GENEBRA - Michelle Bachelet, alta comissária de Direitos Humanos da ONU, afirma que a crise na Venezuela ganhou uma “dimensão global”, enquanto governos se dividem entre aqueles que apoiam ainda o regime de Nicolas Maduro e outros que tentam isola-lo.
Numa reunião na sede da ONU em Genebra nesta segunda-feira, o assunto foi um dos que dominou a agenda dos direitos humanos. Sem entrar em detalhes sobre a situação política entre Juan Guaidó e Nicolás Maduro, a ex-presidente do Chile ainda assim indicou que está “preocupada” com a situação. Segundo Bachelet, trata-se de uma crise que “ganhou dimensões regionais e até globais”.
Nos últimos dias, os governos da China, Rússia, África do Sul e Turquia atacaram as iniciativas de países ocidentais que retiraram seus respectivos apoios ao reconhecimento da presidência de Nicolas Maduro. Nesta segunda-feira, depois de dar um ultimato de oito dias, diversos governos europeus declararam seu reconhecimento a Guaidó e pediram a realização de eleições.
Bachelet ainda destaca o fato de que, com 3,3 milhões de venezuelanos no exterior, a crise exige que os demais países da região mantenham suas fronteiras abertas e que continuem a lutar contra a xenofobia. Segundo ela, esse fluxo é “sem precedentes” na história recente da América Latina.
Seu recado, porém, ocorre dias depois de incidentes envolvendo imigrantes venezuelanos alvo de ataques xenófobos na Colômbia e Equador.
Bachelet informou que, no dia 20 de março, um novo informe com uma atualização da situação venezuelana, será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.
A delegação da Venezuela usou a reunião na ONU para denunciar “o assédio imperial” que está sofrendo e insiste que Maduro lidera um governo “humanista” e que tem “a protecção de direitos humanos” como um princípio.
Caracas ainda denuncia a existência de uma suposta “campanha de imprensa para a satanização” do regime da Venezuela. “O império americano quer se apropriar de nossos recursos e da capacidade de darmos uma renda para a população”, denunciou.
A delegação ainda insistiu para que Bachelet faça uma viagem para a Venezuela para que “o mundo conheça a realidade de direitos humanos”. Não há, por enquanto, uma definição sobre a viagem, já que Bachelet apenas iria se tivesse a liberdade de visitar a oposição e a sociedade civil.
Sem citar o nome da Venezuela, o governo brasileiro tomou a palavra para denunciar, indiretamente, a situação de países que passam por situações similares ao que ocorre em Caracas.
Ao pedir a palavra durante o encontro, a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, indicou que o governo está “preocupado com ameaças aos direitos humanos e a democracia em muitas partes do mundo, incluindo em nossa própria região”.
Segundo ela, existem estados onde os direitos e liberdades de opinião e de expressão, assim como a participação em assuntos públicos, estão sendo minados pela violência. A embaixadora também criticou países onde as eleições não são “nem livres e nem justas”.
Também numa referência indireta à situação na Venezuela, a diplomata alertou para a repressão aos jornalistas. “Direitos sociais básicos como alimentos e saúde são negados por má administração econômica e policias deliberadas contra a população, inclusive a recusa por ajuda humanitária”, disse.
O governo da Alemanha foi mais direto e, em sua intervenção, denunciou a “violação à democracia” que ocorre na Venezuela. “Uma caixa de remédios custa mais que um salário mensal. Isso não pode continuar”, insistiu. O Reino Unido também se mostrou preocupado com a pressão.
Numa prévia do que pode ocorrer nos próximos dias, governos aliados ao de Maduro saíram ao socorro da Venezuela durante a reunião. Cuba, por exemplo, pediu que a ONU examinasse o impacto de sanções e bloqueios económicos sobre populações, numa referência às recentes medidas tomadas pela Europa e EUA contra a Venezuela.
Havana ainda ensaiou uma crítica contra Bachelet, indicando que o encontro da ONU não deveria ser usado para tratar de assuntos bilaterais. Caso contrário, ela estaria apenas “replicando um diálogo de surdos”.
Já o Irã denunciou o “intervencionismo para desestabilizar outros países”, enquanto a Nicaragua alertou para “fake news” sobre a situação na América Latina. “Basta de mentiras”, indicou o governo que expulsou a missão da ONU que avaliava a situação de direitos humanos no país.