Os três mitos sobre o conflito entre israelenses e palestinos; leia análise

A menos que você acredite nos direitos humanos tanto dos judeus quanto dos palestinos, você não acredita de fato nos direitos humanos

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Por Nicholas Kristof

THE NEW YORK TIMES — Com a matança bilateral no Oriente Médio desprendendo venenos que intensificam o ódio mundialmente, permitam-me discorrer sobre o que considero três mitos que inflamam o debate:

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O primeiro é que haja um lado certo e outro errado no conflito no Oriente Médio (mesmo que as pessoas discordem sobre qual é o quê).

A vida não é assim tão simples. A tragédia no Oriente Médio é este confronto ser entre o certo e o certo. O que não justifica o massacre e a selvageria do Hamas nem Israel arrasar completamente bairros inteiros em Gaza, mas algumas aspirações legítimas que merecem ser atendidas permeiam o conflito.

Esta foto divulgada pelo exército israelense em 16 de novembro de 2023 mostra tropas durante uma operação militar no norte da Faixa de Gaza em meio a contínuas batalhas entre Israel e o grupo militante palestino Hamas. Foto: Exército do Israel via AFP

Os israelenses merecem ter seu país — forjado por refugiados sob a sombra do Holocausto — e construíram uma economia no setor da alta tecnologia que empodera mulheres e respeita pessoas gays ao mesmo tempo que garante aos seus cidadãos palestinos mais direitos do que a maioria dos países árabes concede às suas populações. Os tribunais, a liberdade de imprensa e a sociedade civil de Israel são modelos para a região, e existe também um padrão de dois pesos e duas medidas: críticos denunciam abusos israelenses ao mesmo tempo que frequentemente ignoram brutalidades prolongadas contra muçulmanos do Iêmen à Síria, do Sahara Ocidental a Xinjiang.

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Da mesma forma, os palestinos merecem um país, liberdade e dignidade — e não deveriam se sujeitar a uma punição coletiva. Nós chegamos a um marco causticante: em apenas cinco semanas de guerra, 0,5% da população de Gaza foi morta. Para colocar em perspectiva, isso equivale a mais que a fatia da população americana morta na 2.ª Guerra — ao longo de quatro anos.

Uma grande maioria dos mortos é de mulheres e crianças, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, e a dimensão da ferocidade e da natureza indiscriminada de alguns ataques aéreos pode ser percebida no fato de que mais de 100 funcionários da ONU foram mortos, segundo a entidade o maior número de mortes entre seus quadros em qualquer conflito desde sua fundação. Talvez seja porque, conforme definiu um porta-voz militar anteriormente neste conflito, “a ênfase é em dano, não em precisão”.

“Todos nós somos pessoas normais, tentando viver”, disse-me pelo telefone um engenheiro em Gaza. Ele despreza o Hamas e gostaria de ver o grupo retirado do poder, mas afirma que os combatentes ficam em segurança, dentro dos túneis, enquanto ele e seus filhos são as pessoas que mais correm perigo. “Nós somos civis e pagamos o preço.”

Seja qual for o lado ao qual você mais se inclina, lembre-se de que o outro inclui seres humanos desesperados que esperam apenas que seus filhos possam viver livremente e prosperar em sua própria nação.

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O segundo mito é que a resolução da questão palestina pode ser adiada indefinidamente, postergada por Israel, Estados Unidos e outros países. Era esta a estratégia do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, sua maneira de evitar um Estado palestino, que funcionou por um tempo — como uma panela de pressão, até explodir.

É difícil imaginar o contrafactual, se um Estado palestino teria ou não sido melhor para a segurança de Israel. Mas a inexistência do Estado palestino, em retrospecto, não fez de Israel um lugar seguro, e os riscos podem aumentar caso a Autoridade Palestina colapse em razão de corrução, ineficácia e falta de legitimidade.

Manifestantes gritam slogans e seguram uma faixa com a frase "A Palestina será um túmulo para assassinos" durante um protesto contra a visita do secretário de Estado dos EUA à Turquia e os ataques de Israel na Faixa de Gaza, em Istambul, Turquia, em 4 de novembro de 2023. Foto: ERDEM SAHIN / EFE

O presidente de Israel, Isaac Herzog, afirmou que um dos combatentes do Hamas em 7 de outubro carregava instruções para lançar armas químicas, o que serve de lembrete a respeito de um risco com o qual especialistas em terrorismo têm se preocupado há anos, de grupos extremistas utilizarem agentes biológicos e químicos.

O Estado Israel tem direito de se sentir ansioso em qualquer caso, mas eu suspeito que a melhor maneira de garantir sua segurança pode ser, em vez de protelar as aspirações palestinas, honrá-las numa solução de dois Estados. Não apenas como uma concessão para os árabes, mas num reconhecimento pragmático dos próprios interesses de Israel — e do mundo.

