Perfis e grupos em redes sociais impulsionam migração recorde aos EUA pela ‘selva da morte’

Plataformas viram pontos de incentivo à migração pela selva de Darién, a rota terrestre mais perigosa das Américas, expondo migrantes a informações desatualizadas, falsos guias e extorsões

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Foto do author Carolina Marins

Quem pesquisar por “Darién” no TikTok vai encontrar uma seara de conteúdos. Desde vídeos alertando para os perigos da migração pela selva mais inóspita das Américas, até mensagens de incentivo para quem busca “o sonho americano”. Desde a explosão a partir do ano passado de pessoas cruzando o Estreito de Darién com rumo aos Estados Unidos, as redes sociais se tornaram um hub de informação, desinformação e até oferta de serviços para migrantes que fogem de crises na Venezuela, Equador, Haiti e outras localidades.

Em julho deste ano, o número de migrantes cruzado a selva de Darién superou o total de 2022 inteiro, com mais de 250 mil. Em agosto a cifra ultrapassou 330 mil, sendo este o mês com maior número de travessias até o momento: quase 82 mil pessoas, consolidando uma tendência de aumento que se desenha desde janeiro do ano passado.

Migrantes sentados embaixo de uma placa que marca a fronteira entre Colômbia e Panamá durante sua viagem pelo Estreito de Darién, em 9 de maio de 2023 Foto: Iván Valencia/AP

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Embora sempre tenha sido utilizado como rota, o estreito que interrompe a rodovia Pan-Americana na fronteira entre Colômbia e Panamá passou a ser uma das principais vias de migração irregular para quem quer chegar aos EUA e não tem visto ou dinheiro para ir de avião. A situação gerou uma crise humanitária no continente e agora o Panamá planeja deportar os migrantes que atravessam a selva.

No início da explosão, as explicações residiam nas políticas do próprio governo americano, que facilitava a entrada de venezuelanos, bem como os acordos para exigências de vistos em países vizinhos, como o México. Não a toa, venezuelanos se tornaram a principal nacionalidade na rota, seguidos pelos equatorianos que fogem da contínua crise política e de segurança de seu país. Porém, conforme mais e mais pessoas foram se lançando na travessia e registrando por meio de vídeos, áudios e mensagens aos seus familiares, mais pessoas absorveram a mensagem de que este era um caminho possível.

Plataformas como TikTok, Instagram, Facebook, YouTube e grupos no WhastApp e Telegram se tornaram ponto de informações - nem sempre verdadeiras - para quem cogita migrar, mas se sente inseguro pela fama da selva. Em vídeos curtos, facilmente compartilháveis em grupos familiares, pessoas alertam para os perigos do caminho, mas também compartilham histórias de “superação” de quem conseguiu chegar ao Panamá apesar das adversidades.

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Mensagens de superação

“As redes sociais são possivelmente o grande ator no aumento da passagem de migrantes ali”, afirma Paula Tobo, pesquisadora da Fundação Ideia para a Paz (FIP), da Colômbia, que investiga a atuação de grupos criminosos no Darién. “É possível que antes desse fluxo massivo de venezuelanos, as redes sociais tivessem algum papel no fluxo de haitianos, por exemplo. Porém hoje vemos que há mais acesso em grupos de venezuelanos e equatorianos, no Facebook, WhatsApp e Telegram”.

E a mensagem, ressalta ela, é de que o trajeto é algo possível. “Antes, a fama que se tinha do Darién era de um cenário extremamente impossível e selvagem, como algo que não poderia ser feito. O que é a verdade. Mas agora a mensagem que se passa nas redes sociais é a contrária, de que se pode [passar]. E nesse sentido os grupos familiares têm um papel muito grande”.

Não a toa, se viu o perfil do migrante mudando. Se no começo eram homens jovens, de boa saúde e força física que migravam com a intenção de enviar dinheiro aos seus familiares. Cada vez mais se vê mulheres, crianças, idosos, famílias inteiras e pessoas com deficiência ou doença crônica, alertam redes que se baseiam no Panamá, como ONU e Médicos Sem Fronteiras. Em geral, mais de 20% dos migrantes são crianças.

Quem chega aos Estados Unidos depois de ter “vencido” a selva compartilha a sua vitória para inspirar outros, embora também digam que buscam alertar sobre os perigos. Apesar de haver muitas informações de pessoas que desapareceram no trajeto, se machucaram, sofreram algum tipo de violência e até fotos e vídeos de pessoas que morreram, no fim a mensagem que chega é de que após a provação haverá a recompensa, que é chegar aos EUA. Muito embora a travessia do México seja outro obstáculo repleto de perigos.

Mas para além das mensagens, há a oferta de serviços de instrução e guia aos migrantes. “Você encontra nos grupos os provedores de serviços expondo seu portfólio, com guias compartilhando seus contatos, dizendo que te ajudam a passar a fronteira, organizam a rota, te mostram no mapa onde que é melhor passar, etc”, completa Tobo.

