Em algum momento muito próximo, espera-se, as autoridades do governo Biden tentarão explicar ao povo americano o que elas acham que nossos caças derrubaram sobre o Lago Huron, o norte do Canadá e a costa do Alasca, sejam esses objetos balões, drones ou algo mais estranho. Se isso acontecer, daremos um passo significativo no sentido de solucionar um duradouro e antigo mistério envolto em conspirações: o que exatamente são todos esses objetos voadores não identificados — ops, perdão, perdão: todos esses fenômenos aéreos — com os quais nossos militares continuam se deparando nos céus do planeta Terra?
Mas talvez esse passo não seja tão grande quanto possamos esperar. Talvez alguns dos escombros jamais sejam encontrados (conforme o governo sugere neste momento) ou não identificaremos completamente alguns dos objetos. Talvez o governo torne os detalhes sigilosos ou os objetos podem ser identificados oficialmente como drones ou balões mas suas origens permanecerem incertas. Talvez a conclusão seja apenas que fazemos muito pouca ideia do que ocorre nos nossos céus, o que faz teorias mais extravagantes parecerem realmente mais críveis do que pareciam poucas semanas atrás.
Isso se encaixaria em um dos padrões da nossa era, que podemos chamar de revelação incompleta. Às vezes um fenômeno passa de objeto de teorias tresloucadas e conversas confidenciais para algo mais mainstream, mas sem ser completamente explicado ou compreendido. Ou às vezes uma controvérsia entra no centro das atenções por um breve período, muita coisa parece depender da resposta e, então, ela não é resolvida e parece acabar esquecida. O que está em jogo nesses tipos de caso não são teorias conspiratória (apesar deles poderem lhes dar impulso) mas uma questão ou segredo — algo que é reconhecidamente importante, teoricamente cognoscível, mas que escapa ao alcance.
A história dos fenômenos anômalos não identificados tem sido um exemplo óbvio. Nos anos recentes, o governo e os meios de comunicação finalmente reconheceram a existência de fenômenos genuinamente estranhos. Mas não houve uma pressão sustentada do mainstream (porque seria algo demasiado estranho e paranoico) sobre autoridades ou instituições públicas para chegarmos a nos aproximar da resposta a respeito do que está havendo.
Quer alguns exemplos? Alegro-me que você tenha pedido. Aqui vai uma lista:
Quem explodiu os gasodutos Nord Stream?
Na semana passada, Seymour Hersh publicou uma reportagem em seu boletim Substack, alegando que mergulhadores da Marinha dos EUA plantaram os explosivos que sabotaram gasodutos que ligavam a Rússia à Alemanha. Há bons motivos para duvidar da matéria, começando por ela aparentemente ser como base uma única fonte e trafegar entre vários problemas factuais e de plausibilidade. Hersh é famoso por revelar histórias importantes, mas também por errar feio.
Mas alguém explodiu os gasodutos. Terá sido a Rússia? Setores da oficialidade ocidental sugeriram isso no início, mas após meses de investigações ainda estamos aguardando evidência convincente ou algum argumento que explique por que seria de interesse de Moscou dificultar tanto o religamento do fluxo de energia que os russos tentam usar em sua chantagem. Terão sido os EUA, agindo para impor à Rússia um isolamento mais profundo enfraquecendo a influência imediata dos russos sobre a Europa em relação a energia? O governo Biden nega qualquer envolvimento, e isso teria sido um ato bastante irresponsável para um governo que tem sido muito cauteloso em relação a evitar conflito direto com a Rússia.
“No mundo cada vez mais transparente de hoje”, escreveu Sergei Vakulenko, do Fundo Carnegie, logo após a sabotagem, a verdade a respeito desse enigma “pode não permanecer enterrada por muito tempo”. Mas, muitos meses depois, temos a denúncia duvidosa de Hersh e pouco mais.
Quais eram os segredos de Jeffrey Epstein?
