Petroditaduras como Venezuela e Arábia Saudita ganham força com guerra na Ucrânia; entenda

Com entrada em vigor do embargo ao petróleo russo em retaliação à invasão ordenada por Putin, países se aproximam de líderes autoritários por temer escassez da commodity

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Foto do author Carolina Marins

Com menos petróleo russo no mercado e um embargo ao produto que deve começar na segunda-feira, 5, governos autoritários produtores de petróleo são recebidos com cordialidade por países dependentes. O governo da Venezuela fez questão de divulgar em suas redes sociais uma imagem da COP-27 em que Nicolás Maduro é recebido calorosamente pelo presidente francês, Emmanuel Macron. O gesto chamou atenção porque, em 2019, a França rejeitou Maduro e reconheceu Juan Guaidó como líder da Venezuela. Agora, em meio a uma crise de energia que ameaça a Europa devido à guerra na Ucrânia, gestos amistosos com líderes autoritários como Maduro e o príncipe Mohammed Bin Salman da Arábia Saudita se tornaram frequentes. Para analistas, o petróleo é a explicação.

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Na segunda-feira, 5, a aliados da Ucrânia vão dar o primeiro passo para embargar o petróleo da Rússia em retaliação à invasão do país. A sanção promete aumentar o impacto no setor energético no mundo todo, já que Moscou é um grande exportador do óleo. Em busca de alternativas para evitar um colapso energético e econômico, o Ocidente se volta para as chamadas petroditaduras - Estados autoritários detentores de grandes reservas de petróleo - mesmo depois de ter prometido transformá-los em párias.

No movimento mais recente, o governo de Joe Biden aliviou as sanções contra a Venezuela ao conceder uma autorização para que a gigante americana de energia Chevron opere junto com a PDVSA, embora com ressalvas. Uma medida que foi comemorada por Nicolás Maduro e criticada por republicanos.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, participou da COP-27, onde se encontrou com Emmanuel Macron e John Kerry, dos EUA Foto: Mohammed Salem/Reuters

“Não é necessariamente um renascimento dos petro-Estados com governos autoritários por si só, é que os países ocidentais decidiram que seus interesses estatais seculares terão prioridade sobre quaisquer preocupações neste momento, pois todo o foco está na Rússia e na Europa Oriental”, explica Justin Dargin, especialista em energia do Oriente Médio no centro de estudos Carnegie Endowment for International Peace, em entrevista ao Estadão.

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“Este não é um fenômeno novo: os países ocidentais, ao longo do século 20, ignoraram certas tendências autoritárias de seus parceiros se a conveniência política o exigisse, como as negociações americanas com muitos governos da América Latina, África e Oriente Médio”, completa.

Os Estados Unidos negam que a recente reaproximação com a Venezuela seja em decorrência da crise energética, mas sim um reflexo “da política de longo prazo dos EUA que visa um levantamento das sanções sujeito a progressos concretos que diminuirão o sofrimento do povo venezuelano e permitirão apoiar o retorno da democracia à Venezuela”, comentou o Departamento do Tesouro. A autorização parcial ocorreu o último sábado, depois que governo e oposição na Venezuela avançaram em suas negociações no México.

“Toda essa reaproximação com a Venezuela já vinha realmente de tempos anteriores, mas foi acelerada no contexto da guerra da Rússia contra Ucrânia”, afirma o professor de Relações Internacionais da FGV Vinicius Vieira. “Os EUA querem manter os preços do petróleo a níveis no mínimo razoáveis para manter a estabilidade no mercado, que é algo essencial tanto pra fins geopolíticos quanto para a própria política doméstica por conta da dependência americana do petróleo, incluindo para o transporte”.

“Historicamente, sempre que há uma maior demanda por petróleo e essa demanda só pode ser satisfeita pela oferta de países autocráticos, esses países acabam tendo maior poder de barganha. Então, tudo aquilo que a gente viu da Venezuela nos últimos anos, a questão de ter um governo alternativo, o reconhecimento do Guaidó, tudo aquilo tende a realmente a ficar no passado e dá sobrevida ao regime de Maduro”, completa.

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O príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman recebe o presidente dos EUA, Joe Biden, no Palácio Al Salman, após sua chegada a Jeddah, Arábia Saudita, em julho de 2022 Foto: Bandar Algaloud/Reino da Arábia Saudita via Reuters

Petróleo Russo

Além de ser a maior fornecedora de gás natural para a Europa - que já teve suas torneiras fechadas quase completamente nos últimos meses - a Rússia é a maior fornecedora de petróleo bruto para o continente. A commodity representa dois terços das importações de energia da União Europeia, seguido pelo gás (27%). Em 2021, quase três quartos das importações de petróleo bruto do bloco saíram da Rússia (25,9%), Noruega (9,1%), EUA (8,4%) e outros, segundo dados da Comissão Europeia.