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O terceiro mito encontra-se de ambos os lados do conflito e é mais ou menos: que pena que nós tivemos de nos envolver nesse derramamento de sangue, mas as pessoas do outro lado só entendem a violência.

Eu ouço isso de amigos que apoiam a guerra em Gaza e me consideram bem intencionado mas mal informado, um indivíduo ingênuo incapaz de compreender a triste realidade de que a única maneira de manter o Estado de Israel seguro é pulverizar Gaza e extirpar o Hamas sob qualquer custo humano.

O Hamas realmente só entende a violência e tem sido brutal tanto com israelenses quanto com palestinos — mas o Hamas e os palestinos não são a mesma coisa, assim como os colonos violentos na Cisjordânia não representam todos os israelenses. Eu sou totalmente favorável a ataques cirúrgicos contra o Hamas e ficaria feliz se Israel conseguisse pôr fim ao extremismo em Gaza. Mas até aqui, eu temo que a ferocidade e a falta de precisão dos ataques de Israel tenham cumprido o objetivo do Hamas de escalar a questão palestina e mudar a dinâmica do Oriente Médio (e o Hamas é indiferente às baixas palestinas).

Nesse sentido, o Hamas pode estar vencendo.

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Em cinco semanas de guerra, eu não vejo nenhuma evidência de que as Forças Armadas de Israel tenham causado dano significativo ao Hamas, mas mataram vastos números de civis, colocaram a dificuldade dos palestinos no topo da agenda global, dissiparam a torrente inicial de simpatia por Israel, fizeram com que pessoas em todo o mundo marchassem pela Palestina, distraíram a atenção dos israelenses sequestrados e romperam qualquer possibilidade próxima de Israel normalizar as relações com a Arábia Saudita.

Meu amigo Roy Grow, especialista em relações internacionais da Faculdade Carleton, morto em 2013, costumava dizer que um objetivo crucial de organizações terroristas é fazer o adversário reagir exageradamente. Ele comparou essa estratégia ao jiu-jítsu, com as organizações terroristas usando o peso de seus oponentes para derrotá-los — e foi isso que o Hamas fez.

Ambos os lados desumanizam o outro, mas as pessoas são complexas, e nenhum lado é monolítico — e lembre-se de que guerras não tratam de populações, mas de pessoas. Pessoas como Mohammed Alshannat, doutorando em Gaza, que tem mandado mensagens desesperadas para amigos que temos em comum; ele concordou em permitir que eu as publicasse como um vislumbre da vida em Gaza.

Palestinos deslocados pelo bombardeio israelense na Faixa de Gaza sentam-se perto de uma fogueira em um acampamento fornecido pelo PNUD em Khan Younis, terça-feira, 31 de outubro de 2023.  Foto: Fatima Shbair / AP

“Houve bombardeios pesados na nossa área”, escreveu ele, em inglês, em uma das mensagens. “Nós saímos correndo para salvar nossas vidas, e eu perdi dois dos meus filhos na escuridão. Eu e minha mulher ficamos a noite inteira procurando por eles em meio a centenas de ataques aéreos. Nós sobrevivemos milagrosamente a um ataque aéreo e os encontramos desmaiados, de manhã. Por favor, rezem por nós. É impossível descrever a situação.”

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“Eu vejo a morte centenas de vezes ao dia”, escreveu ele em outro momento. “Nós defecamos ao ar livre, meus filhos defecam nas calças e não há água para limpá-los.”

Se Alshannat sobreviver à guerra, o que nós, americanos, poderemos dizer para ele e seus filhos? Como explicaremos que nós fornecemos bombas para esta guerra, que nós fomos cúmplices no terror e degradação de sua família?

Se um caminho na direção da paz existir — seja em dois Estados ou em um — ele começará com todos nós movendo-nos para além dos estereótipos. Os israelenses não são o mesmo que Netanyahu, e os palestinos não são o mesmo que o Hamas.

Buscar a humanidade em cada lado significa exigir a libertação dos reféns israelenses e denunciar a desumanização que leva pessoas a retirarem pôsteres de israelenses sequestrados de espaços públicos. Significa também renunciar ao que Netanyahu chama de “vingança poderosa” e transforma bairros inteiros de Gaza em escombros com corpos enterrados.

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Estou exasperado com as pessoas cujos corações sangram apenas por um lado ou que afirmam sobre as mortes do outro: “Isso é trágico, mas…”. Chega de “mas”. Se você não acredita em direitos humanos de judeus e palestinos você na realidade não acredita em direitos humanos absolutamente.

Se você chora apenas as crianças israelenses ou apenas as crianças palestinas, você tem um problema — e não nas vias lacrimais. Crianças de ambos os lados têm sido massacradas irrefletidamente, e a solução desta crise começa com o reconhecimento de um princípio tão básico que nem deveria precisar ser mencionado: todas as vidas de todas as crianças têm valor igual, e pessoas boas ocorrem em todas as nacionalidades. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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