THE NEW YORK TIMES — Quando autoridades do Egito lançaram um vídeo na última semana descrevendo planos para reconstruir a Pirâmide de Miquerino, a menor entre as três principais pirâmides de Gizé, com blocos de granito que uma vez fizeram parte de seu exterior, a reação inicial foi rápida — e dura.
Alguns arqueologistas criticaram a ideia. Um comentário online que foi amplamente repercutido por canais de notícias comparou o plano a uma tentativa de “endireitar a Torre de Pisa”. Outros se preocuparam que cobrir as conhecidas paredes de calcário com um novo revestimento teria o efeito de transformar o histórico local em uma imitação da Disneylândia.
Leia também
A iniciativa foi anunciada por Mostafa Waziri, o secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades do Egito, que a chamou de “o projeto do século” em um vídeo postado no dia 25 de janeiro nas redes sociais. Ele disse que o esforço, liderado por uma coalizão de especialistas egípcios e japoneses, começaria com pelo menos um ano de estudo, e que uma equipe internacional decidiria então se prosseguiria com a tentativa de restaurar os blocos de granito, que cobrem aproximadamente um terço da pirâmide em sua parte inferior.
Waziri não respondeu os contatos feitos por telefone ou e-mail para um pedido de comentário. Em uma entrevista para o canal de TV Ten na terça-feira, 30, ele rejeitou as críticas que surgiram online como “conversas nas redes sociais que não têm base na verdade”.
Algumas críticos online pareciam ter a impressão de que os blocos lisos de granito visíveis em vídeos e fotos da pirâmide — que contrastam fortemente com a textura mais familiar do calcário acima — eram novos. Mas vários egiptólogos disseram que pareciam ser os blocos de granito sobreviventes da pirâmide, que estão lá há séculos e que podem ser vistos em fotografias que datam de 1907.
O debate sobre a pirâmide reflete uma tensão constante no campo da conservação: se deve-se tentar voltar com estruturas antigas ao seu esplendor anterior ou minimizar a intervenção o máximo possível.
“Ambas as escolas de pensamento elevam alguma coisa”, disse Leslie Anne Warden, professora associada de história da arte e arqueologia no Roanoke College, que enfatizou que o Egito está longe de ser o único país lidando com estas questões. “Uma é um pouco mais voltado para o turismo. Se você estiver indo para Gizé como estrangeiro, pode esperar ser transportado para o mundo antigo. A outra escola diz que você está encobrindo grandes partes do que aconteceu e priorizando uma narrativa.”
A Pirâmide de Miquerino foi construída para abrigar a tumba do rei Menkaure, que comandou o Egito há mais de 4 mil anos. É a única das três pirâmides de Gizé que foi envolta em vários níveis de granito de Aswan, uma pedra vermelha proveniente de pedreiras a mais de 880 quilômetros ao sul de Gizé. Os estudiosos acreditam que a pirâmide nunca foi concluída após a morte do rei.
Ao longo dos séculos, muitas das pedras de granito caíram ou foram removidas por diversos motivos, segundo Morgan Moroney, curadora assistente de arte egípcia, clássica e do antigo Oriente Próximo no Museu do Brooklyn. Mesmo nos tempos antigos, ela disse, pessoas reutilizavam esses blocos para construir monumentos ou casas próximas. Terremotos, erosões e vandalismos os desgastaram ao longo do tempo.
Salima Ikram, chefe da unidade de egiptologia da Universidade Americana do Cairo, está cautelosamente otimista sobre o novo projeto.
“Escanear e documentar a pirâmide e os blocos no terreno é muito útil”, ela disse. Se o time colocasse os blocos caídos de volta no lugar de uma forma que seja reversível, ela diz, seria “eminentemente sensato”. Mas ela alertou contra a restauração de quaisquer blocos se suas origens não forem claras. A especialista ainda sugeriu que seriam necessários mais estudos para confirmar que a pirâmide ainda poderia suportar o peso de mais revestimentos de granito.
Ibrahim Mohamed Badr, professor associado no departamento de restauração de antiguidades e conservação da Universidade de Ciência e Tecnologia Misr, em Gizé, estava cético sobre quais pedras no local — muitas delas não polidas — poderiam ser confirmadas como originais da pirâmide.
“Os egípcios antigos teriam polidos as pedras quando estavam instalando-as na pirâmide”, ele disse. “Qualquer tentativa de consertá-las poli-las seria uma interferência flagrante no trabalho de egípcios antigos, que não completaram essa pirâmide.”
O Ministério de Antiguidades não respondeu a um pedido de comentário e não confirmou o orçamento do projeto. Waziri disse à TV al-Mehwar que a fase inicial do projeto — que começa em um momento de dívida e inflação crescentes no Egito — estava sendo financiada inteiramente pelos seus parceiros japoneses. “Não pagaremos um centavo”, disse ele.
O projeto Menkaure faz parte de um investimento mais amplo na infraestrutura de Gizé, que inclui novos restaurantes e instalações para visitantes. O Grande Museu Egípcio, que supostamente custou US$ 1 bilhão e está em obras há duas décadas, está previsto para ser inaugurado ainda este ano.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.