THE NEW YORK TIMES - O cenário era aterrador: membros ensanguentados e veículos destroçados, conforme uma série de minas terrestres instaladas pela Rússia explodia num campo do sul da Ucrânia; um soldado ucraniano pisa em uma mina e é arremessado para um gramado adiante, na faixa que separava os dois Exércitos; nas proximidades havia mais soldados ucranianos com torniquetes nas pernas, esperando transporte para o hospital — de acordo com vídeos postados online e relatos de vários soldados envolvidos.
Pouco depois, um veículo blindado chega para resgatá-los. Um paramédico salta para tratar os feridos e se ajoelha em um local que considerou seguro, mas acaba detonando outra mina.
Em cinco semanas de uma contraofensiva que até as autoridades ucranianas afirmam ter tido um início hesitante, entrevistas com comandantes e soldados que combatem na linha de frente revelam que a lentidão no avanço se deve a um problema principal: minas terrestres.
Os campos que as forças ucranianas têm de atravessar estão repletos de dúzias de tipos de minas — feitas de plástico ou de metal, em forma de latas de tabaco de mascar ou de refrigerante; e com nomes imaginativos, como “bruxa” e “folha”.
O avanço do Exército ucraniano também é atravancado por falta de apoio aéreo e pela profunda rede de estruturas defensivas que os russos construíram. Mas é a vasta quantidade e variedade de minas, de bombas acionadas por fios e outros mecanismos e de dispositivos explosivos improvisados que faz as forças ucranianas empacar a poucos quilômetros de onde iniciaram sua contraofensiva.
“Eu não podia imaginar algo assim”, afirmou um militar ucraniano chamado Serhii, que integra uma unidade que resgata os feridos pelas explosões. “Eu achava que minas eram dispostas em linhas. Mas os campos estão completamente cobertos, há minas por todo lado.”
Minas terrestres são uma tradição da guerra russa, foram usadas extensivamente no Afeganistão, na Chechênia e nas fases iniciais dos combates na Ucrânia, desde 2014. Mas os campos minados no sul da Ucrânia são vastos e complexos, além dos conhecidos anteriormente, afirmam os soldados que tentam atravessá-los. A Ucrânia também instala amplos campos de minas antitanque para impedir avanços dos russos.
Leia também
“Para desativar minas, você tem de ter muita motivação e cabeça fria”, afirmou o major Maksim Prisiazhniuk, especialista em desativação de minas do Exército ucraniano que vasculha os campos à noite, anteriormente ao avanço da infantaria. “É um trabalho muito delicado, como o de um cirurgião, mas ao mesmo tempo tudo está explodindo à sua volta” com os disparos de artilharia da batalha.
Especialistas em desativação de minas caminham pelos campos com detectores de metais e usam sondas longas e delgadas, instaladas em varas, para cutucar o solo cuidadosamente tentando encontrar minas enterradas sem detoná-las. “Nossas ferramentas são essas — e um ícone no bolso”, afirmou o major Prisiazhniuk, referindo-se às imagens religiosas da Igreja Ortodoxa. Ele estava em um posto de estabilização médica, onde soldados feridos por minas chegavam em ritmo constante.
Armadilhas explosivas e os chamados dispositivos antimanipulação, que fazem os explosivos detonarem assim que são suspensos, são instalados nos campos minados para dificultar o avanço das equipes antiminas. Uma tática comum é o que o major Prisiazhniuk chama de “truque para idiotas”: enterrar uma mina anti-indivíduo em frente a um fio aparentemente de detonação, para que o soldado ajoelhe-se tentando desativar a suposta bomba e seja atingido.
Explosivos mais sofisticados incluem as chamadas minas “viravolta”, que quando acionadas brotam do chão e espalham estilhaços ao explodir, atingindo soldados nas proximidades. A Rússia também usa minas acionadas por fios finos, amarelos, que se estendem por cerca de 10 metros e, quando esticados, podem detonar explosivos e espalhar estilhaços.
Equipes de desativação de minas trabalham abrindo uma trilha de aproximadamente 60 centímetros de largura, permitindo que a infantaria avance. Então os agentes de desminagem retornam ao lado da trilha original, abrindo outros 30 centímetros de largura para caminho ou mais, para permitir que dois soldados caminhem ombro a ombro carregando macas com soldados que pisaram em minas porque a trilha não pôde ser ampliada com rapidez suficiente.
Perigos existem mesmo após os caminhos serem abertos. Forças russas com frequência disparam foguetes que espalham minas “folha” — verdes, pequenas e feitas de plástico, também chamadas de minas “borboleta” — sobre uma área limpa, afirmou o major Prisiazhniuk.
Volodmir, que serve como paramédico militar no posto de estabilização, realiza amputações em soldados cujos pés e tornozelos foram estraçalhados por explosões de minas.
Entenda
As minas, afirmou ele, superaram os disparos de artilharia como principal causa de ferimentos dos soldados ucranianos. Em razão de muitas minas serem fabricadas com materiais plásticos, para evitar detecção das equipes de desminagem, os estilhaços com que elas atingem os soldados podem ser invisíveis aos médicos nas estações de primeiros-socorros próximas ao front, onde equipes médicas usam detectores de metal para encontrar e remover fragmentos, afirmou ele.
Como outros militares entrevistados para a elaboração desta reportagem, Volodmir falou sob condição de ser identificado apenas pelo primeiro nome, temendo por sua segurança e de sua família.
