Peru fecha acesso a Machu Picchu devido a protestos contra governo

Em nota, Ministério da Cultura destaca que decisão é por tempo indeterminado; país vive instabilidade política e mais de um mês de protestos que pedem a renúncia da presidente e a dissolução do Parlamento

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Por Redação

LIMA - O Peru fechou neste sábado, 21, por tempo indefinido a entrada para a cidade inca de Machu Picchu, joia turística do país, alegando motivos de segurança devido aos protestos que pedem a renúncia da presidente Dina Boluarte. Até agora, confrontos ligados às manifestações já deixaram mais de 50 mortos.

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“A malha rodoviária inca e a cidadela de Machu Picchu foram fechadas em vista da situação social e para garantir a integridade dos visitantes”, afirmou o Ministério da Cultura. A medida vale “até novo aviso”.

A semana foi marcada no Peru por uma grande mobilização que chegou a Lima e terminou com cenas de caos, incluindo um incêndio de grandes proporções no centro. A presidente Dina Boluarte, que na véspera fez um pronunciamento em rede nacional para dizer que a situação estava sob controle, esforça-se para manter a mensagem de normalidade.

Manifestantes pedem renúncia de Boluarte e dissolução do Congresso para realização de novas eleições  Foto: Diego Ramos / AFP

Ativistas mantiveram bloqueios em ao menos 120 pontos em estradas, em 15 províncias do país. O líder de um sindicato de caminhoneiros alertou que a categoria está cansada desse tipo de medida e pode entrar em rota de colisão com os manifestantes.

Nas zonas urbanas, os atos, convocados em sua maioria por apoiadores do ex-líder Pedro Castillo, deposto após tentar aplicar um autogolpe, voltaram a registrar confrontos com as forças de segurança em várias regiões, de La Libertad, ao norte, a Arequipa, ao sul.

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No centro da capital, na região da avenida Abancay, policiais lançaram bombas de gás para conter os manifestantes, que atiravam pedras de calçamento e garrafas enquanto tentavam se aproximar do prédio do Congresso.

A crise no Peru

Milhares de pessoas tomaram as ruas de Lima entre a quinta-feira,19 e esta sexta-feira, 20 para pedir a renúncia da presidente do Peru, Dina Boluarte. No cargo desde dezembro, quando substituiu Pedro Castillo, ela é a sexta presidente em seis anos a liderar o país. Esse número de trocas de comando, recorde na América do Sul no período, evidencia uma crise política marcada por denúncias de corrupção, instabilidade política, polarização e ingovernabilidade.

Nos últimos anos, a maioria dos ex-presidentes do país desde o ano 2000 foi presa ou investigada por corrupção, principalmente na esteira dos impactos da Operação Lava Jato no país. É esse o caso de Alejandro Toledo, Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski. Outro presidente, Alan Garcia, também investigado, cometeu suicídio com a polícia à sua porta, numa operação em Lima em 2019. E Pedro Castillo, eleito em 2021, acabou na cadeia após tentar um golpe de Estado frustrado em dezembro passado.

Segundo analistas, a polarização da sociedade peruana e a crise de representatividade política estão na raiz de todo esse caos, assim como um desequilíbrio na relação entre o Legislativo e o Executivo. Eles alertam que a saída não é simples e apenas a antecipação das eleições pode não ser o suficiente para mudar o enredo de instabilidade.

“O desempenho da elite política frustrou as aspirações de um país desigual, que mostra sobretudo a diferença entre Lima e o resto do país”, explica o analista político Fernando Tuesta, professor da Pontifícia Universidade Católica do Peru. “Com isso vem uma enorme polarização política, como vemos em outros países, como Brasil e EUA, e o crescimento de extremos, tanto da direita quanto da esquerda.”

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Pesquisas recentes indicam que entre 80% e 90% da população já não se sente representada pela sua classe política, seja o Executivo ou o Legislativo, e não vê suas demandas serem atendidas. A situação é mais grave no sul do país, mais pobre e com falta crônica de serviços públicos. É dessa região, principalmente das províncias de Puno, Cusco, Apurímac, Arequipa que saiu a maioria dos camponeses que marcham contra o governo de Dina Boluarte.

Conflito entre os poderes

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No front constitucional, existe um complicador nas relações entre os poderes que serviu de catalisador para a crise. O Peru é o único país da América Latina que prevê na Constituição - desde 1993 - a figura jurídica de destituição presidencial por motivo de “incapacidade moral permanente”. Essa ferramenta passou a ser usada de forma abusiva a partir de 2016 - desde então dois presidentes sofreram impeachment -, e é citada por analistas como principal ponto do sistema político a ser modificado antes de eventuais novas eleições.

“O desenho institucional (peruano) fez com que os presidentes tenham baixo apoio parlamentar e isso ocasiona um conflito entre os poderes que coloca os presidentes em xeque”, acrescenta Tuesta.

