Otan sofre divisões internas sobre qual estratégia adotar na Ucrânia após um ano de guerra

Aliados discordam sobre necessidades da Ucrânia para uma grande ofensiva contra Rússia e do ritmo das entregas militares

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Por David E. Sanger e Eric Schmitt

WASHINGTON — Os bilhões de dólares em novas armas para a Ucrânia anunciados neste mês — incluindo tanques britânicos, veículos de combate americanos e obuses dinamarqueses e suecos — são evidência do fracasso do presidente Vladimir Putin em separar os aliados da Otan depois de quase um ano de guerra. Mas fissuras pequenas, apesar de significativas, começam a ficar grandes demais para esconder.

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As diferenças ocorrem em relação à estratégia para o ano que entra e à questão mais imediata a respeito do que a Ucrânia precisará nos próximos meses, conforme ambos os lados na guerra se preparam para grandes ofensivas na primavera do Hemisfério Norte. E ainda que a maioria desses debates ocorra a portas fechadas, a impaciência do Reino Unido com o atual ritmo da ajuda e a recusa da Alemanha em fornecer tanques Leopard 2 para a Ucrânia tornaram-se públicas nesta semana.

Quando o secretário de exterior britânico, James Cleverly, visitou Washington nesta semana, ele convidou repórteres para almoçar e argumentou que é possível para a Ucrânia conquistar uma “vitória” na guerra este ano se os aliados se movimentarem rapidamente para explorar as fraquezas da Rússia. Autoridades na Polônia, nos Estados Bálticos e na Finlândia concordaram em grande medida com a posição britânica.

Imagem mostra soldado da Força Aérea da Alemã com distintivo da Otan no uniforme, enquanto país prepara envio de sistemas Patriots para a Polônia. Alemanha tem recebido críticas de aliados por relutar em enviar tanques à Ucrânia Foto: Annegret Hilse / Reuters - 23/01/2023

Mas as autoridades americanas recuaram, afirmando que é crucial compassar a ajuda, não inundar a Ucrânia com equipamentos que seus soldados ainda não sabem operar. E argumentaram que, em um mundo de recursos limitados, seria prudente manter algo no estoque, para o que, acredita o Pentágono poderá ser um conflito prolongado, no qual a Rússia tentará exaurir a Ucrânia com suas implacáveis barragens de artilharia e tácticas reminiscentes da 1.ª e 2.ª Guerras.

Na sexta-feira, na conclusão de uma reunião na Alemanha entre as dúzias de nações que participam do esforço de guerra, o general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, repetiu a consideração que tem pronunciado desde os seis meses de guerra.

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“Para este ano, seria muito, muito difícil expulsar militarmente as forças russas”, afirmou ele. O melhor que poderia se esperar é pressionar a Rússia a uma negociação diplomática — que é a maneira pela qual a maioria das guerra acaba — mas diplomatas veteranos dos EUA afirmam ter baixas expectativas de que Putin empreenderia negociações sérias.

Então veio um enfurecimento mais imediato, a respeito do governo do chanceler alemão, Olaf Scholz, em razão de sua recusa em enviar uma arma que muitos especialistas militares acreditam que seria decisiva nas mãos dos ucranianos: os tanques Leopard fabricados pela Alemanha.

O secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, passou vários dias tentando persuadir os alemães a enviar os tanques ou pelo menos permitir à Polônia e outros países que usam os blindados a reexportá-los. Mas quando a reunião com as dúzias de aliados chegou ao fim, o ministro da Defesa da Alemanha, Boris Pistorius, relatou que nenhum acordo havia sido alcançado, mas disse que a decisão seria tomada “assim que possível”. Pistorius e Austin tentaram colocar o foco sobre a unidade do esforço para confrontar a Rússia, em vez da óbvia divergência sobre armas.

Diferenças de estratégia entre aliados em tempos de guerra são norma, não exceção. Na 2.ª Guerra, houve grandes debates sobre se dedicar antes a derrotar a Alemanha nazista ou os japoneses — que tinham de fato atacado território americano. Debates similares ocorreram durante as Guerras da Coreia e do Vietnã, assim como no Iraque e no Afeganistão. Em razão dos EUA operarem a maior parte da força de combate, os americanos normalmente prevaleceram.

Mas em entrevistas com autoridades americanas, britânicas e de outros países europeus, incluindo graduados comandantes militares, fica claro que a Ucrânia é diferente. Os ucranianos são os únicos na linha de combate, e ninguém quer lhes dizer como lutar uma guerra em que suas forças, as únicas envolvidas na brutalidade cotidiana do conflito, têm mostrado bravura e determinação. Mas com Rússia e Ucrânia planejando novas ofensivas, o debate sobre estratégia e armas chegou ao que o secretário-geral da Otan qualificou como “um ponto de inflexão”.

