VARSÓVIA – Passados 78 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, as marcas do Holocausto e da ocupação nazista, que se estendeu de 1939 a 1945, ainda se espalham por toda a Polônia.
Epicentro dos campos criados pelo regime de Adolf Hitler para promover o assassinato em massa de judeus, não apenas dos que viviam no país, que formavam a maior comunidade judaica do mundo, com 3,3 milhões de pessoas, mas de toda a Europa ocupada pelas forças alemãs, a Polônia reúne o principal conjunto de evidências do Holocausto e de monumentos erguidos em tributo às vítimas da barbárie nazista.
Na Umschlagplatz, na zona central de Varsóvia, de onde cerca de 300 mil judeus foram deportados em vagões de carga para o campo de extermínio de Treblinka, localizado a 101 km da capital polonesa, hoje há um memorial em tributo aos mortos. Perto dali, na rua Jaktorowska (ex-rua Krojmalna), fica o antigo Orfanato Dom Sierot, que abrigava cerca de cem crianças judias levadas pelos nazistas para o Gueto de Varsóvia, onde os judeus da cidade eram confinados antes de ser enviados para seu derradeiro destino. Dirigido pelo pediatra e pedagogo judeu Janusz Korczak, um pioneiro na defesa dos direitos das crianças que morreu com “seus” órfãos em Treblinka, a instituição funciona até hoje como um abrigo infantojuvenil, com o nome do “Velho Doutor”, como ele era conhecido, e ostenta nos jardins um busto em sua homenagem.
Em Cracóvia, na região sul da Polônia, a parte remanescente do muro que cercava o gueto local, construído em formato de lápides judaicas, mantêm viva a memória dos que passaram por lá, sem saber que estavam fazendo a última escala de uma viagem da qual não voltariam mais. “Aqui, eles viveram, sofreram e morreram nas mãos dos torturadores alemães. Deste ponto, eles começaram sua viagem final para os campos de extermínio”, diz a placa fixada num fragmento do muro.
Em Oswiecim, a 70 km de Cracóvia, as instalações que restaram dos campos de Auschwitz-Birkenau, onde morreram cerca de um milhão de judeus nas câmaras de gás usadas para dizimá-los, revelam um retrato sem retoques dos horrores cometidos pelos nazistas no país. O complexo, transformado num grande museu, recheado com painéis informativos, fotografias e objetos pessoais tomados das vítimas por seus carrascos, como malas, sapatos, roupas, próteses e cabelos, usados para produção de tecidos e enchimento de colchões, é o símbolo maior do genocídio cometido contra os judeus durante o Terceiro Reich.
Embora estejam integrados à paisagem urbana e rural da Polônia e incorporados ao dia a dia dos poloneses, que ergueram prédios residenciais e até um parque de diversões ao lado de antigos campos de concentração e de extermínio, os vestígios do Holocausto e os monumentos construídos em homenagem às vítimas estão lá, como a lembrar a todos, o tempo todo, das atrocidades cometidas pelos nazistas, que levaram a vida de seis milhões de judeus europeus, três milhões dos quais viviam no país (90% do total do pré-guerra).
Como um grande “sítio arqueológico”, esse acervo – preservado e construído desde quando a Polônia era um satélite soviético, mas principalmente após a queda do comunismo, em 1989 – expõe os traços de uma civilização perdida, cujo legado se confunde com a história e a cultura do povo judeu.
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Num momento em que o antissemitismo vem crescendo pelo mundo afora, inclusive na Polônia, assim como a negação e a banalização do Holocausto, segundo as pesquisas de opinião e os relatórios de organizações internacionais, esse patrimônio é considerado fundamental para mostrar às novas gerações o que aconteceu naquela época, prestar tributo aos mártires e ajudar a evitar que um dos capítulos mais negros da humanidade se repita.
“O Holocausto não nasceu no vácuo”, disse o presidente de Israel, Isaac Herzog, em discurso realizado no Parlamento Europeu para marcar o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto, em 27 de janeiro, no qual dedicou especial atenção à onda de antissemitismo registrada hoje em diversos países. “Nós nunca devemos nos esquecer de que a máquina de guerra nazista não teria sido bem-sucedida na realização de seu projeto macabro se não tivesse encontrado um solo fértil de ódio aos judeus.”
