Partido de Obrador ganha força e ameaça último bastião da direita no interior do México

Crise na segurança impulsiona o Morena, partido do presidente López Obrador, e acirra disputa no Estado que é governado pela direita há 33 anos

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Foto do author Jéssica Petrovna

ENVIADA ESPECIAL A GUANAJUATO, MÉXICO - Nas ruas de pedra cercadas por construções barrocas que se moldam à colinas e pela efervescência do Mercado Hidalgo, o mineiro José Rafael Aguilar, 58, foi enfático: “Tem que se votar no Morena”, o partido do presidente Andrés Manuel López Obrador. Ele atribui a onda de violência em Guanajuato às três décadas de governo do Partido Ação Nacional (PAN), da coalizão de oposição, que tenta manter o seu bastião enquanto Claudia Sheinbaum, herdeira política de AMLO, busca a “façanha” de levar o reduto conservador nas eleições de 2 de junho.

Se dependesse de Aguilar, ela conseguiria. Na esfera nacional, o mineiro defende os programas sociais do governo Obrador e a continuidade do Morena — partido que votou em 2018 e votará de novo este ano: “Acredito que Sheinbaum vai pelo menos manter ou melhorar”, aposta. No Estado, diz que “não se pode mais andar nas ruas” ao reclamar da violência e pedir por alternância de poder.

Mineiro Jose Rafael Aguilar, 58, no centro histórico de Guanajuato. Foto: Jéssica Petrovna/Estadão

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O mesmo apelo é feito por Javier Rasso, livreiro de 78 anos. “São muitos anos de PAN, é preciso mudar”, diz ele que também pretende votar no Morena para o governo e a presidência.

“As pesquisas indicam que a eleição (em Guanajuato) vai ser mais apertada. Os cidadãos não estão totalmente convencidos sobre o PAN como estiveram nos últimos 30 anos, sobretudo, por causa da violência”, afirma o analista político Alfonso Partida Caballero, que é de Guanajuato. “No entanto, o Estado de direita por excelência, por questões históricas”, pondera.

Guanajuato lidera o ranking de homicídios por Estado no México. Foram 22,7 mil pessoas assassinadas nos últimos seis anos, aponta a consultoria TResearch, que compilou os indicadores de violência do mandato atual.

Só durante este período eleitoral, foram 331 pedidos de proteção e cinco assassinatos políticos, sendo mais notório o de Gisela Gaytán, candidata do Morena à prefeitura de Celaya. A cidade fica a cerca de 100 km da capital e convive com uma guerra de facções em meio à disputa do cartel local Santa Rosa de Lima com os carteis de Sinaloa e Jalisco New Genaration, que estão entranhados por todo o México.

Agentes da Guarda Nacional do México patrulham centro de Guanajuato. Foto: Jéssica Petrovna

Reduto da oposição

Guanajuato, onde vivem 6,1 milhões de pessoas, é o quinto Estado mais rico no México e tem tradição na mineração — embora o setor já tenha tido dias melhores, como notou José Rafael Aguilar. No século 18, emergiu como principal centro de extração de prata do mundo e, atualmente, se destaca como polo industrial, com a presença de quatro montadoras (General Motors, Honda, Mazda e Toyota), e petroquímico.

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Governado por homens do PAN há 33 anos, Guanajuato é um reduto conservador. Em 2018, votou pelo panista Ricardo Anaya e foi o único Estado do México que não elegeu Obrador.

O comerciante Henrique Banda, 65, demonstrou surpresa ao ouvir essa informação, mas logo emendou: “(Guanajuato) devia saber o que estava por vir”.

Henrique vende artesanatos com a mulher no Mercado Hidalgo, prédio imponente construído inicialmente para funcionar como uma estação ferroviária, mas que se converteu em um agitado comércio popular. Ele próprio votou no candidato do PAN na última eleição e pretende repetir a escolha agora em todos os cargos que estarão em disputa no dia 02 de junho.

