Paul Krugman: O futuro da China não é o que costumava ser

Os dois líderes mais poderosos do mundo tiveram anos muito diferentes

PUBLICIDADE

Por Paul Krugman (The New York Times)

No início de 2022, Joe Biden foi amplamente retratado como um presidente fracassado. Sua agenda legislativa parecia paralisada, enquanto os problemas econômicos pareciam garantir perdas devastadoras nas eleições de meio de mandato. Em vez disso, a Lei de Redução da Inflação - que é principalmente uma lei climática inovadora - foi promulgada; a tão alardeada “onda vermelha” foi suave; e enquanto muitos economistas ainda estão prevendo uma recessão, o desemprego ainda é baixo e a inflação está diminuindo.

PUBLICIDADE

Em contraste, no início deste ano, Xi Jinping, o líder supremo da China, ainda se gabava de seu triunfo sobre a covid. De fato, por um tempo, as pessoas geralmente ouviram afirmações de que o aparente sucesso da China no gerenciamento da pandemia anunciava sua emergência como a principal potência mundial. Agora, no entanto, Xi encerrou abruptamente sua política de “covid zero”, com todas as indicações apontando para um grande aumento nas hospitalizações e mortes que irão sobrecarregar os serviços de saúde ao ponto de ruptura; parece que a economia chinesa enfrentará grandes problemas nos próximos dois ou três anos; e as projeções de longo prazo do crescimento econômico chinês estão sendo reduzidas.

O futuro da China, ao que parece, não é o que costumava ser. Por quê?

O presidente dos EUA, Joe Biden, e o presidente chinês, Xi Jinping, apertam as mãos antes de uma reunião na cúpula do G20, em 14 de novembro de 2022, em Bali, Indonésia Foto: Alex Brandon/AP

A capacidade da China de limitar a propagação do coronavírus com bloqueios draconianos deveria demonstrar a superioridade de um regime que não precisa consultar o público, que pode simplesmente fazer o que precisa ser feito. Neste ponto, no entanto, a recusa de Xi em se preparar para seguir em frente, seu fracasso em adotar as vacinas mais eficazes e vacinar seus cidadãos mais vulneráveis, destacou a fraqueza dos governos autoritários nos quais ninguém pode dizer ao líder quando ele está errado.

Além da perspectiva iminente de carnificina, os problemas macroeconômicos de longa data da China parecem estar chegando a um ponto crítico.

Publicidade

É óbvio há anos que a economia da China, apesar de uma impressionante história de crescimento econômico, é extremamente desequilibrada. Muito poucos dos ganhos do crescimento chegaram às famílias, mantendo os gastos do consumidor baixos como uma parcela do produto interno bruto. Taxas de investimento extremamente altas preencheram a lacuna - mas tudo indica que o investimento está tendo retornos severamente decrescentes, com as empresas cada vez mais relutantes em gastar em novos empreendimentos.

A China, no entanto, conseguiu manter o pleno emprego – mas principalmente promovendo uma enorme bolha imobiliária. O setor imobiliário da China está incrivelmente inchado: de acordo com uma estimativa, representa 29% do PIB, com o investimento em imóveis como uma parcela do PIB duas vezes mais alto do que nos Estados Unidos no auge da bolha dos anos 2000.

Esta não é uma situação sustentável. Os economistas costumam citar a Lei de Stein: “Se algo não pode durar para sempre, vai parar”. Exatamente como a bolha da China terminará não está claro – pode ser uma desaceleração acentuada ou pode ser um período de crescimento de “baixa qualidade” que mascara a verdadeira extensão do problema, mas não será bonito.

O que realmente me impressionou, no entanto, é a maneira como os analistas vêm avaliando por baixo suas projeções de longo prazo para o crescimento chinês.

Duas ressalvas aqui.

Publicidade

O presidente chinês Xi Jinping acena em um evento para apresentar os novos membros do Comitê Permanente do Politburo no Grande Salão do Povo em Pequim, domingo, 23 de outubro de 2022 Foto: Andy Wong/AP

Primeiro, ninguém é muito bom em prever o crescimento de longo prazo; como o economista do MIT Robert Solow brincou, as tentativas de explicar as diferenças nas taxas de crescimento nacionais geralmente terminam em uma “explosão de sociologia amadora”.

Em segundo lugar, ao medir o tamanho das economias nacionais, você precisa distinguir entre o valor em dólares do PIB e a produção medida em “paridade de poder de compra”, que normalmente é maior em economias de baixa renda, onde o custo de vida tende a ser relativamente baixo.

Na última medição, as estimativas sugerem que a China ultrapassou os Estados Unidos por volta de 2016. Mas a medida do dólar é sem dúvida mais importante quando se trata de influência geopolítica. Então, quando a China assumirá a liderança?

Recentemente, o Goldman Sachs, que anteriormente projetava a China como número 1 em meados da década de 2020, adiou essa data para 2035. O Centro de Pesquisa Econômica do Japão, que anteriormente projetava a liderança chinesa em 2028 e depois em 2033, agora diz que isso não vai acontecer por pelo menos várias décadas. Alguns analistas acham que isso nunca vai acontecer.

De onde vem esse pessimismo recém-descoberto? Parte da questão é demográfica. A população em idade ativa da China vem diminuindo desde 2015. A economia chinesa ainda pode crescer rapidamente se puder sustentar o rápido crescimento da produtividade. Mas os erros políticos da China parecem ter reforçado a percepção de que ela está entrando na “armadilha da renda média”, um fenômeno afirmado amplamente (embora controverso) no qual algumas nações mais pobres alcançam uma recuperação rápida, mas apenas até certo ponto, e estagnam bem abaixo dos níveis de renda das economias mais avançadas.

Publicidade

Nada disso deve ser interpretado como uma depreciação do incrível aumento do padrão de vida chinês nas últimas quatro décadas, nem como uma negação de que a China já se tornou uma superpotência econômica. Mas se você estava esperando o domínio econômico chinês, pode ter que esperar muito tempo. Como eu disse, o futuro da China não é o que costumava ser. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.