Alerta de perigo de navio em Baltimore interrompeu o tráfego da ponte e evitou tragédia maior

Tripulantes da embarcação emitiram alerta por rádio, pedindo que a ponte fosse esvaziada, segundos antes de atingir construção

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WASHINGTON - Enquanto um navio cargueiro do tamanho de um arranha-céu se aproximava perigosamente da maior ponte de Baltimore, em Maryland, nos Estados Unidos, que transportava mais de 30 mil carros por dia, a tripulação da embarcação Dali emitiu um urgente “mayday” (perigo, em inglês), esperando evitar um desastre na terça-feira, 26.

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Socorristas entraram em ação, interrompendo a maior parte do tráfico na ponte Francis Scott Key, de quatro pistas, pouco antes do navio de 95 mil toneladas brutas atingirem um pilar da ponte por volta de 1h30, fazendo com que várias seções da estrutura se curvassem e caíssem em direção à água — uma cena aterrorizante que foi capturada em vídeo.

“Despacho C13, a ponte inteira caiu!” alguém gritou em um canal de emergência.

O governador de Maryland, Wes Moore, saudou aqueles que realizaram um rápido trabalho como “heróis” e disse que eles salvaram vidas, mas a escala da destruição foi catastrófica e provavelmente terá impactos de longo alcance para a economia e para as viagens na Costa Leste dos EUA nos próximos meses.

A maior parte da ponte de 2,6 quilômetros caiu, jogando pelo menos oito trabalhadores de construção que consertavam buracos da estrada nas águas de 8 graus Celsius do rio Patapsco. Dois foram resgatados, incluindo um em estado muito grave. Autoridades anunciaram na noite de terça-feira que os seis restantes foram dados como mortos e suspenderam as buscas. A procura foi retomada na manhã desta quarta-feira, 27.

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O colapso interrompeu o trafégo marítimo no porto de Baltimore — um dos maiores do país — e cortou uma parte crucial do anel viário de Baltimore, que também é uma importante via no movimentado corredor entre Washington e Nova York.

Biden manda ‘mover céus e terras’ para reconstrução

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, prometeu que o governo federal pagará as contas do reparos e irá trabalhar rapidamente.

O impacto levou a uma cena de destruição total — partes da ponte desfiguradas, contêineres abertos como latas de conserva e o navio de carga encaixado sob destroços caídos. Autoridades recorreram a Hollywood para registrar a magnitude do que aconteceu.

“Essa é uma tragédia que você nunca pode imaginar”, disse o prefeito de Baltimore, Brandon Scott, em uma coletiv de imprensa. “Nunca você pensa que veria... A Ponte Key literalmente vir abaixo daquele jeito. Parecia algo tirado de um filme de ação.”

Um vídeo mostrou uma parte amassada da ponte de 47 anos pendurada na proa do navio, que estava carregado de contâiners e tinha um grande corte no casco. Helicópteros zumbiam no alto e barcos com luzes de emergência piscando miravam a água. Mergulhadores entraram no rio, que tem cerca de 15 metros de profundidade.

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Parte amassada da ponte ficou pendurada na proa do navio, que estava carregado de contâiners e tinha um grande corte no casco. Foto: REUTERS/Mike Segar

Moore disse que uma investigação preliminar indicou que a batida foi um acidente. O governador disse que o barco Dali perdeu energia e propulsão rapidamente antes de atingir a ponte. No vídeo, é possível ver as luzes do barco apagando e acendendo antes da batida, e o navio parece estar à deriva.

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Outras autidades federais e estaduais disseram que não havia sinais de terrorismo ou algum tipo de sabotagem intencional. Moore e Scott declararam estado de emergência, e Conselho Nacional de Segurança nos Transportes enviou investigadores ao local. Eles disseram que esperam recuperar gravadores de voz e dados na embarcação.

Biden disse em discurso que estava prometendo todos os recursos necessários para reconstruir a ponte e reabrir o Porto de Baltimore, onde onde o secretário de Transportes, Pete Buttigieg, esteve com os líderes de Maryland e prometeu abordar quaisquer impactos na cadeia de abastecimento causados pelo fechamento. Biden disse que também fará uma visita em breve.

“Eu estou orientando minha equipe para mover céus e terras para reabrir o porto e reconstruir a ponte assim que for humanamente possível”, disse Biden. Autoridades falaram que era cedo demais para dizer quando essas coisas poderiam acontecer ou quanto poderiam custar.