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Os ucranianos não fazem segredo de que, por mais que apreciem o apoio de seus aliados, o que eles estão obtendo não é suficiente. Quando o Reino Unido anunciou, anteriormente esta semana, que estava enviando tanques Challenger 2, os ministros ucranianos das Relações Exteriores e da Defesa emitiram um comunicado conjunto agradecendo o governo britânico, mas acrescentando que “isso não é suficiente para alcançar objetivos operacionais”.

Tanque Bradley utilizado por soldados americanos em exercício na Síria em 8 de dezembro de 2021. Veículos estão incluídos nos novos pacotes americanos de ajuda militar à Ucrânia Foto: Baderkhan Ahmad / AP

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O líder da Ucrânia, Volodmir Zelenski, foi áspero, como de costume. Após agradecer os EUA por uma contribuição de US$ 2,5 bilhões em armas, além dos US$ 3 bilhões anunciados semanas atrás, ele afirmou: “Centenas de obrigados (thank yous) não são centenas de tanques (tanks)”.

Autoridades americanas ficaram claramente frustradas após suas negociações com o governo alemão esta semana. A Alemanha começou afirmando que enviaria os tanques Leopard e autorizaria outros países a fazê-lo contanto que os EUA também enviassem seus tanques M-1 Abrams. Os americanos se recusaram, afirmando que seu tanque consome muito combustível, o veículo é movido por um motor a jato, requerendo uma linha de abastecimento capaz de manter suas operações, e que não seria útil no ambiente ucraniano. (As autoridades desviaram de perguntas sobre por que um tanque tão difícil de operar em campos de batalha europeus está no arsenal dos EUA.)

Os tanques Challenger, britânicos, e Leopard, alemães, são mais flexíveis e mais simples de operar. Em público, porém, Austin e outras autoridades evitaram criticar Scholz, que, em sua visão, tem administrado a maior reversão na política externa da Alemanha — começando com a suspensão dos dois gasodutos que traziam ao seu país gás da Rússia — de maneira bastante habilidosa.

A verdadeira preocupação de Scholz, suspeita-se, é que ele não acredita que o mundo está pronto para ver tanques alemães próximos às fronteiras da Rússia, o que traz recordações da invasão nazista durante a 2.ª Guerra. Uma graduada autoridade americana afirmou esta semana que se Scholz e o público alemão estão preocupados com isso nessas circunstâncias, “eles são os únicos”.

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Mesmo que a Alemanha não tenha dito sim ao envio dos tanques Leopard esta semana, também não disse não — pelo menos ainda não. Mas a Ucrânia tem uma janela muito pequena para lançar uma ofensiva de primavera potencialmente decisiva antes dos russos fazerem o mesmo, e os tanques são um elemento crucial desse esforço.

Antes desse acionamento, a Ucrânia tem de formar milhares de soldados para o combate, receber novas armas avançadas do Ocidente e treinar seus soldados a usar essas armas e fazer sua manutenção. O esforço envolvido em tudo isso, de acordo com o general, seria “muito, muito pesado”.

É por isso que a demora da Alemanha em aprovar o envio dos tanques foi tão frustrante para Austin e outras autoridades ocidentais graduadas que tentaram a semana inteira alcançar um acordo com seus homólogos alemães para fornecer o que a Ucrânia precisa neste momento para retomar seu território.

“Se pararmos agora, ou limitarmos, ou diminuirmos a ajuda, tudo terá sido em vão”, afirmou em entrevista o ministro de Relações Exteriores holandês, Wopke Hoekstra. “Temos de duplicar. Nada substitui a vitória no campo de batalha.”

Falando a respeito da atual posição da Alemanha, uma autoridade britânica afirmou que o comprometimento de Londres em mandar tanques Challenger teve intenção de encorajar outros países a seguir o exemplo e que o governo britânico ainda tem esperança que isso ocorra.

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Em uma entrevista coletiva após a reunião da sexta-feira, Austin buscou não destacar a importância dos tanques Leopard e ressaltou os equipamentos que a Alemanha já enviou — veículos de combate, defesas antiaéreas e campos de treinamento para soldados ucranianos — afirmando que espera, sem dúvida, que Berlim eventualmente atenda o maior pedido da Ucrânia.

“Isso não diz respeito realmente a uma única plataforma”, afirmou Austin, mudando rapidamente de assunto para notar que a Ucrânia ainda receberá dos EUA mais de 100 veículos de combate Bradley e quase 90 veículos de combate Stryker, o que equivale ao “poder de combate de duas brigadas”. Ainda assim, Austin sinalizou que o tempo não está do lado da Ucrânia. “Temos uma janela de oportunidade aqui, entre agora e a primavera”, afirmou ele. “Não é muito tempo.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO