Passados três anos de guerra na Ucrânia, Trump inaugura um novo mundo para Putin

Sem declarações na Casa Branca em apoio à democracia e sem a frente unida dos EUA e Europa contra a Rússia, novas possibilidades surgiram para o presidente russo com o retorno de Trump

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Por Paul Sonne (The New York Times)

O presidente russo Vladimir Putin subiu ao palco em Sochi, na Rússia, no fim do ano passado, dois dias após Donald Trump vencer a eleição presidencial dos Estados Unidos, e falou no alvorecer de uma nova ordem mundial. “Em certo sentido”, disse Putin, “o momento da verdade está chegando”.

Talvez já tenha chegado.

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Após três anos de guerra e isolamento do Ocidente, um mundo de novas possibilidades se abriu para Putin com uma mudança de poder em Washington.

Acabaram as declarações do Salão Leste da Casa Branca falando em como os Estados Unidos enfrentam valentões, apoiam a democracia em vez da autocracia e garantem que a liberdade prevalecerá.

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Também se acabou a frente unida de Washington contra a Rússia com seus aliados europeus, muitos dos quais começaram a se perguntar se o novo governo americano os protegerá contra uma Moscou revanchista ou mesmo manterá forças mobilizadas na Europa.

Capas de revista em banca da Varsóvia, na Polônia, retratam o presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente dos EUA, Donald Trump. Foto: Sergei Gapon/AFP

Trump, tendo expressado desejos de tomar a Groenlândia, buscou uma rápida reaproximação com o Kremlin, enquanto afastava aliados europeus chocados e atacava publicamente o presidente Volodmir Zelenski, da Ucrânia.

É uma rápida virada na sorte para Putin. Ele se entrincheirou no campo de batalha — apesar das crescentes pressões e custos — para esperar a resolução ocidental em um conflito muito mais longo e oneroso do que Moscou esperava. Agora, talvez o líder russo acredite que chegou seu momento de mudar o equilíbrio de poder em favor do Kremlin, não apenas na Ucrânia.

“Acho que ele vê uma oportunidade real, tanto para vencer a guerra na Ucrânia, efetivamente, quanto para afastar os EUA não apenas da Ucrânia, mas da Europa”, disse Max Bergmann, analista de Rússia no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington que trabalhou no Departamento de Estado durante o governo Obama.

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O “objetivo maior” do líder russo, disse Bergmann, é a destruição da Otan, a aliança militar de 32 países liderada pelos Estados Unidos, que foi estabelecida após a Segunda Guerra Mundial para proteger a Europa Ocidental da União Soviética. “Acho que agora está tudo na mesa”, disse Bergmann.

A abertura representa uma das maiores oportunidades para Putin em seu quarto de século no poder na Rússia.

Por anos, Putin lamentou a fraqueza que a Rússia demonstrou na década após a queda da União Soviética e se fixou em reverter a influência que os Estados Unidos ganharam na Europa às custas do Kremlin.

Antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, três anos atrás, Putin fez demandas aos Estados Unidos e seus aliados europeus que iam muito além da Ucrânia, propondo a ressurreição de esferas de influência no estilo da Guerra Fria em uma Europa dividida entre Moscou e Washington.

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Ele exigiu que a Otan concordasse em não se expandir mais para o leste para nenhum país da antiga União Soviética, incluindo a Ucrânia. Ele também pediu aos Estados Unidos e seus aliados da Europa Ocidental que não enviassem nenhuma força militar ou armamento aos países da Europa Central e Oriental que antes respondiam a Moscou.

Muitas dessas nações, como Estônia, Polônia e Romênia, são membros da Otan há décadas e seria difícil defendê-las contra uma invasão russa sem tropas e equipamentos pré-posicionados.

“Na opinião de Putin, são os países mais poderosos que devem determinar as regras do jogo”, disse Angela Stent, professora emérita de governo na Universidade Georgetown. “Países menores, gostem ou não, têm que ouvi-los.”

Não importa, disse Stent, que a Rússia não tenha uma economia de superpotência. “Mas ela tem armas nucleares, tem petróleo e gás e poder de veto no Conselho de Segurança da ONU”, disse ela. “É apenas poder, poder duro.”

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Na época, o Ocidente rejeitou imediatamente as propostas pré-guerra de Putin como impensáveis. O líder russo agora está quase certo de reavivá-las em negociações iminentes com Trump, um cético de longa data da Otan e da presença de tropas americanas na Europa. Isso gerou uma crise entre os aliados europeus, que estão preocupados com o que o presidente dos EUA pode conceder.

“Há algo muito grande acontecendo no momento”, disse Lawrence Freedman, professor emérito de estudos de guerra no King’s College London. “Isso não é uma negociação como qualquer outra. Este é um governo muito diferente, e é muito difícil ver como as relações transatlânticas serão as mesmas ao final disso.”

Mesmo que o retorno de Trump tenha mudado o ambiente geopolítico a favor de Putin, o líder russo sofreu sérios reveses ao longo de três anos de guerra, e até agora não conseguiu atingir seu objetivo de trazer a Ucrânia de volta à órbita de Moscou.