O comerciante avalia que Obrador é muito acadêmico, se cercou de pessoas incompetentes e tem seguido os passos de autoritários de esquerda, como Nicolás Maduro, na Venezuela, e Daniel Ortega, da Nicarágua. “O poder subiu a cabeça de Obrador”, disse ele.

Henrique Banda vende artesanatos com a esposa no Mercado Hidalgo. Foto: Jéssica Petrovna

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Ao contrário de Henrique, que falou sem hesitar, outros comerciantes do Mercado Hidalgo eram mais ressabiados. Uma delas, que não quis ter o nome divulgado, concorda que AMLO tem seguido tendências populistas e autoritárias e ainda não decidiu em quem vai votar este ano. Há também aqueles que não tem esperanças em relação à política e devem ficar em casa no domingo.

Mais à frente, Mari, 62, que vendia lanches e refrescos, pediu para ser identificada apenas pelo apelido. “Sou panista”, disse ela depois de pensar por alguns segundos. “Simplesmente nunca cogitei votar pelo Morena, é algo que só nunca passou pela minha cabeça”, seguiu.

Ela pretende votar em Xóchitl Gálvez, candidata à presidência do PAN, este ano, em coligação com o antigo rival Partido Revolucionário Institucional (PRI), que está em declínio após sete décadas de hegemonia na política mexicana. “Acho que Obrador não fez um bom governo para nós, de Guanajuato, não apoiou o Estado porque aqui o governo é do PAN”, disse.

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Mercado Hidalgo, no centro histórico de Guanajuato. Foto: Jéssica Petrovna

Mesmo sem a possibilidade de reeleição, AMLO é o protagonista das eleições de 2 de junho. A disputa que, provavelmente elegerá uma mulher presidente pela primeira vez na história, está mais focada no seu legado que nos nomes da sua afilhada política Claudia Sheinbaum, líder nas pesquisas, e Xóchitl Gálvez, principal candidata da oposição.

A depender de quem fala, pode ser elogio ou crítica, mas nas ruas de Guanajuato, Sheinbaum é vista como a continuação do governo Obrador. Em visita a León, polo industrial a cerca de 60 quilômetros da capital, um dia antes de encerrar a campanha, ela pediu aos apoiadores que votem no 2 de junho, em apelo para conseguir o que chamou de “façanha”: vencer em todo país, inclusive no bastião do PAN, um objetivo considerado improvável.

O motorista Cesar Gilberto fugiu à regra da tradição panista no Estado em 2018, quando votou em Andrés Manuel López Obrador para presidente. Agora, contudo, escolheu Xóchitl Gálvez e se mostrou decepcionado com o governo AMLO. “Para alguém (como Obrador) que ficou 18 anos se preparando para ser presidente do México, eu esperava mais. Não tem muita coisa que você olhe e diga que ele fez, prometeu muito e não cumpriu”, disse enquanto dirigia entre as estradas cercadas por colinas e vales que marcam a paisagem.

Primeira mulher governadora

Para o governo do Estado, Henrique, Mari e Cesar pretendem votar em Libia Dennise García, do PAN, líder nas pesquisas, que enfrenta Alma Alcaraz (Morena) e Yulma Rocha (Movimento cidadão). Pela primeira vez na história, Guanajuato terá uma mulher à frente do governo, assim como deve acontecer no Palácio Nacional.

Na capital, declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, praticamente não se veem cartazes de candidatos, como os que estão por toda parte em outras cidades mexicanas. Mas a pouca propaganda que se disfarça em meio às barracas do mercado popular reforça que, apesar do avanço do Morena, o PAN segue como favorito para o governo do Estado.

Para o analista Alfonso Partida, as pesquisas deixam margens para uma eventual surpresa, mas a tendência panista deve se manter. “Guanajuato é um caso atípico, diferente de outros Estados, não tem havido alternância de poder” afirma. “Mudar um mapa dessa natureza é difícil, mas não é impossível”, conclui.

Cartaz da candidata ao governo de Guanajuato Libia Dennise García em barraca no centro histórico. Foto: Jéssica Petrovna
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