‘História distante’
Com o envelhecimento e o a morte da maioria dos cerca de 3,5 milhões de judeus europeus que sobreviveram ao Holocausto (30% do total do pré-guerra), incluindo um contingente expressivo que vivia na ex-União Soviética e não sofreu de forma direta a perseguição de Hitler, os relatos de viva voz sobre as atrocidades nazistas são cada vez mais raros, tornando ainda mais relevante a preservação desses marcos históricos, que atraem mais de um milhão de turistas de várias nacionalidades e credos todos os anos.
Muitos sobreviventes registraram suas vidas e agruras durante o nazismo em livros, filmes e vídeos, que propagarão suas mensagens pelo futuro. Diversas produções cinematográficas sobre o tema, como A lista de Schindler, do diretor Steven Spielberg, e O pianista, de Roman Polanski, também deram uma grande contribuição para ampliar a visibilidade dos crimes nazistas e da tragédia vivida pelos judeus. O mesmo se pode dizer de instituições como o Yad Vashem, o centro mundial de lembrança do Holocausto, localizado em Jerusalém, e dos estudos realizados por pesquisadores dos mais diferentes campos do conhecimento a respeito do assunto. Ainda assim, nada parece ter mais força do que os fragmentos que restaram dos tempos sinistros do nazismo, para mostrar o que significou na vida real o regime de Hitler e combater o negacionismo e a banalização do genocídio cometido contra o povo judeu.
“O Holocausto se tornou uma história distante, porque quase não há mais sobreviventes e testemunhas vivas”, afirmou ao Estadão o historiador Szymon Pietrzykowski, que trabalha na área de educação do Instituto Histórico Judaico, em Varsóvia, cuja exposição permanente reúne cartas, diários e filmes escondidos em latões de leite durante a guerra, por um grupo de judeus que conseguiu burlar a rígida vigilância dos soldados nazistas. “Para manter a história viva, é preciso ter alguma forma de conexão real com o passado.”
Guinada radical
Nos últimos anos, porém, todo o trabalho realizado para preservar a história desse período e prestar tributo às vítimas virou alvo de um movimento turbinado pelo governo polonês para “desjudaizar” o Holocausto, minimizar o flagelo dos judeus e repaginar a participação do país e dos poloneses na Segunda Guerra Mundial.
A partir de 2015, com a ascensão ao poder do Partido Lei e Justiça (PiS, na sigla em polonês), de linha nacional-conservadora, a Polônia deu uma guinada radical na forma de lidar com seu passado, gerando muita controvérsia no país e no exterior. A metamorfose já provocou até uma crise diplomática com Israel, que deixou arranhões profundos nas relações entre os dois países, em meio a acusações de “antissemitismo” por parte das autoridades israelenses e à pichação de uma suástica nos muros da embaixada polonesa em Tel Aviv.
Desde que o assumiu o comando, o atual governo transformou a história do país numa questão de Estado e deflagrou uma “guerra cultural” para impulsionar uma contestada narrativa sobre os acontecimentos, forjada nos “laboratórios” do PiS, do primeiro-ministro Mateusz Morawiecki.
Centrada na exaltação do “heroísmo” dos poloneses que lutaram contra o nazismo e arriscaram suas vidas ou morreram ao proteger judeus durante a guerra e no “esquecimento” da colaboração de muitos compatriotas com os alemães, tal narrativa apresenta uma “visão distorcida” da realidade, de acordo com seus críticos, levantando acusações de que a Polônia “está tentando reescrever a história”. “A memória do Holocausto está sob clara ameaça na Polônia”, diz um estudo realizado pela União Europeia para o Judaísmo Progressista (EUPJ, na sigla em inglês), que investigou como os países europeus lidam com seu passado na guerra.
