Os riscos de um retorno de Rafael Correa e seus aliados ao poder no Equador

Eleições antecipadas no Equador poderiam devolver o poder ao movimento de Rafael Correa, que pode ter aprendido algumas lições nos anos que passou apartado

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Por Will Freeman*

Um líder no exílio — ou, de acordo com o governo, fugitivo da Justiça. Importantes associados na cadeia ou espalhados pelo planeta. Uma sociedade ainda em processo de cura das feridas de uma década de polarização.

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Não se tratam exatamente dos marcos de um retorno à política. Mas não digam isso ao ex-presidente esquerdo-populista Rafael Correa e seus apoiadores. Logo após vitórias nas urnas e nas cortes, o correísmo está novamente na iminência de conquistar o Executivo nacional.

Em 17 de maio, Correa e seus apoiadores receberam a notícia pela qual vinham aguardando: sitiado, o presidente conservador do Equador, Guillermo Lasso, declarou “muerte cruzada”, dissolvendo a Assembleia Nacional para evitar uma votação de impeachment que ele parecia fadado a perder. De acordo com a Constituição, Lasso passa a governar por decreto por até seis meses, conforme o país realiza eleições gerais antecipadas. A vitória correísta não é uma garantia — mas é provavelmente o desfecho mais provável.

Presidente do Equador, Guillermo Lasso, ao lado de militares após uma sessão da Assembleia Nacional, no dia 16. Lasso dissolveu o Parlamento no dia seguinte Foto: Dolores Ochoa/AP

Por mais que o Equador precise de mudança, há sinais de que o correísmo não está totalmente preparado para traçar um novo caminho. A visão dos líderes de seu partido sobre o país e seus problemas parece atolada em assuntos falecidos, do tempo em que o Equador desfrutava de preços estratosféricos de commodities, fácil acesso ao crédito chinês e baixos índices de criminalidade. Ninguém sabe como eles pretendem lidar com os novos desafios: o aumento na incidência de crimes violentos e as condições mais restritivas das finanças globais. Acima de tudo, Rafael Correa ainda dá as cartas — e não quer arriscar perder o poder novamente. Se ele retornar para o país, a recente ascensão do correísmo “moderado” poderia se encerrar abruptamente.

Perdedores em uma onda de boa sorte

Até um ano atrás, o correísmo estava sem sorte. Após Correa deixar a presidência, em 2017, seu sucessor escolhido a dedo, Lenín Moreno, rompeu com ele quase imediatamente, expurgando apoiadores de Correa das instituições de Estado. Novas autoridades do Judiciário lançaram uma investigação ampla contra Correa e seus aliados, que definiram o movimento como “guerra judicial”.

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Vários líderes do partido foram parar na cadeia. Outros se espalharam por países latino-americanos e europeus. Correa estabeleceu residência na Bélgica para evitar uma condenação por corrupção, segundo ele, infundada. As eleições de 2021 foram uma má fase, com o candidato do correísmo ficando aquém das expectativas no segundo turno contra Lasso.

Mas então o Equador se despedaçou. Em meio a cada vez mais pessoas passando fome, uma economia moribunda e os piores índices de criminalidade da história do país, Correa e seu partido renovado, o Movimento Revolução Cidadã (RC), têm surfado uma onda de boa sorte. Jorge Glas e Alexis Mera, ex-autoridades do governo Correa, foram libertados da prisão nos meses recentes — supostamente como resultado de um acordo com Lasso, apesar do presidente negar que isso tenha ocorrido. Mais condenações poderão ser revertidas logo — e os correístas não estão vencendo apenas batalhas judiciais: eles também alcançaram vitórias recentes nas urnas.

Em fevereiro, candidatos do RC conquistaram o controle do dobro de prefeituras do que qualquer outro partido nas eleições locais, vencendo em Quito, a capital, e Guayaquil, maior cidade do Equador e bastião de longa data do conservadorismo anticorreísta. Os correístas venceram até na Província de Azuay, reduto da oposição indígena ao correísmo. É verdade que a maioria desses prefeitos venceu em campos fragmentados. Mas no fraco sistema partidário do Equador ser o menos fraco é suficiente.

Agora o correísmo se posiciona para conquistas maiores do que qualquer outra força em eleições antecipadas. Não surpreendeu que Correa tenha definido a declaração de muerte cruzada, de Lasso, uma “oportunidade”, e que líderes de seu partido tenham celebrado a notícia nos degraus da Assembleia — mesmo que isso tenha custado seus cargos.

