Em março de 2011, Erskine Bowles e Alan Simpson, presidentes de uma comissão da Casa Branca para a redução do déficit, emitiram um alerta assustador a respeito da dívida do governo dos Estados Unidos. A não ser que o país adotasse importantes medidas para controlar déficits futuros, alertaram eles, uma crise fiscal poderia ser esperada em aproximadamente dois anos.
Bowles descreveu o que ele pensou que poderia acontecer: estrangeiros parariam de comprar títulos da dívida americana. E então, perguntou ele: “O que acontece com as taxas de juros? O que acontece com a economia americana? Os mercados nos devastarão absolutamente”.
Isso foi 12 anos atrás. Na época que Bowles emitiu esse alerta, a taxa de juros sobre os títulos de 10 anos do governo americano era de aproximadamente 3,5%. Pouco foi feito para reduzir déficits, exceto um aperto nos gastos federais discricionários que provavelmente atrasou a recuperação econômica. Mas no fim da semana passada, o juro sobre os títulos de 10 anos, que subiu substancialmente ao longo do ano passado, à medida que o FED aumentou a taxa para combater a inflação, era de… aproximadamente 3,5%.
A questão é que no início da década de 2010, a última vez que os EUA encararam uma possível crise sobre o teto de endividamento, houve um consenso elitista de que déficits de orçamento eram uma ameaça grave, até existencial. Esse consenso estava, em retrospectiva, completamente errado. Mas dominou quase completamente o debate político em tamanha medida que, conforme apontou Ezra Klein, os meios de comunicação abandonaram as regras normais de neutralidade ao informar e festejaram abertamente propostas para cortes na Seguridade Social e no Medicare.
E aqueles de nós que desafiaram o consenso da elite — escarnecendo dos promotores do pânico do endividamento qualificando-os como Pessoas Muito Sérias (porque vociferar contra os males da dívida parece sério e responsável mesmo se a matemática não sustenta a retórica) — foram tratados como indivíduos excêntricos e desinformados.
Agora, as Pessoas Muito Sérias estão tentando um retorno, dando cobertura de fato aos esforços dos republicanos em manter os EUA reféns ao recusar-se a elevar o teto de endividamento. Então é importante perceber que o argumento pelo pânico é mais fraco hoje do que em 2011.
É verdade que a dívida dos EUA é muito grande — US$ 31 trilhões (pronunciados em sua melhor imitação da voz do Dr. Evil). Mas os EUA são um país grande, então quase todos os números de sua economia são enormes. Uma maneira melhor de pensar sobre a dívida é perguntar se pagamentos de juros são um grande fardo sobre o orçamento. Em 2011, esses pagamentos foram equivalentes a 1,47% do produto interno bruto — metade do que foram em meados dos anos 90. Em 2021, equivaleram a 1,51% do PIB. Esse número aumentará conforme a dívida existente for rolada em taxas de juros mais altas, mas a receita líquida verdadeira — pagamentos de juros ajustados pela inflação — tende a permanecer abaixo de 1% do PIB durante a próxima década.
Projeções
Isso não soa a crise. Mas o que dizer da demografia? Os EUA estão envelhecendo, o que resulta em uma pressão crescente sobre a Seguridade Social e o Medicare. Isso não significa grandes problemas adiante?
Bem, o envelhecimento é um problema real. Grande parte do impacto fiscal já sucedeu. Aproximadamente dois terços dos “baby boomers”, nascidos entre 1946 e 1964, já chegaram à idade de admissibilidade para o Medicare. Mais envelhecimento apresentará novas demandas sobre o orçamento, mas estamos falando apenas de uns poucos pontos porcentuais do PIB.
Então por que nós com frequência ouvimos projeções fiscais extremamente sombrias a longo prazo? Resulta que essas projeções são apenas parcialmente orientadas por demografia; elas refletem em grande medida palpites sobre elevação nos custos da saúde pública e nas taxas de juros que no passado se provaram pessimistas demais.
O Escritório do Orçamento no Congresso publica regularmente projeções de orçamento a longo prazo que são citadas com frequência em debates fiscais. Suponho, contudo, que muito poucas pessoas têm consciência de como essas projeções ficaram menos terríveis desde o apogeu das Pessoas Muito Sérias.
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Em 2011, o escritório do orçamento projetou que, segundo o que a agência considerou o cenário mais realista, as despesas federais com juros em 2021 equivaleriam a 4,4% do PIB — mais que o dobro de seu nível atual. O escritório também projetou que até 2035 a dívida federal alcançará 187% do PIB. Sua projeção mais recente coloca esse índice em 117%.
Mas veja, surpresas fiscais nem sempre são positivas — quem previu as enormes despesas associadas à covid-19? — e não estou argumentando que o endividamento do governo nunca pode ser um problema nem que nossa posição fiscal a longo prazo está perfeitamente bem. Mas se você se preocupa com seriedade a respeito do futuro dos EUA a longo prazo (ao contrário de ser Muito Sério), você deveria considerar várias problemas, de mudanças climáticas a infraestrutura, a pobreza infantil (que é um problema a longo prazo porque crianças criadas em meio a privações crescem menos saudáveis e se tornam adultos menos produtivos). O endividamento federal deveria estar bem abaixo na lista de prioridades.
Não obstante, os reclamões da dívida estão tentando voltar. Em parte isso se deve, conforme afirmei, à ladainha contra o endividamento federal soar séria e pragmática. Em parte se deve aos indignados do déficit serem com frequência acionados a serviço de alguma agenda ideológica, algum esforço para cortar a Seguridade Social, o Medicare e o Medicaid — sem permitir, evidentemente, ao Departamento da Receita Federal (IRS) os recursos para reprimir a invasão fiscal.
Então aqui vai minha proposta: Não reencenemos 2011 novamente. Não entremos em pânico em razão de um assunto exageradamente badalado. Não assumamos que os pavões do déficit façam algo além de pose. E não permitamos que os meios de comunicação se tornem, uma vez mais, cúmplices de facto de uma agenda ideológica e partidária. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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