O “revisionismo” promovido pelo governo e pelo PiS, fundado em 2001 pelos irmãos Lech e Jaroslaw Kaczynski, não nega o Holocausto, até porque isso é considerado um crime no país, mas desconsidera fatos históricos relacionados ao sofrimento dos judeus e ao papel desempenhado pelos poloneses na guerra. Ao ignorar a cooperação de muitos compatriotas com o nazismo e o antissemitismo que contaminava boa parte da sociedade polonesa na época, segundo historiadores e relatos dos sobreviventes, eles privilegiam o “lado bom” da história e deixam o “lado mau” para trás.
Os antissemitas hoje se sentem mais à vontade para dizer o que está na cabeça deles
Michael Schudrich, rabino-chefe da Polônia
Para muitos analistas, ao “passar pano” para os poloneses que colaboraram com os alemães, o governo e o PiS acabam por estimular, voluntária ou involuntariamente, o antissemitismo no país e “dão gás” aos ultranacionalistas da extrema-direita reunidos no partido Confederação, que se opõe à imigração e exalta a etnia polonesa e a homogeneidade cultural. “Os antissemitas hoje se sentem mais à vontade para dizer o que está na cabeça deles”, afirmou o rabino-chefe da Polônia, Michael Schudrich, ao comentar uma pesquisa que detectou o aumento do antissemitismo no país, divulgada recentemente.
Por trás dessa narrativa propagada pelo governo e pelo PiS, está a ideia de que os poloneses não devem pedir perdão pelo que aconteceu durante a ocupação alemã. Na visão do partido e do governo, o que deve prevalecer é a “pedagogia do orgulho”, que enaltece os aspectos positivos da história da Polônia e o “heroísmo” de seus cidadãos, em vez da chamada “pedagogia da vergonha”, que divide a população e fragiliza a nação, predominante nos governos anteriores do pós-comunismo, quando havia um peso excessivo nos pecados cometidos pelos poloneses durante a guerra.
Pela lente do governo e do PiS, a Polônia tem sido mostrada injustamente como um dos perpetradores do Holocausto, quando, na verdade, foi uma de suas vítimas. Como se estivesse em andamento uma competição para avaliar quem foi mais vítima durante o nazismo, a narrativa oficial se baseia também, de acordo com o estudo da EUPJ, na ideia de que os poloneses, longamente desafiados por vizinhos poderosos, como a Alemanha e a Rússia, sofreram tanto quanto os judeus na guerra.
“O interesse maior da política histórica do governo liderado pelo PiS é colocar os poloneses e os judeus num nível igual de vitimização”, diz o historiador alemão Jörg Hackmann, professor do Instituto de História da Universidade de Estetino, na Polônia, em artigo publicado na Revista de Pesquisa do Genocídio. “A audácia de negar os eventos históricos deriva do desejo de absolver os poloneses de qualquer transgressão e de restaurar a honra polonesa”, afirmam a historiadora Ruth Dorot e a pedagoga Nitza Davidovitch, da Universidade Ariel, de Israel, em artigo publicado na Revista Internacional de Ciência Social e de Pesquisa Humana.
Em seu empenho para tornar hegemônica a sua versão da história, o governo conseguiu aprovar uma nova lei no parlamento, no início de 2018, que criminalizou, com penas de até três anos de prisão, a atribuição de crimes nazistas ao Estado e à nação polonesa – uma medida que, na avaliação de representantes da oposição, historiadores, sobreviventes do Holocausto e autoridades de Israel e de outros países, promoveu a legalização do “negacionismo” governamental a respeito da colaboração de muitos poloneses com o nazismo e do papel que eles desempenharam na captura e na morte de judeus durante a guerra.
Liberdade de expressão
A aprovação da chamada “Lei do Holocausto” gerou forte reação no país e no exterior, apesar das afirmações de autoridades polonesas de que o objetivo do dispositivo era combater a divulgação de “informações falsas” sobre a participação da Polônia na guerra. Uma visita do então ministro da Educação de Israel, Naftali Bennett, à Polônia foi cancelada na ocasião, depois de ele afirmar que “os judeus poloneses gritam da terra e nenhuma lei vai silenciá-los”. O então secretário de Estado americano, Rex Tillerson, disse que a nova lei iria “afetar a liberdade de expressão e a pesquisa acadêmica”. O Conselho Internacional de Auschwitz, órgão que atua no apoio à gestão do museu do antigo campo de concentração nazista, também criticou a aprovação da medida, mesmo caminho seguido por historiadores poloneses.
