Eleição na Colômbia: país dividido vai dificultar governo de quem for o vencedor

Eleitores estão escolhendo seu candidato com base nos temores que cada um provoca; tanto Petro quanto Hernández terão de negociar com congressistas para aprovar projetos

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Foto do author Fernanda Simas
Atualização:

ENVIADA ESPECIAL À BOGOTÁ, COLÔMBIA - Um país dividido, com discursos radicalizados. Esse tem sido o roteiro de muitas eleições em diferentes nações nos últimos anos. Na Colômbia, que escolhe seu novo presidente no domingo, 18, a situação se repete e o temor é o de que a divisão aumente, independentemente de quem seja eleito.

De um lado está Gustavo Petro, ex-guerrilheiro do M-19 e representante da esquerda – que nunca chegou ao poder na Colômbia. Do outro, o engenheiro Rodolfo Hernández, cuja experiência política se resume a ter sido prefeito de Bucaramanga, cidade de pouco mais de 500 mil habitantes, de 2016 até sua renúncia em 2019, em meio a denúncias de corrupção que envolviam seu filho. Ele foi a grande surpresa da eleição ao chegar no segundo turno.

Eleições colombianas estão divididas entre Gustavo Petro, ex-guerrilheiro do M-19 e representante da esquerda, e o engenheiro Rodolfo Hernández Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

Segundo os analistas, qualquer um dos candidatos terá dificuldade em governar. Assim como no Brasil, o presidente colombiano precisa do apoio do Congresso – que tradicionalmente é oficialista – para levar adiante seus projetos.

“Petro não conseguirá fazer muita coisa, pois todos os órgãos de controle têm integrantes do establishment. Então, por dois anos, dois anos e meio, ele não conseguirá trabalhar sem empecilhos. Hernández terá dificuldades também, pois afirma ‘eu sou independente’, mas não é bem assim. Uma coisa é fazer campanha e outra é governar. Em campanha, se promete qualquer coisa, mas para governar é preciso ajuda. E quem está lá? Os de sempre”, diz Mario Aller San Milán, professor de ciência política da Universidade Javeriana.

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Polarização política

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Para Yann Basset, professor de ciência política da Universidade do Rosario, mesmo com a tradição de um Congresso oficialista no país, os partidos costumavam se reunir e até opositores negociavam apoio a temas específicos, mas até essa perspectiva é incerta.

”Obviamente no caso de Petro seria mais difícil, pois há uma tendência de resistência à esquerda, então ele teria de negociar e moderar seu programa”, diz Basset. “Um pouco da situação de Lula em seu primeiro governo no Brasil. No caso de Hernández, acredito que os partidos políticos em geral não teriam problema em apoiá-lo, pois seu programa de governo não tem tanta resistência”.

Basset também explica que “o problema é mais seu estilo, ele passou a campanha fazendo discurso contra os políticos, que considera corruptos, então será difícil para ele negociar apoio sem parecer que está traindo sua posição. Negociando, ele perde popularidade e sem negociar não conseguirá governar. A analogia brasileira seria mais com o presidente (Fernando) Collor.”

A última pesquisa de intenção de votos, realizada pela Invamer, em parceria com a rede Caracol, a Blu rádio e o jornal El Espectador, mostra Hernández com 48,2% e Petro com 47,2%. O voto no país não é obrigatório.

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Medo

Num cenário eleitoral tão dividido, sem debates presenciais e com boa parte da campanha sendo feita pelas redes sociais, os eleitores passam a decidir o voto segundo os temores que cada candidato gera. “Petro gera temor em razão de seu programa econômico e social. Muitos, principalmente empresários, consideram que ele colocaria em risco a estabilidade econômica do país. Por outro lado, os temores com Hernández se referem ao seu caráter autoritário, tendências a passar por cima da lei”, afirma Basset.

A divisão nas propostas das candidaturas chegou aos partidos. Lideranças de uma mesma legenda estão divididas e declarando apoios com base em suas convicções pessoais.

Foi o caso do Partido do Novo Liberalismo. “Queremos construir uma proposta de centro, que não compartilha com as visões de extremos que nos levam à polarização política. Queremos o caminho em que as transformações sejam feitas pela via democrática. Após consultas, conversas com a militância, com os candidatos ao Congresso e líderes históricos, aderimos à campanha de Rodolfo Hernández”, afirma Juan Manuel Galán, presidente do partido.

Filho de Luis Carlos Galán - morto em 1989, a mando de Pablo Escobar, quando liderava as pesquisas à presidência - , Juan Manuel Galán alega que a negativa em apoiar Petro se dá em razão da “personalidade caudilhista” do esquerdista. “Quando governou Bogotá, seus principais colaboradores não ficavam mais de seis meses com ele porque diziam que não podiam trabalhar com ele, que era alguém muito complicado. No próximo governo precisamos conseguir construir uma equipe. Os problemas não serão resolvidos por uma pessoa, mas por todo país.”

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A justificativa não convenceu a todos os integrantes do partido. Mabel Lara, ex-apresentadora de Tv, foi candidata ao Senado e agora declara seu apoio a Petro. “Vou votar por Francia e Petro porque sou uma mulher neoliberal e acredito que ele deu mais garantias ao exercício democrático. Esse país, que sempre apostou no establishment, nas mãos da direita, precisa mudar. Em segundo lugar sou negra e de Cauca, do Pacífico. Entendo que o voto negro e afro está num momento muito importante. Avançamos muito para entregar nossas lutas sociais a uma pessoa que acha que as mulheres devem ficar na cozinha e não na política”, afirma, se referindo a Hernández.

Mas, em um ponto eles concordam. A polarização já está presente e é incerto como ficará após a votação.

“A Colômbia já teve uma vivência com a polarização, no século passado, quando se enfrentavam os liberais e os conservadores e isso nos custou 300 mil mortos. Não podemos repetir essa história. Acredito firmemente que Rodolfo Hernández possa representar esse presidente de centro que nos tire da polarização por não estar vinculado a nenhum dos extremos e, por meio de canais de diálogo e construção de acordos, chegará às reformas que necessita o país”, afirma Galán.

“Quando se vê o mapa do primeiro turno e o da votação do plebiscito, vai ver que é o mesmo mapa. Ou seja, o país está dividido. Uma realidade acredita que há muita demanda social sendo feita. A outra realidade, das pessoas que votaram sim ao processo de paz, está dizendo ‘isso me representa porque está dando um espaço democrático aos jovens e às lutas sociais’. Esses dois países não puderam se comunicar, então o que nos damos conta é que nesse país dividido, essa Francia Márquez está pedindo um espaço. É tão terrível que o poder sempre tenha estado nas mãos da mesma pessoa que não conseguimos construir pontes de comunicação”, diz Mabel Lara.

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