Reduto histórico do Partido Republicano, a Geórgia se tornou um dos últimos campos de batalha do presidente Donald Trump na tentativa de reverter a derrota eleitoral sofrida para o democrata Joe Biden no ano passado. Em meio a uma eleição decisiva para o Senado e após a revelação pelo jornal The Washington Post de uma ligação polêmica feita ao secretário do Estado, Brad Raffensperger, Trump atraiu as atenções para o Estado na tentativa de retomar a narrativa de fraude nas eleições presidenciais, numa aposta para manter ativa sua militância e pressionar o Congresso - incluindo seu vice, Mike Pence - a não confirmar a vitória de Biden no colégio eleitoral durante a sessão conjunta das Casas Legislativas desta quarta-feira, 6.
A tese da fraude eleitoral voltou aos holofotes após o Post publicar a gravação de uma ligação em que Trump pede que Raffensperger 'encontre' 11.780 votos em seu favor, a fim de reverter o resultado das urnas no Estado. O tema tomou conta da reta final da corrida eleitoral pelas duas últimas vagas no Senado, que têm peso decisivo no controle da Casa pelos próximos dois anos. O último comício em apoio aos candidatos republicanos, por exemplo, converteu-se em uma palestra sobre as teses conspiracionistas de Trump.
Conforme explica Maristela Basso, professora de Direito Internacional e Comparado da Universidade de São Paulo (USP), a retomada da retórica agressiva pelo presidente ocorreu às vésperas de dois momentos decisivos. Além da eleição na Geórgia - que ocorreu ontem, 5 - o Congresso americano se reúne hoje para confirmar o resultado da eleição presidencial no colégio eleitoral, que deu a vitória a Joe Biden.
"É uma espécie de 'cartada final' de Trump. Por um lado, ele perdeu as eleições, mas se conseguir entregar o Senado aos republicanos, não sai com a cabeça totalmente baixa e pavimenta algum caminho para o partido para as próximas eleições. Por outro, tenta conseguir uma impugnação das eleições do ano passado, impedindo a confirmação do resultado do colégio eleitoral pelo Congresso, que sempre foi, e é, um ato simbólico", disse.
Pelas redes sociais, o presidente direcionou o discurso para as duas frentes elencadas pela professora. Durante a madrugada, quando a apuração das eleições para o Senado na Geórgia apontavam a vitória do reverendo democrata Raphael Warnock a uma das vagas no Senado e a liderança de Jon Ossoff na disputa pela segunda vaga - ambos democratas - Trump voltou a falar em fraude.
"Aconteceu de encontrarem outras 4 mil cédulas de votação no condado de Fulton. Lá vamos nós", escreveu Trump em sua conta no Twitter. A rede social marcou a publicação com uma tag de alerta, informando aos usuários que a afirmação não tem base em nenhuma evidência.
Ao mesmo tempo em que questionava a eleição para o Senado, Trump também fez acenos para sua militância, que se reúne em Washington em um movimento batizado de "Stop the steal" ("Parem o roubo", em tradução livre), que tenta pressionar os Congresso a não referendar o resultado da eleição presidencial de 2020 confirmado pelo colégio eleitoral. Já na manhã de hoje, o presidente jogou a responsabilidade da impugnação no vice-presidente, Mike Pence, a quem delegou a tarefa de impedir a suposta fraude.
"Os Estados querem corrigir seus votos, que agora sabem que foram baseados em irregularidades e fraudes, além de que o processo corrupto nunca recebeu aprovação legislativa. Tudo que Mike Pence precisa fazer é mandá-los de volta para os Estados Unidos, E NÓS GANHAMOS. Faça isso Mike, este é um momento de extrema coragem!", escreveu.
Denúncia de fraude por ligação é de difícil sustentação.
Ao mesmo tempo em que Trump faz suas derradeiras apostas na tentativa de se manter na Casa Branca, opositores pedem para que seja aberta uma investigação para a tentativa de fraude eleitoral por parte do presidente na ligação em que pressionar Raffensperger a encontrar votos.
Um processo contra Trump, no entanto, dificilmente se sustentará com as provas atuais, de acordo com o advogado Daniel Brantes Ferreira, coordenador do mestrado em Direito da Universidade Cândido Mendes (UCAM) e pesquisador do The Baldy Center for Law & Social Policy da Escola de Direito da Universidade de Buffalo.
"A ligação em si não é crime. Além disso, o que pesa a favor de Trump é que várias pessoas participam da chamada. Não foi algo escondido, que remeta diretamente a uma chantagem. É uma denúncia difícil de se sustentar", afirma Brantes.
Na análise do professor, o cálculo para um eventual caso contra o presidente agora é mais político do que jurídico. "Tanto a legislação federal quanto a legislação estadual da Geórgia preveem como crime a tentativa de fraudar as eleições. Mas a decisão de denunciar ou não ficaria por conta dos procuradores indicados pelo governo Biden. Seria interessante para ele começar o governo processando o ex-presidente em um caso com pouca materialidade?", questionou.
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