Diante da repercussão negativa, a nova lei acabou amenizada meses depois, com o enquadramento das “infrações” na esfera civil e não criminal, mas esse revés não freou a movimento do governo e do PiS para tentar “limpar” o nome da Polônia e dos poloneses na Segunda Guerra. Além da cumplicidade com os nazistas, incomoda a eles o uso disseminado em todo o mundo da expressão “campos de extermínio da Polônia”, por sugerir o envolvimento oficial do país na gestão dos campos, que nunca ocorreu, conforme os relatos históricos, em vez de “campos de extermínio na Polônia ocupada pela Alemanha nazista”, mais fiel aos acontecimentos.
“Apesar de a mudança no texto da lei ter apaziguado alguns na comunidade internacional, os judeus poloneses e líderes de entidades ligadas à preservação da memória do Holocausto continuam com medo das intenções do atual governo”, diz o relatório final do estudo sobre a Polônia produzido pela EUPJ.
A Polônia aprovou – e não é a primeira vez – uma lei imoral e antissemita
Yair Lapid, ex-ministro das Relações Exteriores da Israel
As tensões da Polônia com Israel atingiram seu auge com a aprovação de outra lei relacionada ao Holocausto pelo parlamento, em agosto de 2021, que dificultou a recuperação de propriedades tomadas dos judeus pelos alemães e pelos comunistas, que governaram o país de 1945 a 1989. Pela nova lei, foi estabelecido um limite de trinta anos para as reivindicações, mas, como a maioria dos confiscos ocorreu na época da guerra ou logo depois, isso significa na prática que o prazo para as demandas dos judeus já acabou, o que gerou manifestações de repúdio por parte das autoridades israelenses.
A Polônia, por meio de um comunicado do presidente Andrzej Duda, hoje sem partido, mas próximo ao PiS, pelo qual se elegeu para seu primeiro mandato, em 2015, negou que a nova lei fosse direcionada às propriedades expropriadas dos judeus . Duda disse que a lei anterior estimulava muitas reivindicações falsas, que enriqueciam grupos criminosos, em prejuízo de milhares de poloneses que ficavam sem teto para morar. “Estou convencido de que a era do caos legal chegou ao fim, a era das máfias da reprivatização, da incerteza de muitos poloneses e da falta de respeito com os direitos básicos dos cidadãos do nosso país”, afirmou, na época.
No entanto, como no caso da “Lei do Holocausto”, as explicações oficiais não amenizaram as críticas à nova legislação. “A Polônia aprovou – e não é a primeira vez - uma lei imoral e antissemita”, disse o então ministro das Relações Exteriores da Israel, Yair Lapid. A declaração de Lapid foi reforçada pelo então primeiro-ministro israelense, Naftali Bennett, que considerou a nova lei “vergonhosa” e afirmou que ela mostra “desprezo pela memória do Holocausto”.
Memória das vítimas
Em resposta à aprovação da medida, Israel retirou seu embaixador de Varsóvia e Lapid recomendou à Polônia que seu representante em Tel Aviv, que estava em férias no país, ficasse por lá. “Ele deve usar o tempo disponível para explicar aos poloneses o que o Holocausto significa para os cidadãos de Israel e que não iremos tolerar o desprezo pela memória das vítimas e pela memória do Holocausto”, disse.
As relações formais entre os dois países só voltaram a se normalizar um ano depois, com a volta dos embaixadores aos seus postos. “Estamos tentando consertar nossas relações com Israel, sem perdedores ou vencedores. Estamos dando mais uma chance para relações normais”, afirmou Jakub Kumoch, assessor de Política Externa do presidente polonês. “Foi acordado que as relações serão restauradas ao seu devido curso”, disse o presidente israelense, depois de falar com Duda por telefone. “Ambos os presidentes expressaram esperança de que quaisquer questões futuras entre Polônia e Israel sejam resolvidas por meio de um diálogo sincero e aberto e com espírito de respeito mútuo.”