“Em 2020 e 2021, a UE dependia principalmente da Rússia para importações de petróleo bruto, gás natural e combustíveis fósseis sólidos, seguida da Noruega para petróleo bruto e gás natural”, informa a comissão em seu relatório anual. O bloco tem buscado reduzir a sua dependência energética de importações, mas sua taxa de dependência ainda é próxima de 60%, chegando a se aproximar de 100% em alguns países.

Já no segundo trimestre de 2022, após o início da guerra na Ucrânia, as importações de petróleo russo foram de 16,7%, uma redução de 8,3 pontos porcentuais do mesmo período de 2021. O bloco então recorre a outros parceiros, com aumento de importações de Estados Unidos, Angola, Arábia Saudita, Brasil e Reino Unido. Mas ainda muito longe de compensar a perda russa.

Já os Estados Unidos são menos dependentes do petróleo russo, contando mais com importações de petróleo bruto do Canadá, México e Arábia Saudita, além de alguns países da América Latina e África. O país conseguiu aumentar a sua produção interna de petróleo ao utilizar uma polêmica técnica de extração chamada fracking, mas ainda está longe de ser autossuficiente.

Segundo dados da Energy Information Administration, apenas 7,9% do petróleo bruto importado pelo país veio da Rússia, enquanto que no Canadá esse número chega a 50%. Mas um aumento no preço dos combustíveis - que se soma a uma inflação galopante e um presidente impopular - obrigou o país a colocar suas reservas petrolíferas no mercado e a buscar alternativas.

O presidente russo Vladimir Putin e o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman durante cúpula do G20 em Buenos Aires, Argentina, em 30 de novembro de 2018 Foto: Kevin Lamarque/Reuters

Depois de ter prometido, quando ainda era candidato presidencial, tornar o príncipe herdeiro da Arábia Saudita em pária por envolvimento no assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, Biden foi obrigado a baixar o tom contra o parceiro energético que, até o momento, é quem está ditando os rumos das relações entre as duas nações.

“A própria Rússia serviu por um bom período como um equilíbrio ao poder do cartel do petróleo, tanto que passou a integrar reuniões da OPEP, com a Arábia Saudita liderando o grupo e barganhando com a Rússia”, explica Vinicius Vieira. “Agora que a Rússia parece estar fora desse mercado, pelo menos pro Ocidente, ocorre um empoderamento sobretudo da Arábia Saudita, mas também da Venezuela que estava fora do radar americano.”

Embargo europeu

Em tese, nesta segunda-feira, começa o grande embargo europeu ao petróleo russo. Proibir totalmente o petróleo de Moscou era uma opção inviável, tanto por causa da dependência energética quanto do risco de uma recessão global da economia caso esse montante todo seja tirado do mercado.

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A alternativa encontrada pela União Europeia, junto com G-7 e Austrália, foi proibir o transporte marítimo do produto para a Europa - apenas o marítimo, liberando a Hungria para receber via oleoduto - além da imposição de um teto de US$ 60 (R$ 313) para que bancos, seguradoras e empresas de navegação trabalhem com o petróleo russo.

A intenção é reduzir o lucro da Rússia que tem fluido para a guerra sem afetar tão bruscamente o mercado global. Mas a fixação de um teto ainda é motivo de atrito entre os países, além de causar ceticismo em especialista sobre sua eficácia, pois Moscou já tem se adiantado em negociar seu produto com China e Índia.

Ativistas do Greenpeace seguram faixa perto do petroleiro Minerva Virgo, atracado no terminal de petróleo de Bayonne, Nova Jersey, EUA, em 22 de março de 2022 Foto: Bjoern Kils/Reuters

Além disso, uma decisão da OPEP+ (grupo de países produtores de petróleo, liderado pela Arábia Saudita, e com presença da Rússia) de diminuir a sua produção de petróleo tem enfurecido o Ocidente, pois, ao reduzir a oferta quando se há alta demanda, o preço do petróleo irá disparar, o que tende a beneficiar diretamente Vladimir Putin.

Os membros da OPEP+ negam que sua ação seja para beneficiar a Rússia, mas a decisão deixou a relação entre Estados Unidos e Arábia Saudita ainda mais abalada, com Joe Biden precisando dialogar com o príncipe herdeiro que prometeu transformar em um pária.

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A grande questão é o quanto essas petroditaduras conseguirão de fato suprir as demandas globais pelo produto. Embora se saiba que os países do Golfo Pérsico tenham imensa produção de petróleo - motor de sua economia - há pouca transparência sobre os volumes disponíveis e sua capacidade de aumentar a produção. Já a Venezuela tem um petróleo denso de difícil refino e sua indústria petrolífera é uma sombra do que foi nos anos 90, mas pode auxiliar, ao menos de forma temporária, os EUA a manterem suas reservas abastecidas.