Trabalhadores eram latinos

Marquis Neal, de 48 anos, que vive na comunidade Turner Station, perto da ponte, disse que o acidente o acordou. “Parecia como uma bomba enorme”, ele disse. “A casa estava tremendo. O vento... houve uma forte rajada. Então simplesmente parou. Eu pensei, é um terremoto? Então, apenas cinco minutos depois, tudo que você ouvia eram sirenes. Tudo estava ficando louco.”

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Neal, que disse que usava a ponte várias vezes por dia, disse que a construção é uma “corda salva vidas” para a pequena e isolada comunidade, cujos moradores trabalhavam quase exclusivamente na Bethlehem Steel, nas proximidades de Sparrows Point. “Nós stamos nessa ponte todo os dias”, disse Neal. “Poderia ter sido você. Poderia ter sido qualquer um.”

Jesus Campos, que trabalha para a Brawner Builders, com sede em Cockeysville, Maryland, esperava ansiosamente por notícias sobre o destino de seis colegas que caíram no Patapsco. Ele andava de um lado para o outro em um ponto de encontro no estacionamento da Royal Farms.

Jesus Campos (centro da foto), que trabalha para a Brawner Builders, foi acordado às 5h por um colega que o contou da tragédia. Foto: ROBERTO SCHMIDT / AFP

Campos disse que ele não estava trabalhando na noite de segunda-feira, mas caiu da cama por volta das 5h quando um colega lhe telefonou para contar da tragédia. Campos, que fala apenas espanhol, disse que os trabalhadores estavam no intervalo, sentados perto dos veículos, quando a ponte caiu. De acordo com ele, todos os seis desaparecidos são latinos. “Estou muito triste agora,” Campos disse. “Esses são meus colegas de trabalho e amigos.”

Campos disse que trabalhar na ponte é angustiante. As equipes de construção estão constantemente preocupadas com o excesso de velocidade dos motoristas, e a ponte “se move muito” devido ao seu projeto e engenharia. Mesmo assim, Campos disse que nunca poderia imaginar que a estrutura iria desabar.

A presidente do Conselho Nacional de Segurança nos Transportes disse que os trabalhadores de construção eram empregados pela Brawner, mas a empresa também contratava terceirizados. Jeffrey Pritzker, vice-presidente executivo da Brawner Builders, disse em entrevista por telefone que o desabamento da ponte foi “um evento totalmente inesperado que ninguém poderia ter previsto”. Ele disse que a empresa tinha sete funcionários trabalhando na ponte naquela noite; um deles sobreviveu e seis ainda estavam desaparecidos”, ele disse. Autoridades descreveram as oito vítimas como “trabalhadores”.

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“A empresa está chateada, as famílias estão angustiadas, esta é uma tragédia terrível”, disse Pritzker. “Não sei o que mais posso dizer.”

O chefe dos bombeiros de Baltimore, James Wallace, disse em entrevista à CNN na terça-feira que o sonar mostrou cinco veículos no leito do rio Patapsco: três veículos de passageiros, um caminhão de cimento e um veículo desconhecido. Outras autoridades disseram mais tarde no mesmo dia que ainda estavam tentando determinar se os veículos mergulharam na água e não tinham detalhes claros sobre se outras pessoas além das que trabalhavam na ponte poderiam estar nesses veículos.

Um minuto entre alerta e colapso

O Dali, com bandeira de Singapura, deixou o porto de Baltimore por volta da 1h e se dirigia a Colombo, no Sri Lanka, onde estava programado para chegar em 22 de abril, segundo a MarineTraffic, uma plataforma de dados marítimos.

Clay Diamond, o diretor-executivo da Associação Americana de Pilotos, disse que o navio passou por um “apagão total” por volta de 1h20, o que significa que perdeu a potência do motor e a energia elétrica de seus sistemas de controle e comunicação.

Quando Dali perdeu energia, o piloto guiando o navio para fora do Porto de Baltimore ordenou que o leme girasse fortemente para a esquerda e a âncora esquerda fosse baixada em um esforço para desacelerar o navio e impedi-lo de balançar para a direita, disse Diamond.

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O naviu não recuperou a energia, mas um gerador de reserva a diesel foi ativado, restaurando os sistemas elétricos. Sem capacidade de desacelerar o navio, o piloto, que tem mais de uma década de experiência, transmitiu uma mensagem de emergência pelo rádio para fechar a ponte.