Os soldados recebem tratamento e são enviados para hospitais mais distantes do front. Na semana passada, afirmou Volodmir, ele amputou as duas mãos de um especialista em desminagem que se feriu enquanto tentava desativar uma mina de armadilha.
O mês recente tem se mostrado uma fase dolorosa e difícil da guerra para o Exército ucraniano, que está sob pressão para avançar rapidamente e demonstrar para os aliados do Ocidente que armar a Ucrânia pode reverter a maré.
No discurso que pronunciou na noite da sexta-feira, o presidente Volodmir Zelenski defendeu novamente o ritmo da contraofensiva, afirmando que os russos estão atacando “com tudo o que têm” as tropas de Kiev e que “cada quilômetro de avanço” merece admiração.
No sul, as tropas ucranianas estão atacando em pelo menos três posições, mas não romperam as principais linhas de defesa da Rússia. As minas não são a única dificuldade que os soldados enfrentam: conforme os ucranianos avançam, eles saem do alcance dos sistemas de defesa aérea de Kiev e ficam vulneráveis a ataques de helicóptero dos russos.
Mas esta semana, em sua posição mais avançada, ao sul do vilarejo de Velika Novosilka, o Exército ucraniano abriu uma saliência de aproximadamente 8 quilômetros de profundidade dentro das linhas russas.
A partir da posição que os soldados ucranianos foram impedidos de avançar por um campo minado, ao sul da cidade de Orikhiv, eles avançaram cerca de 1,5 quilômetro. Para chegar no Mar de Azov e cortar linhas de abastecimento à Crimeia ocupada, um dos objetivos da contraofensiva, a Ucrânia tem que avançar cerca de 95 quilômetros.
Os soldados ucranianos afirmam que a proteção dos blindados enviados pelo Ocidente ajuda bastante enquanto eles combatem nos campos minados.
Onde podem ser usados, esses veículos não possibilitaram ao Exército ucraniano atravessar campos minados, mas salvaram vidas com a blindagem superior que protege os soldados das explosões.
Os veículos de combate de infantaria Bradley, de fabricação americana, com blindagem composta de camadas de alumínio e aço, passam incólumes sobre minas anti-indivíduo. Mas são imobilizados pelas minas russas antitanque, dispositivos pesados, em forma de disco, carregados com cerca de 7 quilos de TNT, que não chegam a causar ferimentos graves nos soldados dentro do blindado.
Denis, um médico militar que serve em outro posto de estabilização próximo ao front, afirmou que os soldados feridos por explosões de minas dentro de Bradleys ficam em condição muito melhor do que os soldados atingidos em blindados da era soviética e que as maiores consequências que ele testemunhou foram concussões, em vez de amputações de membros.
“Os americanos fizeram essa máquina para salvar as vidas dos tripulantes”, afirmou Serhii, o soldado da equipe de resgate, que atualmente pilota o terceiro Bradley depois de perder dois outros veículos para minas antitanque. A segunda explosão o atingiu quando sua equipe foi acionada para retirar soldados feridos presos em um campo minado.
Uma série de explosões foi filmada por um drone ucraniano, e as imagens foram postadas online por um jornalista ucraniano. O episódio também foi relatado ao New York Times por Serhii e outras testemunhas.
Avançando em meio ao campo minado, a tripulação do Bradley podia ouvir em meio ao ronco do motor as explosões das minas anti-indivíduo sendo detonadas sem ferir ninguém conforme as esteiras do veículo passavam sobre os dispositivos. Para evitar minas antitanque, o piloto tentava seguir os rastros de outros veículos que haviam atravessado o campo, mas era difícil.
Quando a equipe alcançou os soldados feridos, o canhoneiro, Serhii e um sargento também chamado Serhii se esforçaram primeiro em responder ao fogo de metralhadora dos russos posicionados em uma distante linha de árvores que disparavam contra os ucranianos encurralados no campo minado.
O paramédico, enquanto isso, saltou em uma cratera aberta por um foguete, assumindo, aparentemente, que não haveria minas anti-indivíduo ativas no buraco. Quando ele se ajoelhou, uma mina explodiu, arrancando parte de sua perna.
As imagens registradas pelo drone mostram o paramédico aplicando um torniquete em sua própria perna mutilada e depois se arrastando de volta para o Bradley, onde outro paramédico o ajuda a embarcar. Ele deixa um rastro de sangue na rampa.
Dentro do Bradley, outros paramédicos aplicaram um segundo torniquete, afirmou o sargento Serhii. Durante todo o angustiante episódio, que se estendeu por três horas, ele teve de deixar o veículo três vezes para carregar mortos. “Era assustador pisar no chão logo depois de ver uma mina explodir em alguém”, afirmou ele.
Conforme a equipe saía do campo minado, o Bradley atingiu uma mina antitanque, suas esteiras travaram e o veículo parou. A explosão danificou a rampa traseira, então a tripulação abriu uma escotilha no teto, por onde retirou os feridos, baixando-os ao solo do lado de fora. Depois eles receberam ajuda para entrar em um outro Bradley que os levou para a segurança.
O sargento Serhii voltou ao mesmo campo minado dias depois, com um reboque blindado para recuperar o Bradley parado. Conforme era rebocado, o Bradley detonou outra mina antitanque, o que causou mais dano.
Agora o veículo está passando por reparos na Polônia, afirmou o sargento Serhiy, que recebeu outro Bradley para continuar as tentativas de avanço através dos campos minados. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
* Andrew E. Kramer percorreu as proximidades das linhas de frente da contraofensiva da de Kiev no sul da Ucrânia para elaborar esta reportagem
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.