THE NEW YORK TIMES - Na cidade de Uvalde, no Estado americano do Texas, alguns dos piores temores sobre a resposta da polícia a um ataque a tiros em uma escola foram confirmados nesta sexta-feira, 27. As autoridades estaduais reconheceram que mais de uma hora - 78 minutos - se passou após o início do ataque, enquanto a polícia esperava para entrar nas salas de aula onde os alunos ficaram presos.
Na terça-feira, o atirador Salvador Ramos entrou na Robb Elementary School em Uvalde e matou 19 crianças e 2 professoras. Ele foi morto mais tarde pela polícia.
Em uma entrevista coletiva emotiva e às vezes tensa, o diretor do Departamento de Segurança Pública do Texas, Steven C. McCraw, fez o relato mais detalhado do ataque até agora, divergindo em pontos substanciais da linha do tempo original dada pelos oficiais.
Na maior parte do tempo, o atirador estava na escola, explicou McCraw, dentro das salas de aula onde quase todos os assassinatos ocorreram, enquanto 19 policiais esperavam do lado de fora do prédio.
Várias pessoas nas salas de aula, incluindo pelo menos duas crianças, ligaram para o serviço de emergência 911 nesse período de tempo, implorando pela polícia.
Leia análise sobre o ataque
Mas aparentemente acreditando que o suspeito havia se entrincheirado em uma sala de aula e que “não havia crianças em risco”, a polícia só entrou no local às 12h50, 78 minutos depois que o atirador entrou.
“Pelo benefício da retrospectiva de onde estou agora, é claro que não foi a decisão certa”, disse McCraw. “Foi a decisão errada, e ponto final.”
Às 12h15, agentes da Patrulha de Fronteira e da Imigração e Alfândega chegaram com escudos táticos, disse ele, muito antes do que se sabia anteriormente. Mas a polícia local não permitiu que eles fossem atrás do atirador, que abria fogo contra os alunos dentro da escola.
Às 12h16, uma pessoa que ligou para o 911 disse que oito ou nove alunos ainda estavam vivos na sala de aula; não ficou claro se algum desses estudantes morreu mais tarde. A polícia finalmente entrou na sala de aula às 12h50, depois de ter recebido a chave de um zelador. O atirador acabou sendo morto pela polícia.
Questionado sobre o que diria aos pais, a resposta de McCraw foi uma mistura de desafio e resignação. “O que eu digo aos pais?” ele perguntou. “Não tenho nada a dizer aos pais, além do que aconteceu. Não estamos aqui para defender o que aconteceu, estamos aqui para relatar os fatos. Se eu achasse que isso ajudaria”, acrescentou, “eu pediria desculpas”.
Procedimento padrão
Durante uma situação de ataque a tiros ativo, os policiais americanos são ensinados que sua resposta deve se concentrar em dois princípios: primeiro “parar a matança” e depois “parar a morte”, de acordo com um programa de treinamento elaborado no Texas e é considerado o padrão nacional. A resposta deve centrar-se na neutralização do atirador, diz o programa, e depois em levar assistência médica a qualquer pessoa ferida.
À medida que mais perguntas surgiram nesta sexta-feira sobre a resposta da polícia ao ataque na Robb Elementary School em Uvalde, especialistas descreveram esses princípios como os centrais para lidar com tais circunstâncias – um conjunto de protocolos que evoluíram significativamente nas últimas duas décadas, mas são amplamente aceito pelas agências de aplicação da lei nos Estados Unidos.
Os oficiais são ensinados a entrar rapidamente em pequenas formações – ou mesmo com apenas um ou dois oficiais – e agir para conter e neutralizar qualquer atirador. “NÃO perca tempo valioso procurando em áreas onde você sabe que não há violência”, dizem os policiais em um boletim de treinamento do Departamento de Polícia do Metrô de Louisville. “Vá direto para a fonte da violência.”
Os resgates devem começar depois que o atirador for detido, ou se houver policiais adicionais para realizá-lo.
Se os disparos pararem, a situação pode mudar para um cenário de barricada ou refém, o que exige uma abordagem diferente e mais lenta, dizem os especialistas. A prioridade passa a ser entrar em contato com o agressor e iniciar as negociações.
Embora situações de reféns possam exigir julgamentos complexos – principalmente se as vítimas presas estiverem feridas e precisarem de atendimento – especialistas em aplicação da lei dizem que a negociação salvou vidas repetidamente.
Especialistas disseram que as situações geralmente são fluidas e podem passar repetidamente de um cenário de tiro ativo para uma situação de refém.
As práticas para essas situações evoluíram consideravelmente desde o ataque na Columbine High School em 1999, quando os policiais foram treinados para manter um perímetro e esperar por uma equipe tática.
“Columbine mudou tudo porque eles perceberam que, embora não fosse um plano ruim esperar, as pessoas serão mortas enquanto você espera”, disse Robert J. Louden, professor emérito de justiça criminal e segurança interna da Georgian Court University em New Jersey.
Alguns especialistas sugeriram que os policiais em Uvalde não agiram antes porque tinham medo de serem baleados – e dois policiais sofreram ferimentos de arranhões no local. “O comandante do incidente acreditava que precisava de mais equipamentos e mais oficiais para fazer uma operação tática naquele momento”, disse McCraw.
Ashley Heiberger, uma capitã de polícia aposentada que agora faz treinamento de oficiais, disse que os departamentos variam muito quanto ao que eles exigem dos policiais em situações perigosas. Alguns esperam que eles se aproximem dos tiros, enquanto outros dão mais discrição.
“A maioria das políticas da agência provavelmente não exige que você faça uma missão suicida”, disse ela. “Mas eu acho que a maioria dos policiais sentiria uma obrigação moral – proteger vidas é o seu maior dever.”
Induzido ao erro
O governador do Texas, o republicano Greg Abbott, disse nesta sexta-feira, 27, que foi induzido ao erro sobre a resposta da polícia ao tiroteio na escola em Uvalde.
Segundo o governador, em suas declarações anteriores, no início da semana, ele estava repetindo o que lhe haviam dito (sobre a condução da polícia). “A informação que me foi dada acabou, em parte, por ser imprecisa”, disse ele.
Abbott disse que é preciso abrir uma investigação completa exaustiva sobre o que aconteceu./COM AP
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