Otimismo impulsionou popularidade de Kamala Harris, mas será suficiente para vencer a eleição?

A empolgação em torno da campanha de Kamala pode se dissipar até novembro, e os americanos poderão substituir a euforia por frustração diante dos desafios domésticos

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Foto do author Isabel Gomes

Alegria e esperança. Essas foram as palavras usadas por Michelle Obama, Bill Clinton, Oprah Winfrey e Tim Walz associadas à Kamala Harris durante a Convenção Nacional Democrata em agosto.

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Mais do que uma simples coincidência de discurso, o destaque ao carisma e à personalidade da vice-presidente faz parte de uma estratégia cuidadosamente planejada pelo Partido Democrata que tem garantido a ela uma lua de mel política que já dura 60 dias. O grande teste deste otimismo será nesta terça-feira, 10, com o primeiro debate contra Donald Trump.

Desde que entrou na corrida presidencial em julho, Kamala assumiu a missão de reacender o ânimo de uma base democrata que já se via derrotada com Joe Biden à frente da disputa.

A vice-presidente dos EUA e candidata presidencial democrata, Kamala Harris, fala com pessoas durante uma parada de campanha em Pittsburgh, Pensilvânia. Foto: Mandel NGAN/AFP

As primeiras pesquisas eleitorais reagiram rapidamente, mostrando que a vice-presidente conseguia reverter os números que antes afundavam a campanha democrata, comprovando que sua presença trouxe novo vigor à base do partido.

Mesmo em assuntos arriscados para o governo Biden, como economia, por exemplo, Kamala fala dos Estados Unidos como um país que cria oportunidades para os americanos. Com tamanho otimismo, a democrata contrasta com a estratégia de Trump, que pede para tornar “A América Grande de Novo” e segue determinado em fazer ataques pessoais contra Kamala, Walz e Biden, apesar de esforços constantes de sua equipe para fazê-lo se concentrar mais nas propostas.

Mas até agora Kamala não foi realmente testada. Não houve declarações polêmicas ou gafes que pudessem colocar essa estratégia em risco. Mas em um país onde a inflação está em alta, a crise migratória se tornou uma questão central e as mulheres passaram pela perda de direitos reprodutivos, a empolgação em torno da campanha de Kamala pode se dissipar até novembro, e os americanos poderão substituir a euforia por frustração diante de tais questões.

Se isso acontecer, Kamala poderá ser pressionada a apresentar mais propostas concretas, mostrando que tem mais a oferecer além de otimismo. Os números pós-convenção já deixam isso claro.

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Como apontou a The Economist na última quinta-feira, 5, a candidata ganhou dois pontos porcentuais nas pesquisas. Comparada com outras convenções democratas, a do último mês, embora tenha enfatizado o tom positivo, foi um fracasso em termos de números: os ganhos pós-convenção de Kamala são os menores do que os de 17 dos últimos 19 indicados democratas.

Reconstrução de imagem

De forma temporária ou não, a campanha de Kamala parece focada em reconstruir sua imagem após anos de pouca visibilidade durante o governo Biden. “Ela passou praticamente quatro anos escondida, e agora começou a aparecer mais, o que já virou alvo de críticas da oposição”, afirma Cristina Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

A estratégia de apresentá-la ao público de forma jovial, alegre e cheia de esperança pode funcionar temporariamente, mas “o carisma não se constrói pelo marketing, ele se constrói no dia a dia”, diz a especialista. “Em algum momento, será necessário baixar o tom e ajustar a narrativa, permitindo que a verdadeira personalidade de Kamala se revele”, afirma.

Kamala precisará revelar essa verdadeira personalidade lidando com um obstáculo: a percepção pessoal que muitos americanos têm sobre ela. Em uma pesquisa da YouGov em julho, quando perguntados sobre quem eles achavam mais carismático, apenas 22% dos entrevistados disseram que ela era mais charmosa do que Trump, que foi considerado mais carismático por 49% dos entrevistados.

“Ela tem uma imagem de ser uma pessoa extremamente distante e antipática”, avalia Cristina. “Mesmo entre os democratas, muitos votarão nela mais por necessidade de derrotar Trump do que por afinidade com sua figura, que não é exatamente popular dentro do próprio partido”, afirma.

O discurso de Kamala na convenção se propôs a mudar isso. Kamala relembrou suas origens como filha de imigrantes e destacou como foi ser criada em um bairro popular de Oakland, na Califórnia, em uma família da classe média.

“Nunca deixe ninguém dizer quem você é”, declarou Kamala no discurso. “Mostre a eles quem você é.”

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Debate poderá lançar pedras em teto de vidro democrata

O primeiro encontro presencial de Kamala e Trump nesta terça-feira, realizado pela ABC News, será o grande teste para a estratégia democrata. Em um cenário em que grande parte das pesquisas mostram um empate técnico nos Estados-chave, a vice-presidente pode derrapar se seguir priorizando o otimismo diante de assuntos que são caros para os americanos.

Kamala “tem evitado, especificamente, temas em que o governo é visto como frágil: imigração, inflação e política externa. Destes, o único em que ela teve participação direta foi o de políticas migratórias, fato que tem sido bastante explorado pelos republicanos. Será difícil seguir fugindo desses temas”, diz Guilherme Casarões, cientista político e professor da FGV EAESP.

O confronto direto com Trump também é visto como um divisor de águas na campanha, diz Casarões. “Os candidatos chegam a essa confrontação direta em condições muito diferentes: Kamala em ascensão, com uma candidatura ainda pouco desgastada; Trump na defensiva, estagnado e buscando retomar o controle da narrativa.”

Joe Biden, na época ex-vice-presidente dos Estados Unidos, ao lado de Kamala Harris, senadora democrata da Califórnia, durante os debates das primárias presidenciais democratas, em julho de 2019, em Detroit. Foto: AP Photo/Paul Sancya, arquivo

Sua atuação como promotora podem ser decisivos nessa jogada. “Os aliados de longa data da vice-presidente esperam que as habilidades que ela aprimorou no tribunal durante seus anos como promotora — incluindo como usar contenção, timing e humor para se conectar com o público — moldarão o resultado”, escreveu a repórter Maeve Reston no Washington Post.

Para Cristina Pecequilo, da Unifesp, essa experiência pode ser uma faca de dois gumes: “Ela sempre está na defensiva. Sendo uma advogada, tem o púlpito pra ela. Então, não é uma coisa que você tem que dialogar com o outro. Você está num tribunal, você faz o teu caso, mas não é exatamente um diálogo como é um debate”, diz. “É necessário ela sair dessa posição defensiva para subir uma posição mais assertiva.”

Para os especialistas, essa é a hora de Kamala ir atrás de eleitores independentes e de conquistar os Estados-pêndulo.

“Oportunidades como a do debate vão mostrar para o eleitor quem ela realmente é, se ela vai conseguir sustentar uma imagem mais positiva. E aí, não é para o eleitor democrata, que já está fechado com ela. É a imagem, realmente, para um outro eleitor, que é o eleitor que vai decidir a eleição”, avalia Cristina.

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