A Câmara da Argentina devolveu para as comissões o pacote de reformas de Javier Milei, a “Lei Ônibus”, após um impasse na discussão sobre as privatizações. Nesta terça-feira, 6, os deputados começaram a votar individualmente cada um dos mais de 380 artigos depois da aprovação do texto-base na semana passada. Sem acordo, o presidente da Casa, Martín Menem, anunciou a volta do projeto para a fase de comissões e deu a sessão por encerrada.
Os deputados derrubaram quase todo o artigo de reforma do Estado, inclusive o que previa privatização total ou parcial de empresas estatais nos termos estabelecidos em outro artigo - o próximo a ser votado. A derrota por um placar de 152 votos contrários e 101 a favor alarmou o bloco governista, que pediu um intervalo de 15 minutos antes que a discussão sobre as privatizações avançasse.
A ideia era abrir uma negociação na tentativa de evitar mais uma derrota. Um grupo de deputados, incluindo representantes da chamada oposição do diálogo, se reuniu no gabinete de Martín Menem durante a pausa que se estendeu por mais de 45 minutos. Diante do entrave, Oscar Zago, líder do partido de Javier Milei (Liberdade Avança), solicitou que o pacote retornasse para as comissões da Câmara. Com isso, a aprovação do texto-base e todas as discussões posteriores perdem efeito.
Segundo informações do Clarín, a ordem partiu do presidente Javier Milei, que está em Israel para um encontro com o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu - a segunda viagem internacional desde que assumiu. “Vamos retirar o projeto. Se for para sair uma lei ruim, prefiro que não sai”, determinou de Jerusalém.
Nas redes sociais, ele culpou a classe política, que chama de casta, e prometeu seguir com o seu programa de governo.
“A casta se posicionou contra a mudança que nós, argentinos, votamos nas urnas. Sabemos que não será fácil mudar um sistema onde os políticos enriqueceram às custas dos argentinos que se levantam para trabalhar todos os dias”, escreveu no X (antigo Twitter). “Nosso programa de governo foi votado por 56% dos argentinos e não estamos dispostos a negociá-lo com aqueles que destruíram o país”, acrescentou.
Disputa com governadores
Depois que a sessão foi interrompida, Oscar Zago, negou que tenha sido uma derrota para o governo e culpou os governadores que, segundo ele, descumpriram promessas. “Não houve fracasso nas negociações, eles que não cumpriram com a sua palavra”, disse.
As províncias vinham pressionando por uma fatia do chamado imposto PAIS, que incide sobre as transações em moeda estrangeira. O governo, por outro lado, resistia em fazer mais concessões sobre o pacote já desidratado.
“Os governadores tomaram a decisão de destruir a Lei artigo por artigo, horas depois de concordarem em acompanhá-la”, disse o Gabinete do Presidente em um comunicado.
Os 10 governadores da coalizão de direita Juntos pela Mudança, que apoiaram Milei no segundo turno, responderam que cumpriram o seu compromisso de ajudar o governo. “Portanto, não corresponde que nos responsabilizem nem que nos faltem com respeito, alegando pouca vontade de diálogo e incapacidade de nossa parte, quando na verdade trabalhamos incansavelmente”, disseram em comunicado.
Por sua vez, a oposição peronista - que na semana passada tentou, sem sucesso, uma manobra para adiar a votação mandando o texto de volta para as comissões - celebrou o que chamou de derrota para Javier Milei. “Derrota política do governo e papelão histórico. A lei voltou para as comissões, nunca vi nada assim”, escreveu o portenho Leandro Santoro, do União Pela Pátria, a coalizão de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, que governou até dezembro.
A “Lei Ônibus” recebeu o parecer favorável das comissões há cerca de duas semanas, quando a Casa Rosada abriu mão de 141 dos 664 artigos que eram previstos inicialmente. O governo pretendia levar o projeto para o plenário da Câmara já na sequência mas, sem garantia de aprovação, acabou adiando a votação do texto-base que só foi concluída na última sexta-feira após mais concessões, que reduziram o pacote a cerca de 380 artigos.
Poderes extraordinários
Antes da sessão ser encerrada, a Câmara chegou a discutir outro ponto polêmico da “Lei Ônibus”: a emergência que abriria caminho para o Executivo assumir algumas atribuições do Legislativo. Os deputados haviam concordado com as declarações de emergência, mas com poderes limitados para Javier Milei.
Inicialmente, o governo queria emergência em 11 áreas por um período de até quatro anos (sendo dois prorrogáveis por mais dois). Na primeira etapa de debates, no entanto, os poderes extraordinários foram limitados a seis áreas, com o prazo máximo reduzido também pela metade.
Com 134 votos a favor e 121 contrários, o governo havia conseguido manter as declarações de emergência para questões econômicas, financeiras, tarifárias, energéticas, administrativas e de segurança (as seis que haviam sido acordadas na semana passada). A emergência vale até 31 de dezembro de 2024, mas ainda pode ser prorrogada por um ano.
Mas foi justamente na definição desses poderes que Javier Milei sofreu o primeiro grande revés do dia. O governo perdeu batalhas para gerir fundos milionários, reorganizar o setor energético e fortalecer a atuação das forças de segurança.
Toda essa discussão, no entanto, perdeu efeito com o retorno da “Lei Ônibus” para a fase de comissões./Com EFE
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