Juristas peruanos explicam que é impossível pôr um fim à instabilidade política sem um equilíbrio entre os poderes Executivo e o Legislativo. A jurista Beatriz Ramírez lembra que esse desequilíbrio, que já era precário, aumentou a partir de 2019, quando o Congresso aprovou uma série de reformas que tornam mais difícil para o Executivo evitar uma destituição aprovada pelos parlamentares.

Impacto da Lava Jato

A instabilidade política começou em 2016, com a eleição de Kuczynski. Na época, o candidato de centro-direita derrotou a conservadora Keiko Fujimori, filha do ditador Alberto Fujimori, por 50,12% dos votos a 49,88%.

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Entre 1993 e 2016, os presidentes eleitos no Peru chegavam ao poder com maioria parlamentar, própria ou por meio de alianças, o que garantia sua sustentabilidade no cargo. Após uma vitória por estreita margem nas urnas, Kuczynski enfrentou logo de cara uma maioria opositora no Congresso leal a Keiko.

Ao mesmo tempo, o impacto da Operação Lava Jato na América Latina chegou ao Peru, com denúncias contra Toledo, Garcia e Ollanta Humala, bem como contra o próprio Kuczynski, com a descoberta de que a Odebrecht pagava assessorias secretas a ele. Com as denúncias, Kuczynski foi destituído num impeachment e deu lugar ao vice, Martín Vizcarra, que assumiu o poder em março de 2018.

Em 2019, Vizcarra recorreu à dissolução do Congresso dominado pelo fujimorismo para tentar melhorar sua governabilidade. Esse dispositivo está previsto na Constituição peruana e é usado quando o Congresso nega votos de confiança ao governo em questões de Estado por duas vezes.

O presidente, no entanto, não conseguiu maioria no novo Parlamento. Com o impacto da pandemia no Peru e a maioria dos partidos da Assembleia rejeitando sua agenda política, Vizcarra acabou sofrendo um impeachment em 2020. Ele foi substituído por Manuel Merino, que cinco dias depois deu lugar a Francisco Sagasti, responsável por conduzir o país até o final do mandato.

As eleições de 2021 tiveram um resultado similar ao de cinco anos antes. Pedro Castillo, um professor e líder sindical de esquerda do interior do país derrotou Keiko Fujimori por 50,13% dos votos, contra 49,87% da rival.

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O desempenho da elite política frustrou as aspirações de um país desigual, que mostra sobretudo a diferença entre Lima e o resto do país. Com isso vem uma enorme polarização política, como vemos em outros países, como Brasil e EUA, e o crescimento de extremos, tanto da direita quanto da esquerda.

Fernando Tuesta, analista político peruano

Diferenças regionais

Castillo conseguiu mobilizar o voto de um Peru rural e pobre, que não se vê representado pelas elites políticas e legislativas. Com um discurso que mesclava propostas econômicas à esquerda com um conservadorismo nos costumes, ele superou os rivais mais ao centro e chegou ao segundo turno com Keiko.

Após uma longa recontagem e contestações judiciais da rival, ele assumiu o mandato, também sem maioria no Congresso, com uma agenda confusa e marcado por denúncias de corrupção. Como as reformas aprovadas pelo Congresso em 2019 dificultavam uma manobra parecida com a de Vizcarra, Castillo se viu sem saída diante de um iminente impeachment, tentou dissolver o Parlamento e convocar uma nova constituição. Sem apoio, fracassou.

A atual presidente, Dina Boluarte, que assumiu após a tentativa de golpe e consequente prisão de Pedro Castillo, pede a realização de eleições antecipadas em 2024. Mas as manifestações, que duram mais de um mês, pedem eleições já, com a destituição do Congresso e, inclusive, a possibilidade de uma Assembleia Constituinte para elaborar uma nova Constituição.

Enquanto muitos peruanos não conseguem ver uma saída eficaz e rápida, as marchas que encheram regiões do Sul do país agora chegam à Lima e pressionam a atual presidente - investigada por genocídio já que a repressão aos protestos deixaram ao menos 50 mortos - a renunciar ou negociar uma saída política para a situação.

Os analistas explicam que a única maneira de eleições ocorrerem antes de 2024 é com a renúncia de Boluarte, mas alertam que o risco de se “viver mais do mesmo” é grande, afinal não haveria tempo suficiente para realizar reformas políticas.

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Ainda assim, eles ressaltam que essa, até o momento, é a saída mais aceita. “Eleições sempre são o caminho que canaliza o conflito social, e, por isso, é a saída política mais aceita. Além disso, temos uma presidente com nível de reprovação de 71% e o Congresso, de 80%. É impossível (para Boluarte) cumprir com seu mandato, que termina em 2026. É impossível que um país consiga se manter com esse custo tão alto”, afirma Tuesta.

Dezenas de manifestantes foram mortos em Juliaca, no sul do Peru, no dia 10 de janeiro após tentativa de tomada de aeroporto Foto: AP Photo/Jose Sotomayor
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