Líderes como o premiê do Canadá, Justin Trudeau, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o premiê da Espanha, Pedro Sanchez, após a cúpula 'Apoie a Ucrânia', em Kiev. Foto: Gleb Garanich/Pool Photo via AP

A Rússia virou a maré no campo de batalha, arrancando cerca de 4 mil quilômetros quadrados de terras da Ucrânia no ano passado, mas ainda não tomou o território total das quatro regiões ucranianas que o Kremlin formalmente “anexou” em 2022. Embora as forças ucranianas estejam sofrendo com a escassez de pessoal, ainda não houve um grande avanço russo causando um colapso completo das linhas ucranianas.

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Os ganhos de Putin também tiveram um custo significativo. A Rússia está sofrendo perdas de mil a 1,5 mil mortos e feridos por dia, segundo algumas estimativas.

A economia de guerra da Rússia está mostrando tensões, com inflação de 10%, taxas de juros altíssimas e crescimento econômico instável, apesar dos enormes gastos do estado com defesa. A Otan se expandiu para incluir mais dois países no quintal da Rússia, Finlândia e Suécia, o oposto do que Putin pretendia.

“Para quem está sentado no Kremlin olhando para isso, sim, há uma oportunidade, mas não se deve criar muitas esperanças”, disse Thomas Graham, um membro do Conselho de Relações Exteriores, que serviu como um dos principais conselheiros da Casa Branca sobre a Rússia durante o governo de George W. Bush. “Muita coisa pode mudar rapidamente e, no final das contas, Trump não é confiável.”

Para acabar com a guerra, Graham acrescentou, ambas as partes precisam concordar em parar de lutar. A Ucrânia e seus apoiadores europeus provavelmente não aceitarão simplesmente um acordo bruto feito por Trump com Putin, apesar da intensa pressão que eles possam enfrentar de Washington.

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“Isso é muito mais complicado do que simplesmente Putin e Trump se sentarem e assinarem um pedaço de papel basicamente preparado por Putin”, disse Graham, observando que ele “não abriria a champanhe em Moscou ainda”, mesmo que a Rússia pareça estar em uma posição melhor do que antes.

Militar chora em frente a um mural em homenagem aos soldados ucranianos mortos na guerra contra a Rússia. Foto: Andrew Kravchenko/AP

Indo para as negociações, Trump enfrenta a dificuldade adicional de que Putin não é uma figura popular entre o público americano. Qualquer acordo visto como apaziguamento do Kremlin pode ser difícil de vender em casa, embora a grande maioria dos americanos seja a favor de um fim rápido para o conflito, o que Trump prometeu na campanha eleitoral.

No ano passado, mais de oito em cada 10 americanos expressaram uma visão negativa da Rússia, e 88% disseram que não tinham confiança em Putin para fazer a coisa certa em assuntos internacionais, de acordo com uma pesquisa do Pew Research Center. Quase dois terços dos entrevistados chamaram a Rússia de inimiga dos Estados Unidos.

O próprio secretário de Estado de Trump, Marco Rubio, que tem liderado as negociações até agora, no passado chamou Putin de “sanguinário”, “um açougueiro” e “um monstro”.

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Putin, no entanto, se beneficiou de mudanças no cenário da informação e da crescente admiração no universo da mídia de direita, liderado pelo ex-apresentador da Fox News, Tucker Carlson, que visitou Moscou para entrevistá-lo no ano passado.

Três anos atrás, os ucranianos usaram o Twitter com sucesso para popularizar sua causa ao redor do mundo no início da invasão. Mas a desinformação, muitas vezes amigável ao Kremlin, floresceu na plataforma desde que Elon Musk assumiu a empresa em 2022 e depois rebatizou a gigante da mídia social como X.

Promotores federais disseram no ano passado que descobriram uma campanha secreta russa para espalhar mensagens amigáveis ao Kremlin canalizando dinheiro para influenciadores americanos de direita por meio de uma empresa de mídia sediada no Tennessee.

Os países ocidentais que se alinharam contra Putin estão enfrentando seus próprios problemas em casa. Os dois países mais influentes da Europa continental — França e Alemanhaestão atolados em disfunção política há meses e dominados pela ascensão de partidos de extrema direita amigos do Kremlin, agora contando com o apoio de autoridades russas e americanas.

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Nos Estados Unidos, o secretário de defesa de Trump ordenou que os líderes do alto escalão iniciassem o processo de identificação de grandes cortes nos gastos militares. Alguns novos altos funcionários do Pentágono pressionaram por uma retirada significativa das forças americanas da Europa para se concentrarem na China, argumentando que os europeus podem cuidar de sua própria defesa.

Putin e seus conselheiros acolheriam a mudança.

“Imagino que, se fossem inteligentes, eles seguiriam Napoleão — quando seu inimigo estiver se destruindo, não interfira”, disse Graham. “Acho que essa seria a abordagem no momento.”/ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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