Guerra da Ucrânia contra a Rússia evoca o Dia D contra o nazismo; leia artigo de Paul Krugman

Alguns indivíduos contrários à ajuda do Ocidente simplesmente não percebem a equivalência moral com a 2.ª Guerra

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Por Paul Krugman

Setenta e nove anos atrás, paraquedistas aliados começaram a aterrissar atrás das praias da Normandia.

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A 2.ª Guerra ocorreu há muito tempo, mas ainda vive na memória dos Estados Unidos. E o aniversário do Dia-D, nesta terça-feira, parece especialmente evocativo este ano, conforme esperamos seu equivalente moral quando a Ucrânia iniciar seu tão aguardado contra-ataque contra os invasores russos (que pode já ter começado).

Eu uso o termo “equivalente moral” conscientemente. A 2.ª Guerra foi uma das poucas guerras que era claramente uma luta do bem contra o mal.

E veja, os caras bons não eram de maneira nenhuma inteiramente bons. Americanos ainda tinham direitos básicos negados e eram ocasionalmente massacrados em razão da cor de sua pele. O Reino Unido ainda dominava, por vezes brutalmente, um vasto império colonial.

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Um soldado ucraniano tapa os ouvidos enquanto dispara um morteiro contra posições russas na linha de frente perto de Bakhmut Foto: Efrem Lukatsky / AP

Mas mesmo que as grandes democracias fracassem frequentemente em cumprir seus ideais, elas possuem, não obstante, os ideais corretos; elas se colocaram, apesar de imperfeitamente, do lado da democracia contra as forças da tirania, a supremacia racial e o assassínio em massa.

Se a Ucrânia vencer esta guerra, alguns de seus apoiadores no exterior sem dúvida se desiludirão ao descobrir o lado mais obscuro do país. Antes da guerra, a Ucrânia pontuava alto em rankings de corrupção percebida — menos do que a Rússia, mas isso não quer dizer que a situação ucraniana fosse muito melhor. A vitória não fará a corrupção desaparecer.

A Ucrânia tem sim um movimento de extrema direita, que inclui grupos paramilitares que têm desempenhado uma função em sua guerra. O país sofreu terrivelmente sob Stálin, com milhões morrendo em uma crise de fome arquitetada deliberadamente; como resultado, alguns ucranianos deram boas-vindas inicialmente aos alemães durante a 2.ª Guerra (até se darem conta de que o nazismo também os considerava sub-humanos), e a iconografia nazista ainda é perturbadoramente disseminada no país.

Mas da mesma forma que as falhas dos Aliados na 2.ª Guerra, essas sombras não criam nenhuma equivalência entre os lados opostos no atual conflito. A Ucrânia é uma democracia imperfeita mas verdadeira, que pretende se unir a uma comunidade democrática maior. A Rússia de Vladimir Putin é um ator malévolo, e amigos da liberdade em todos os cantos têm de ter esperança de que ela será completamente derrotada.

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Eu gostaria de poder afirmar que os cidadãos das democracias ocidentais, americanos em particular, estão totalmente comprometidos com a vitória ucraniana e a derrota russa. Na realidade, ainda que a maioria dos americanos apoie a Ucrânia, somente uma minoria está disposta a continuar enviando esse tipo de ajuda pelo tempo que seja necessário.

Vale citar: a opinião pública americana a favor da ajuda à Ucrânia neste momento parece notavelmente similar às pesquisas do início de 1941 (ou seja, bem antes de Pearl Harbor) a respeito do programa Lend-Lease de ajuda militar para os britânicos por meio de empréstimos.

E os que se opõem a qualquer tipo de ajuda para a Ucrânia?

Alguns indivíduos contrários à ajuda do Ocidente simplesmente não percebem a equivalência moral com a 2.ª Guerra. Na esquerda, há gente achando que o tempo parou em 2003. Eles se lembram como os EUA foram levados à guerra sob falsos pretextos — e que fique registrado, eu percebi o que estava acontecendo e me opus veementemente na época — e não conseguem ver que a situação atual é diferente.

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Um soldado ucraniano observa uma área de uma trincheira em uma posição perto da cidade de Bakhmut, na linha de frente, em meio ao ataque da Rússia à Ucrânia Foto: Yevhenii Zavhorodnii/ REUTERS

Na direita, em contraste, muitos dos que se opõem à ajuda à Ucrânia — podemos chamá-los de facção Tucker Carlson — entendem perfeitamente do que trata esta guerra. E estão do lado dos caras maus. A “ala Putin” do Partido Republicano admira há muito o regime autoritário da Rússia e sua intolerância.

Antes da guerra, republicanos como o senador Ted Cruz compararam o que consideram a robustez dos russos com militares americanos “lacradores e emasculados”. Os fracassos militares da Rússia ameaçam mudar a visão de mundo dessas pessoas, que se sentiriam humilhadas por uma vitória da Ucrânia.

A questão é que muito está em jogo na Ucrânia neste momento. Se a contraofensiva ucraniana for bem-sucedida, as forças da democracia serão consolidadas em todo o mundo, e não em menor medida nos EUA. Se fracassar, será desastroso não apenas para a Ucrânia, mas para todo o planeta.

A ajuda do Ocidente poderá secar, Putin poderá finalmente alcançar a vitória que a maioria das pessoas esperou que ele fosse obter nos primeiros dias da guerra e a democracia será enfraquecida em todas as partes.

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O que vai acontecer? Nem especialistas militares sabem dizer, e eu não me iludo achando que sou assim tão especialista. Mas vale dizer: autoridades ocidentais soam cada vez mais positivas a respeito das chances da Ucrânia.

E assuntos militares não são como economia, em que, digamos, o Federal Reserve basicamente trabalha a partir da mesma informação em torno do website de pesquisa econômica do St. Louis Fed. Autoridades de defesa têm acesso a dados de inteligência desconhecidos do público e não querem acabar parecendo idiotas, portanto seu otimismo provavelmente não é alguma bravata vazia.

Mas nós não temos de ser especialistas militares para saber que atacar defesas fortificadas — exatamente o que os ucranianos têm de fazer — é muito difícil.

Na véspera do Dia-D, Dwight Eisenhower disse à força expedicionária, “Os olhos do mundo estão sobre vocês”. Agora, os olhos do mundo estão sobre as Forças Armadas da Ucrânia. Esperemos que elas sejam bem-sucedidas. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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