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Migrantes chegam de barco à estação temporária de assistência humanitária em Lajas Blancas, na província de Darién, Panamá, em 18 de agosto de 2023 Foto: Pipe Teheran/AFP

Informações e serviços falsos

Com a ampliação dessas redes de informações, também vieram as desinformações ou informações desatualizadas. As pessoas compartilham suas dicas de rotas, onde seria “mais e menos” seguro transitar, se esquecendo de que uma floresta muda com as condições climáticas. Darién é uma floresta de clima úmido, com muita chuva, e caminhos montanhosos. A depender do volume de chuva, muitas áreas ficam intransitáveis. Os rios também podem sofrer variações de volumes rápidas e letais.

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“Cerca de 43% das pessoas haitianas e venezuelanas que nós entrevistamos disseram não ter recebido a informação correta antes de fazer a travessia”, relata a assistente de Comunicação Digital da Acnur no Panamá Camilia Ignacio Geraldo. “As pessoas que estão hoje nas estações migratórias do Panamá falam que viram muitos vídeos mostrando só uma parte da selva, a parte mais difícil onde elas arriscaram a vida e quase morreram não são mostradas”.

Quem busca por Darién hoje nas redes pode encontrar vídeos que mostram “o que não te mostram do Darién”, com imagens de paisagens belas, rios tranquilos e floresta aberta. “As pessoas estão recebendo hoje uma série de publicações sobre o Darién que não são verdadeiras. Algumas já são feitas de forma maliciosa, com a intenção de enganar. Outras são rumores que os próprios espaços no Facebook acabam espalhando e que acabam sendo uma mentira, e essas pessoas tomam como verdade em que elas acreditam e acabam por colocar a vida delas em risco”, afirma Geraldo.

Mas mais perigosas que as informações desatualizadas, são as ofertas de serviços falsos e de grupos criminosos nas redes. “Algo que é muito comum são pessoas que aplicam fraudes nas redes sociais. São pessoas que nem estão no Panamá ou prestam algum serviço, mas usam de um perfil falso, cobram um dinheiro anterior, marcam um ponto de encontro e não aparecem lá. Há também o que chamamos de falsos guias, que não são serviços regulares e que colocam as pessoas em situação de risco”, exemplifica a comunicadora.

Foi observando esse fluxo de informações e desinformações pelas redes sociais que a agência de refugiados da ONU lançou este ano o projeto Confia no Tucano, com perfis nas principais redes sociais para levar informações verdadeiras sobre a migração pela selva, com relato de migrantes, vias regulares de acesso aos países ou a programas de asilo.

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O projeto conta com contas no Facebook e Tik Tok e um chatbot no WhastApp para tirar dúvidas. No primeiro informe, dos três primeiros meses de lançamento de maio a julho, o Confia no Tucano alcançou mais de um milhão de pessoas. Mas ainda há desafios, como atingir os migrantes antes que eles cheguem ao Panamá e alcançar os homens, que são a maioria na rota, mas minoria nas buscas por informações.

Migrantes chegam a Lajas Blancas, no lado panamenho de Darién em 18 de agosto  Foto: Carlos Lemos/EFE

Economia para o crime organizado

Quem vem se beneficiando com esse influxo de migrantes no Darién é o Clan del Golfo, organização paramilitar colombiana envolvida no tráfico de drogas. O grupo atua na região desde pelo menos 2008, pontua Paula Tobo, mas somente nos últimos quatro anos que a organização do trânsito migratório passou a ser uma das várias economias do grupo.

“Quando veem que a migração gera créditos econômicos consideráveis por causa da quantidade de imigrantes, então eles realmente passam a ter um controle maior sobre as economias legais e ilegais desta zona, principalmente por meio da extorsão”, afirma a pesquisadora, que conduziu um relatório investigando a atuação do grupo na região e publicado em novembro do ano passado.

O grupo não atua diretamente na oferta de serviços, como guias, balsas e rotas que são em sua maioria feitos por moradores locais, mas gerenciam todo o fluxo dentro da Colômbia.

Os caminhos de atuação do Clan del Golfo nesse economia são de três maneiras: a extorsão, cobrando porcentagens em cima de todos os serviços da rota dentro da Colômbia; controle das rotas marítimas e terrestres que podem ser utilizadas pelos migrantes e o controle da violência contra essas pessoas dentro da Colômbia.

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De fato, a violência que se conhece contra os migrantes no Darién ocorre em sua maioria dentro da parte panamenha da selva, onde há atuação de outros grupos criminosos. “Do lado colombiano, há um controle das ações violentas porque é do interesse do Clan del Golfo que a economia se mantenha estável”, completa Tobo, que cita como exemplo a exigência por parte do grupo de distribuição de coletes salva-vidas nas rotas marítimas depois de relatos de mortes por afogamento.

Recentemente, o governo do Panamá criticou a Colômbia por não atuar para conter o fluxo e pediu por maior atuação da comunidade internacional na crise. O governo informou este mês que está preparando aeronaves na intenção de deportar os migrantes que cruzam a selva. “O Panamá geriu este fluxo de forma responsável, mas já estamos no limite das nossas capacidades porque o excesso de pessoas já é enorme”, disse o ministro da Segurança, Juan Manuel Pino.

Migrantes viagem em canoas para cruzar o estreito de Darién, entre Colômbia e Panamá, em 18 de agosto Foto: Carlos Lemos/EFE