Correísmo 2.0?

Os resultados das recentes eleições locais — que o correísmo disputou com candidatos moderados e se saiu bem — pareceram sinalizar que um correísmo mais gentil e amável emergiu dos tempos que passou distante.

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Há um grão de verdade nessa afirmação. Ultimamente, o RC parece mais um grande partido guarda-chuva da esquerda disposto a se ramificar para além de seu modelo antigo: desenvolvimentismo estatizante pesado em indústrias extrativistas e redistribuição mas leve em proteções para o meio ambiente, as comunidades indígenas, mulheres e as minorias sexuais.

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O prefeito eleito de Quito, Pabel Muñoz, que vem das bases do partido, apoiou recentemente um movimento ambiental popular. Fontes correístas que entrevistei para a elaboração deste artigo expressaram desejo de “transcender o extrativismo” e transformar o Equador na “Dubai da energia limpa”.

Em relação a questões sociais, muitos líderes correístas também vinham repensado seu conservadorismo apesar de o próprio Correa manter-se firme nele. Marcela Aguiñaga, correísta eleita prefeita de Guayas que antes ecoava as posições socialmente conservadoras de Correa, se reinventou recentemente: “Queremos os votos de jovens, feministas e ambientalistas”, afirmou ela recentemente. No ano passado, o partido permitiu aos seus legisladores votar segundo sua consciência sobre uma proposta de descriminalização do aborto em caso de estupro.

O correísmo 2.0 poderia ser mais moderado também economicamente. Parece haver consenso de que o próximo governo correísta não pode gastar ilimitadamente e assumir dívidas enormes, como no passado, e terá, em vez disso, de se conformar com um orçamento mais apertado. Em relação a política externa, a liderança correísta ansia afastar-se de Washington e adotar as posições de não alinhamento características de outros presidentes esquerdistas eleitos recentemente na América Latina. Eles acreditam que o Equador está perdendo uma chance de explorar a ordem mundial reformulada e aprofundar laços com outros países latino-americanos.

De volta ao poder, o correísmo tende a adotar políticas sociais e econômicas mais próximas de Gustavo Petro que Nicolás Maduro — ou de Correa 1.0. Mas quando se trata de instituições democráticas, a história é outra. Parece não haver muita disposição de acertar contas com o passado. Questionados sobre as tendências iliberais do correísmo 1.0, líderes correístas e figuras próximas ao seu partido que entrevistei ocasionalmente reconheceram “excessos” — um termo polido para a espionagem e a censura da imprensa ocorridas durante os governos de Correa. Mas não parece haver muito apetite para reconciliações com políticos rivais nem críticos do correísmo na sociedade civil — especialmente depois do que muitos no partido consideraram anos de perseguição e exclusão por essas forças.

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Correa não escondeu suas ambições: no mês passado, afirmou que pretende convocar uma Assembleia Constituinte para substituir a Constituição de 2008, que ele mesmo ajudou a forjar. A substituição do texto constitucional ocasionaria um expurgo na burocracia do Estado e desmantelaria contrapesos sobre o poder Executivo. Limpar os registros judiciais de Correa e seus aliados é outra prioridade — que requer controle do Judiciário. Enquanto o brasileiro Lula da Silva e o colombiano Petro alcançaram o poder oferecendo ramos de oliveira a antigos rivais, Correa não parece nada disposto a perdoar e esquecer.

O mais preocupante é a elevação explosiva na atividade do crime organizado no Equador. Não está claro se Correa e seu partido têm alguma resposta além de restaurar a antiga política de segurança: aumento nos gastos na área social e — talvez — o retorno da abordagem de não confrontação ao tráfico de drogas que caracterizou o correísmo 1.0. É improvável que essa receita funcione para pacificar o novo ambiente criminal do Equador, com uma criminalidade mais bem financiada, organizada e disposta a cooptar — ou, se isso não funcionar, atacar — as autoridades do Estado do que antes. Com o alto comando militar colocando-se abertamente ao lado de Lasso no atual desdobramento e a polícia e Correa historicamente em querelas, também é razoável prever ficção entre forças de segurança e um novo governo correísta.

Há chance de que o correísmo envolva uma direção mais moderada e democrática. Mas tênue. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* Will Freeman, Ph.D, é pesquisador de assuntos latino-americanos no Council on Foreign Relations

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