não estão fazendo nada sobre isso. Todos veem isso, os paquistaneses se deram conta de que os EUA não podem ser considerados um aliado sólido ou confiável da Índia. 

A chanceler Angela Merkel tinha razão quando disse que a Europa não poderia mais contar com os EUA? Outras nações sentem o mesmo? 

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O mundo costumava contar com os EUA, que eram capazes de intervir a qualquer momento. Espero que esse seja um período de exceção. Antes, no jeito que o país costumava agir, funcionava. Tínhamos a Casa Branca, que consultava o Departamento de Defesa, de Estado, conversava com agências de inteligência, com a academia, com think tanks, e agia com anuência do Congresso. Tudo levava à construção de um consenso. O presidente não simplesmente ia a público fazer comentários, nem tuitava como agora. Um presidente americanonão dizia do nada 'vamos à zona desmilitarizada' e em seguida já estava caminhado pela DMZ (Zona Desmilitarizada da Coreia). 

Esse é o estilo Trump? 

Esse é o tipo de problema que ele criou. Outros países observam esse comportamento e concluem que podem fazer coisas contra seus vizinhos que antes não fariam. Esse é o perigo. Índia contra o Paquistão, Taleban pensando que pode derrubar o governo em Cabul. Veja por exemplo a situação da Coreia do Sul. Costumava ser um país parceiro dos EUA, mas agora o presidente americano se dirige diretamente aos norte-coreanos e não mais aos sul-coreanos. Seul recebeu o presidente, que simplesmente decidiu entrar na DMZ.  

O mundo está em maior perigo agora? 

Com certeza, está mais instável e mais imprevisível. Quando se trata de política externa e política econômica nas sociedades, as pessoas gostam de previsibilidade. Elas gostam que as coisas estejam e permaneçam calmas. E se há um problema, gostam de saber que um país ou um líder será capaz de agir rapidamente e cuidar do problema. Com os EUA costumava ser assim. Agora, as pessoas se perguntam o quê esse país irá realmente fazer. 

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É um comportamento perigoso? 

É um comportamento muito perigoso para 'xerife do mundo' quando esse 'xerife do mundo' não se dá conta de que todas essas coisas vão voltar para assombrá-lo, mais do que a mim e a você. Um mundo instável não é seguro para os EUA.

E por que ele se comporta assim? 

Uma coisa que é preciso ter em mente é que ele não tem experiência anterior em política externa. Ele também não tem experiência em liderar. Ele é um homem de negócios, de sucesso, mas um homem de negócios. Ele nunca foi nem prefeito de uma cidade. No mundo dos negócios, ele costuma tomar decisões por ele mesmo, sozinho, nunca tomou decisões que poderiam impactar muitas pessoas ou o mundo todo. 

Ele tem um estilo que não funciona em política e, particularmente, não funciona em política externa. Há ainda um outro aspecto é que o fato de ele ter um grande ego e não aceitar conselhos, ou sequer procurar por conselhos. Ele não gosta de pontos de vista discordantes. E esse é um aspecto central da política externa americana, de que tem de haver múltiplas vozes nos temas discutidos e só assim se chegar a um consenso. As decisões não costumavam ser tomadas em um momento inesperado ou simplesmente porque ocorreu à mente do presidente.

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O caso do bombardeio contra o Irã suspenso 10 minutos antes é um exemplo? 

Essa é exatamente a questão. Se você quer atacar um lugar em grande escala, claro que muitas pessoas vão morrer. Como você pode pensar que pode bombardear um lugar e em seguida desistir assim porque não fez o cálculo das vítimas antes?Por um lado, ele ameaça o Irã. Mas em seguida, diz que o Irã pode ser seu melhor amigo. Sua política não é planejada, não é pensada. Em outros processos ele também demonstrou sua noção de que os EUA não deveriam se envolver muito com o mundo, um outro aspecto central de sua política externa. Isso é parte do que acreditam também seus apoiadores entre o público americano. O que eles não se dão conta é de que esse envolvimento já acontece amplamente. Ele tenta responder à parte da opinião pública americana que diz que 'não se importa com o que acontece com o mundo', de que 'deveríamos tomar conta de nós mesmos'. Mas esquecem que o mundo é interconectado na economia,na politica externa. Não se pode simplesmente ignorar o mundo. 

Quais os riscos de mais alguns anos sob essa conduta?

Os riscos são muito sérios. Os EUA têm gastado bilhões de dólares tentando estabilizar o Afeganistão. E até elegeu um governo em Cabul. Mas essencialmente é muito provável que Trump entregará o Afeganistão ao Taleban. Quando a mílicia voltar ao poder, isso criará problema no Irã, no Paquistão e em toda a Ásia Central. Com tudo essa atitude de Trump de não se envolver, existe a possibilidade de vermos uma escalada de tensões entre Índia e Paquistão. 

Como deve ser a resposta do eleitor americano?

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Eu realmente gostaria de saber. Estou preocupado, é muito difícil de prever. Não apenas no ano que resta, mas por mais quatro anos (numa reeleição da atual política americana), a maioria das instituições definhariam diante de um padrão de comportamento como esse.

Última reunião entre Trump e Kim terminou repentinamente e sem acordo Foto: Brendan Smialowski / AFP

No caso do Irã, por exemplo, em que o acordo nuclear foi assinado pelo democrata Barack Obama. Isso influenciou na decisão de Trump de retirar os EUA do pacto? 

Sim, como foi esse o caso do acordo do Irã. Mas se um líder assume um cargo, e já há um acordo estabelecido, ele simplesmente aceita e segue. Esse aspecto do ego, de que tudo tem de estar relacionado a ele, é o que o faz sempre se oferecer para negociar acordos aqui e ali e nenhum funcionou até agora. Além disso, há o fato de seus apoiadores acharem que a atual ordem mundial deveria ser demolida e Trump sente isso. 

Mas apesar de a atual ordem mundial não ser 100% perfeita, ela certamente trouxe muito mais estabilidade para o mundo. E Trump está tentando responder a essa parte do público americano que não acredita nela. Épreciso considerar que há parte desse público também na Índia, na Europa. São nacionalistas, antiglobalistas que estão em várias partes do mundo. Não há nenhum problema em se acreditar nisso, mas a noção de que é preciso destruir primeiro para que talvez algo bom possa surgir depois, esse é o problema. O que se quer é destruir sem ter algo para colocar no lugar. 

Isso se aplica também na política doméstica americana? 

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Sabe, eu cresci no Sri Lanka. E eu tenho essa lembrança das pessoas quererem destruir primeiro as coisas, sempre acreditando que algo bom virá depois. E ver isso acontecendo agora nos EUA, eu pensou 'ah, não'. É o pensamento do terceiro mundo chegando aqui. Os EUA não têm de ser a 'polícia do mundo', mas podem ter o papel de um dos líderes. É possível fazer muito quando se é um líder poderoso e cuidadoso.

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