Por volta de 1h24, um vídeo de câmeras de segurança mostram as luzes do navio apagando, indicando um problema de energia. Um minuto depois, elas ligaram novamente. Segundos depois, uma espessa fumaça preta pôde ser vista saindo de uma chaminé, e então o Dali pareceu começar a virar para a direita.

Navio Dali, com bandeira de Singapura, deixou o porto de Baltimore por volta da 1h e se dirigia a Colombo, no Sri Lanka, onde estava programado para chegar em 22 de abril. Foto: REUTERS/Mike Segar

À 1h27, as luzes do Dali piscaram de novo, antes de voltar segundos depois. Logo após, um o tráfego de rádio indicou esforços para esvaziar a Ponte Key. O Dali atingiu a ponte às 1h28.

Moore disse que o navio estava viajando a cerca de oito nós — ou 14 quilômetros por hora — quando atingiu a envergadura. Diamond disse que o piloto a bordo prestou depoimento aos investigadores da Guarda Costeira e do Conselho de Transportes.

O Synergy Marine Group, proprietário e administrador do navio, disse em comunicado à imprensa que o Dali estava sob o controle de dois pilotos do porto no momento do naufrágio, conforme exigido pela lei de Maryland. A Synergy disse que todos os 22 marinheiros, de nacionalidade indiana, saíram ilesos. As autoridades disseram que eles permaneceram no navio na terça-feira.

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Wallace disse que as equipes de resgate no local da tragédia sentiram cheiro de diesel, mas a Synergy disse que não havia evidência de que o acidente poluiu o rio. A empresa afirmou que estava cooperando com as autoridades na investigação do desastre.

Registros de inspeção mostraram que o Dali já teve problemas. Um defeito nos sistemas do navio foi descoberto quando a embarcação foi inspecionada em junho do ano passado, mostram documentos. Inspetores no porto de San Antonio, Chile, descobriram um problema categorizado como relacionado a “máquinas de propulsão e auxiliares”, de acordo com um regulador intergovernamental de transporte marítimo na região da Ásia-Pacífico.

O problema não era sério suficiente para deter o navio, segundo os registros. Após uma inspeção de acompanhamento realizada no mesmo dia, descobriu-se que o Dali não apresentava problemas pendentes, mostram os registros, indicando que a falha foi resolvida.

A Synergy esteve envolvida em pelo menos três tragédias marítimas desde 2018 que levaram à morte de tripulantes, segundo relatórios de agências de segurança do transporte e declarações de governos.

Os incidentes envolveram um mau funcionamento do elevador que matou um técnico em 2018; um policial que caiu ao mar e morreu em 2019, que não estava usando algum dispositivo de flutuação; e um navio-tanque parcialmente administrado pela Synergy que colidiu com uma draga, matando dois marinheiros.

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A Synergy, localizada em Singapore, controla uma frota de quase 400 navios e emprega mais de 14 mil marinheiros, segundo o próprio site. O escritório da empresa estava às escuras quando um repórter do Washington Post visitou o local na terça-feira.

Moore disse que a Key Bridge estava de acordo com o código no momento do colapso. O vão é uma parte importante da I-695, transportando o tráfego norte-sul ao redor de Baltimore e conectando Baltimore a Dundalk, Maryland. Autoridades de transporte de Maryland disseram que a perda da ponte pode causar problemas de transporte na área em um futuro próximo.

A ponte de US$ 60 milhões foi aclamada como uma maravilha da engenharia na época em que foi construída, na década de 1970. A Sociedade Americana de Engenheiros Civis a descreveu como uma das maiores pontes de treliça contínua dos Estados Unidos.

Ponte Francis Scott Key custou US$ 60 milhões e foi inaugurada em 1970, na época, sendo aclamada como uma maravilha da engenharia. Foto: REUTERS/Mike Segar

Ian Firth, engenheiro estrutural britânico e projetista de pontes, observou que a ponte foi erguida em uma época em que os navios não eram tão grandes como são agora e o fluxo de tráfego não era tão movimentado. Hoje em dia, as estruturas são feitas com melhores medidas de protecção, disse ele, embora tenha notado que mesmo uma ponte totalmente nova teria “caído da mesma forma” se fosse atingida por uma embarcação tão grande que viajasse a alta velocidade.

Dan Frangopol, professor de engenharia de pontes e risco da Universidade Lehigh, na Pensilvânia, e presidente da Associação Internacional para Manutenção e Segurança de Pontes, disse que a falha catastrófica não foi surpreendente.

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“Se o pilar foi destruído como foi, a ponte tem que colapsar”, disse Frangopol. “Não é possível redistribuir as cargas.”

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