Deixe de lado o debate a respeito dele ter ou não se suicidado: mais de três anos depois do aparente suicídio de Epstein, são os mistérios maiores a respeito do predador-proxeneta que permanecem não resolvidos. Nós não entendemos completamente como ele ganhou dinheiro; a história de sua ascensão como conselheiro do magnata do varejo de vestuário Leslie Wexner ainda parece uma narrativa à que faltam detalhes cruciais. Nós não entendemos completamente por que ele obteve tamanha leniência em suas idas e vindas com autoridades policiais e judiciais na era Bush.
Epstein “pertencia à inteligência” — foi assim que Alexander Acosta, ex-promotor de Justiça da Flórida transformado pelo governo Trump em secretário do Trabalho, supostamente explicou sua própria parte nessa leniência. Mas nós ainda não sabemos a verdade a respeito das possíveis ligações de Epstein com o governo americano ou outros, como seus supostos métodos de chantagem e vigilância funcionavam — e por aí vai.
Eu também, falando como alguém que sustenta um interesse cauteloso em espiritualidades alheias, gostaria de saber mais — mesmo que só um pouquinho — a respeito da estranha estrutura similar à de um templo em uma de suas ilhas privadas, cuja inspiração e pretensos propósitos ainda permanecem obscuros.
O novo coronavírus vazou de um laboratório chinês?
Aqui os obstáculos para certas respostas são óbvios: as evidências cruciais são controladas por um Estado cada vez menos cooperativo e crescentemente autoritário, o debate científico ocorre à sombra de um interesse velado que algumas de nossas próprias instituições de saúde e ciência possuem na pesquisa de “ganho de função”, e a questão está atrelada desde o início às guerras culturais da era Trump.
Mas imagine se vários anos depois de um grande terremoto atingir Los Angeles ou San Francisco nós ainda não soubéssemos se o tremor foi natural ou induzido acidentalmente por experimentos geológicos realizados por um grande rival geopolítico. É basicamente nesse ponto que estamos hoje em relação a toda a pandemia, e nossa incerteza a respeito de suas origens está ligada a questões cruciais, como a probabilidade de surtos futuros, o bom senso e a segurança de projetos de pesquisa científica financiados publicamente e, é claro, a nossa relação com a China. Por mais energia que nossas instituições estejam empregando para resolver essa questão, parece que mais empenho seria uma boa ideia.
O que aconteceu exatamente entre Brett Kavanaugh e Christine Blasey Ford?
Eis um caso em que partidários de ambos os estão certos de conhecer a resposta, mas com o qual ninguém se importa mais — e talvez não se importar mais seja a coisa mais sensata a se fazer. Mas os partidários de Ford ainda trabalham, convencidos de que faltou uma rede mais ampla, mais denunciantes além dela. Um documentário a respeito do caso, de Doug Liman, diretor de “Swingers — curtindo a noite” e “A identidade Bourne” aparentemente coloca novo foco sobre as denúncias e os supostos incidentes relacionados ao tempo de Kavanaugh em Yale.
Mas o que pensei durante as audiências no Senado em 2018 — e ainda penso agora — é que a acusação inicial de Ford deveria ser mais adequada a uma investigação com foco. Quero dizer que, estivesse Ford dizendo a verdade, mentindo ou equivocando-se em sua memória de alguma maneira importante, nós deveríamos ser capazes de saber pelo menos um pouco mais da verdade a partir das diversas pessoas que estão conectadas com a suposta festa em casa — dos nomes na agenda de Kavanaugh à própria família de Ford, às conexões mútuas de Kavanaugh e Ford e mais. Eu pensei na época que alguém na grande Georgetown sabia mais do que havia sido revelado, de uma maneira ou de outra, e ainda penso isso hoje.
Eu gostaria de pelo menos ler o relatório final do FBI que os senadores leram antes de votar, por mais insuficiente que tenha sido.
E quem sabe — talvez eu consiga encontrar esse relatório enterrado sob algum altar no templo de Epstein ou enroscado nos fios que nossos pilotos pensaram ter visto pendurados em um fenômeno anômalo não identificado em torno do Lago Huron pouco antes de derrubá-lo. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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