Agora, apesar de todo o movimento realizado pelo governo e pelo PiS para impor sua narrativa alternativa do Holocausto, não dá para negar que o tratamento dado por Hitler aos poloneses foi brutal. Milhares de poloneses, incluindo muitos presos políticos, foram enviados aos campos de concentração, onde tinham de fazer trabalhos forçados, e aos campos de extermínio.
No total, calcula-se que cerca de 1,9 milhão de poloneses não judeus foram mortos durante a guerra pelos alemães. Somados aos três milhões de judeus poloneses assinados pelos nazistas, o total de mortos do país no conflito chegou a 14% da população, de 35 milhões de habitantes, na época. Só em Auschwitz-Birkenau estima-se-que 70 mil poloneses não judeus foram mortos pelos nazistas (6% do total de mortos no campo).
É certo também que, ao contrário de outros países da Europa ocupada pelas forças do Terceiro Reich, como a França e a Hungria, a Polônia não teve um governo “fantoche”, formado por colaboradores locais, e foi governada pelos alemães durante a guerra. O país manteve até um governo no exílio, primeiro em Paris e depois em Londres, durante o período de ocupação nazista.
‘Justos entre as nações’
O governo no exílio apoiou de forma direta atividades clandestinas contra as forças de Hitler, inclusive o Levante de Varsóvia, deflagrado em 1944, que foi maior movimento de resistência da Europa ocupada, por meio do qual o Exército Clandestino Polonês tentou liberar a capital do país. Em represália ao Levante, que durou 63 dias, os alemães destruíram Varsóvia, deixando um saldo de 150 mil civis mortos, sem contar os 16 mil integrantes da resistência polonesa que tombaram na operação.
Além disso, a Polônia é o país que tem o maior número de pessoas laureadas com o título de “Justos entre as Nações”, concedido pelo Yad Vashem, de Israel, aos cidadãos de todo o mundo que salvaram vidas de judeus durante o nazismo. No total, mais de sete mil homens e mulheres poloneses, que representam cerca de 1/4 do total de laureados, fizeram jus à homenagem até o momento.
Pedido de desculpa
Tudo isso faz parte da história. Ninguém questiona isso. O que os críticos contestam é a propagação de uma narrativa que apresenta uma “visão enviesada’ dos acontecimentos e inibe a confrontação dos poloneses com seus fantasmas. Segundo eles, para realçar a tragédia e o heroísmo de muitos poloneses durante a ocupação nazista, não é preciso subestimar o genocídio cometido contra os judeus nem omitir a colaboração com os nazistas e o antissemitismo de boa parte da sociedade polonesa na época.
“A ideia de que os poloneses não são responsáveis pelo Holocausto está correta, mas querer impedir você de falar dos poloneses que colaboraram com o regime nazista está errado. É preciso reconhecer esse lado também”, afirmou Sebastian Rudolf, vice-diretor do Centro Comunitário Judaico de Cracóvia, ao Estadão. “Houve pessoas que protegeram judeus e outras que hostilizaram judeus. Houve sobreviventes do Holocausto, porque eles foram escondidos por famílias polonesas, mas ao mesmo tempo houve também judeus que foram mortos por poloneses.”
O governo polonês e o PiS, porém, parecem ver as coisas de outra forma. Até hoje, eles rejeitam o pedido formal de desculpa feito pela Polônia pelo massacre de Jedwabne, um vilarejo situado no nordeste do país, onde cerca de 300 judeus foram mortos em 1941, não pelos soldados alemães, mas por seus vizinhos poloneses.
Popularizado pelo historiador e sociólogo polonês Jan Gross, professor da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, em seu livro Neighbours (vizinhos), publicado em 2000, o caso levou a uma investigação oficial que acabou comprovando a veracidade dos fatos narrados pelo autor e ao pedido de desculpa que se seguiu. A iniciativa, ocorrida quando o PiS ainda estava na oposição, enfureceu os nacionalistas, que questionavam o envolvimento voluntário dos poloneses no massacre e serve até agora de exemplo para o partido e para o governo do que a Polônia não deve fazer em relação ao Holocausto. Mesmo que, para isso, tenha de dar uma maquiada na história.
* O repórter José Fucs viajou à Polônia a convite do Memorial do Holocausto de São Paulo.
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