Eleições na Alemanha: Partido conservador vai conseguir governar? Com quais alianças?

A coalizão mais provável será com o SPD, partido que está atualmente no poder, apesar de os resultados mostrarem que a AfD ficou em segundo lugar na eleição, com 20,8% dos votos

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Por Paula Rühling
Atualização:

ESPECIAL PARA O ESTADÃO/BERLIM - Friedrich Merz, da União Democrática Cristã (CDU), partido conservador tradicional, venceu as eleições federais na Alemanha no domingo, 23. O partido de Merz conseguiu 28,5% dos votos, seguido pelo partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), com 20,8%, e o Partido Social-Democrata (SPD), do atual chanceler Olaf Scholz, que ficou em terceiro com 16,4%. Com estes números, a AfD alcança o melhor resultado para a extrema direita alemã desde a 2ª Guerra Mundial.

Apesar disso, o próximo governo da Alemanha será uma coligação de múltiplos partidos políticos, para formar uma maioria no Parlamento, e a Alternativa para a Alemanha, de extrema direita, a AfD., deve ficar de fora do governo mesmo com 20,8% dos votos, porque os partidos alemães se recusam a formar um governo com o partido.

Friedrich Merz, à direita, líder da União Democrática Cristã (CDU), e Markus Söder, líder da União Social Cristã (CSU), se cumprimentam na sede do partido CDU em Berlim, Alemanha, depois do resultado da eleição, no domingo, 23  Foto: Michael Kappeler/AP

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Friedrich Merz, o líder do partido conservador mais tradicional da Alemanha, a CDU, tem agora a melhor chance de se tornar o próximo chanceler da Alemanha. Ele anunciou sua intenção de formar um governo até a Páscoa e descartou a possibilidade de unir forças com a AfD. O partido de centro-direita poderá, no entanto, garantir um governo bipartidário com os sócio-democratas (SPD), de Olaf Scholz.

Juntos, os pretos e vermelho, como são conhecidos os membros da CDU, somam 328 dos 630 assentos. Eessa aliança poderia até indicar a volta de uma coalizão como nos últimos governos da ex-chanceler Angela Merkel. Mas Merz tem uma postura mais conservadora, diferente da ex-chanceler alemã. Merz, inclusive, é um crítico contumaz das posições de Merkel e do legado da ex-chanceler, especialmente em relação à política migratória e a falta de investimento em digitalização.

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Scholz, porém, já descartou participar das negociações de seu partido. Ele assumiu responsabilidade no pior resultado do partido em uma eleição eleitoral. O líder do SPD, Lars Klingbeil, deverá assumir a liderança do grupo parlamentar dos social-democratas no Bundestag e se encarregar das negociações.

Mesmo que não seja necessária para a formação de uma maioria, ainda existe a possibilidade do partido verde entrar nesta conta. Robert Habeck, líder dos verdes, disse que não poderia rejeitar a possibilidade de uma coalizão com o partido vencedor, mesmo que fosse algo que seus apoiadores não desejassem mais. O grande problema é que a proteção climática ficou em segundo plano nas propostas de Merz, e suas propostas não combinam com os ideais dos verdes.

A Alemanha de 2025 enfrenta desafios econômicos e geopolíticos com o fim da energia barata que vinha da Rússia, a concorrência da China e incertezas na área de segurança e proteção por causa da chegada de Donald Trump ao poder nos EUA. Além disso, há a necessidade de modernização da infraestrutura alemã, e possíveis tarifas sobre o setor automotivo. Superar estes obstáculos exige reformas e investimentos, mas a regra na Alemanha que estabelece um freio para a dívida pública (chamada de a “Schuldenbremse”) limita a capacidade de ação do governo. Friedrich Merz sabe de sua responsabilidade.

Desafios econômicos

“Pode haver uma divisão de responsabilidades, com os Democratas-Cristãos focando em reformas do lado da oferta, reduzindo a burocracia, reformando o sistema de seguridade social para incentivar o trabalho e cortando impostos para as empresas. Já o SPD certamente insistirá em investir em infraestrutura e gerar empregos, para que as pessoas sintam a diferença”, explica em entrevista para o Estadão, Cyrus de la Rubia, doutor em economia.

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As previsões econômicas para a Alemanha são de crescimento de 0. 4% para este ano e 0,7% em 2026. Mas essas previsões só vão se concluir se o governo tomar medidas ‘ousadas’ na opinião do economista. “Não funcionaria se eles se mantiverem fieis ao freio da dívida e disserem que não temos permissão para fazer novas despesas. Apenas reduzir a burocracia não será suficiente”, completou.

A líder da AfD, Alice Weidel, discursa na sede da legenda em Berlim, Alemanha  Foto: Soeren Stache/AP

No entanto, a reforma do freio da dívida exige uma mudança na Constituição, com aprovação de dois terços do parlamento. Isso implica em convencer o partido de esquerda e os verdes, ou, mais uma vez, negociar com a AfD. Friedrich Merz já fez isso uma vez, quando propôs reforçar o controle fronteiriço e restringir o direito de asilo. Porém, ele também afirma não ter interesse em quebrar o bloqueio que separa os demais partidos alemães da extrema direita, popularmente conhecido como “firewall”.

Uma alternativa fora das regras do freio da dívida é a declaração de um estado de emergência por razões de segurança, de acordo com de la Rubia, “aprovando um orçamento extraordinário de 100 ou 200 bilhões de euros”.

A necessidade de investimentos em Defesa já existe, e atrair investimento para o setor não seria um desafio. “Diante das preocupações com segurança, um aumento do endividamento para reforçar esse setor e a infraestrutura precária deixaria os investidores satisfeitos”, acrescentou.

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O economista acredita que o candidato da CDU tem a ousadia necessária. “Os democratas-cristãos são bastante favoráveis a negócios, com abordagem pró-mercado, propostas de reduzir impostos e melhorar a infraestrutura”, afirma ele. Ainda assim, há dúvidas se coalizão que Merz vai liderar irá ceder a seus desejos quando o governo for formado.

Alemanha, União Europeia e Mercosul

O acordo entre o Mercosul e a União Europeia não foi um tema central nestas eleições, mas sua implementação depende diretamente das negociações conduzidas pelos governos europeus, a Alemanha entre eles. Oficialmente fechado em dezembro de 2024, o acordo ainda enfrenta resistência, especialmente de agricultores franceses, que temem concorrência desleal e impactos ambientais.

A postura do novo governo alemão será fundamental para determinar o avanço dos negócios. A coalizão que se desenha tem tudo para ser favorável ao acordo, por causa da postura favorável ao livre comércio e ao fortalecimento das relações com a América do Sul. Neste caso, o acordo pode ganhar novo fôlego.

“Considerando os partidos na Alemanha, a CDU e o SPD, além dos Verdes, há apoio ao acordo. Especialmente agora, porque com os Estados Unidos se afastando do livre comércio, eles sabem muito bem que precisamos de novos parceiros”, explica o economista De La Rubia.

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Ele lembra que apenas 10% das exportações alemãs vão para os Estados Unidos, daí a necessidade de encontrar novos parceiros. “A Europa subestima a importância da América Latina, mas com as mudanças globais recentes, o Mercosul deve ganhar destaque daqui pra frente”, diz o economista.

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