Paul Krugman: Guerra na Ucrânia esvazia mitos machistas dos apoiadores de Trump

Visão de mundo que associa ‘postura durona’ a eficácia distorce percepção da direita sobre o Exército russo e o sucesso na guerra

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Por Paul Krugman (The New York Times)

Em 29 de agosto, Tucker Carlson, da Fox News, atacou a política do presidente Joe Biden em relação à Ucrânia afirmando, entre outras coisas: “Segundo qualquer medida verdadeira, com base na realidade, Vladimir Putin não está perdendo a guerra na Ucrânia. Ele está vencendo a guerra na Ucrânia”. Aliás, Carlson foi além, afirmando que Biden apoia a Ucrânia apenas porque pretende destruir o Ocidente.

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O timing de Carlson foi impecável. Poucos dias depois, uma grande seção da linha de frente russa nas proximidades de Kharkiv foi sobrepujada por um ataque ucraniano. É importante notar que as forças de Putin não foram apenas obrigadas a recuar; parece que elas foram escorraçadas. Conforme relatou o Instituto para Estudo da Guerra, uma entidade independente, os russos foram obrigados a uma “retirada desordenada, em pânico”, deixando para trás “grandes quantidades de equipamentos e suprimentos que as forças ucranianas podem usar”.

O colapso russo pareceu validar análises de especialistas em defesa que têm afirmado há meses que as armas do Ocidente têm alterado o equilíbrio militar em favor da Ucrânia, que falta desesperadamente ao Exército de Putin soldados qualificados e que as forças russas têm sido arruinadas pelo desgaste e por ataques de mísseis em suas áreas de retaguarda. Essas análises sugeriram que o Exército russo pode eventualmente chegar a um limite crítico de esgotamento, mas poucos esperavam que esse limite chegaria tão cedo e tão dramaticamente.

Ciclista passa na frente de edifício destruído por ataque de míssil em Kharkiv, em imagem do dia 13 de setembro Foto: Sergey Bobok / AFP

É verdade que Carlson e outros torcedores de Putin não são as únicas pessoas apegadas a ilusões sobre o sucesso russo. Existe toda uma escola de autoproclamados “realistas” que considera fútil a resistência ucraniana à Rússia e que, apesar do fracasso do ataque inicial de Putin, passou os últimos seis meses conclamando a Ucrânia a fazer grandes concessões para uma potência russa supostamente superior.

Mas há algo especial a respeito do movimento MAGA abraçar a mística do poderio russo: uma visão de mundo que associa jactância de sujeito durão a eficácia. Essa visão de mundo distorceu a percepção da direita não apenas a respeito do Exército russo, mas também em relação à maneira de lidar com muitos outros temas. E vale perguntar de onde isso vem.

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Muitos republicanos admiram Putin há muito tempo — mesmo antes de Donald Trump dominar o Partido Republicano. Em 2014, por exemplo, Rudy Giuliani afirmou sobre Putin: “Isso que é líder”. E Trump continuou a elogiar Putin mesmo depois que ele invadiu a Ucrânia.

Portanto não é difícil perceber de onde vem a admiração da direita MAGA pelo putinismo. Afinal, a Rússia de Putin é autocrática, brutal e homofóbica, com um culto à personalidade construído ao redor de seu líder. O que há para desgostar?

Ainda assim, admirar os valores de certo regime não precisa significar ter fé em sua destreza militar. Enquanto defensor de uma forte rede de seguridade social — ou, como diriam os republicanos, marxista (que evidentemente não sou) — tenho em grande conta Estados de bem-estar social como a Dinamarca. Mas não tenho absolutamente nenhuma opinião a respeito da eficácia do Exército da Dinamarca (sim, existem forças armadas dinamarquesas).

Na direita, contudo, a aprovação em relação a regimes autoritários está completamente vinculada a afirmações a respeito de sua destreza militar. Por exemplo, no ano passado Ted Cruz fez um tuíte comparando imagens de um soldado russo com pinta de durão e cabeça raspada com um vídeo de recrutamento do Exército americano que conta a história de uma oficial mulher criada por duas mães. “Talvez um Exército lacrador e emasculado não seja a melhor ideia”, opinou Cruz.

Presidente Donald Trump e presidente russo Vladimir Putin conversam durante encontro bilateral do G-20, em Osaka, no Japão, 28 de junho de 2019 Foto: Erin Schaff / NYT

Na realidade, o Exército americano é sim meio lacrador, no sentido de que é altamente diverso e inclusivo, encoraja o pensamento independente e a iniciativa de jovens oficiais e, nos níveis superiores, é bastante intelectual.

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O Exército russo, por outro lado, definitivamente não é nada lacrador. Conscritos são submetidos a trotes brutais. De acordo com Mark Hertling, ex-comandante das forças americanas na Europa, o Exército russo é repleto de corrupção “em estilo mafioso” e seus oficiais são péssimos.

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A questão mais ampla é que parecer durão não faz com que guerras modernas sejam vencidas. Coragem — que os ucranianos têm demonstrado em abundância quase inconcebível — é essencial; mas coragem não tem tanto a ver com fortalecer os bíceps. E a bravura deve caminhar de mãos dadas com inteligência e versatilidade, qualidades evidentemente em falta no Exército russo.

Eu já mencionei que mulheres compõem mais de um quinto das Forças Armadas ucranianas?

A relevância desses fatores deveria ser óbvia. A guerra moderna é como a economia moderna (exceto pelo elemento adicional de terror absoluto): O sucesso depende mais de habilidade, conhecimento e receptividade para ideias do que de força bruta. Mas o caráter MAGA é totalmente vinculado com a exaltação do papo de durão e a difamação do conhecimento. (Processem Anthony Fauci!). A direita americana precisou ver Putin como um líder que se tornou poderoso em razão de sua rejeição aos valores progressistas; admitir que a Rússia provou não ser uma grande potência colocaria em dúvida toda a filosofia MAGA.

O resultado é que a guerra, ainda que seja evidentemente e arrebatadoramente a luta pela liberdade da Ucrânia, tornou-se também, estranhamente, um dos fronts das guerras culturais e políticas dos Estados Unidos.

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Existe uma crescente especulação a respeito do que acontecerá dentro da Rússia se a invasão à Ucrânia terminar em uma derrota clara para os russos. Mas também temos de imaginar como a direita americana lidará com a revelação de que, certas vezes, caras durões terminam em último. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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