Mesmo a quilômetros de distância, a destruição da Ponte Francis Scott Key, em Baltimore, nos Estados Unidos, é um visual chocante: pedaços de aço projetam-se sobre a água como icebergs de metal. Vigas cinzas retorcidas são vistas em posições portas. De um parque perto de Fort McHenry, visitantes podem ver o cargueiro gigante que bateu na ponte e permaneceu preso nos escombros.
Menos visíveis, porém, são os 22 membros da tripulação da Índia que permanecem no navio, chamado Dali, desde o desastre no dia 26 de março.
Pouco se sabe sobre eles além de que eles são marinheiros que embarcaram em uma jornada no navio de 985 pés de comprimento que estava a caminho do Sri Lanka, carregando 4,7 mil contâiners, quando perdeu sua energia e colidiu na ponte, provocando o colapso de sua estrutura.
Desde o acidente, que matou 6 trabalhadores da construção civil, os tripulantes viram a si mesmos sob um holofote inesperado. Enquanto mantêm o navio operável, eles estão respondendo a uma série de perguntas feitas por oficiais que investigam a catástrofe, enquanto as evidências do que ocorreu estão ao seu redor em ruínas mutiladas que se estendem pela proa e pelo convés.
Leia também
Vidas em fase incerta
Enquanto oficiais investigam o que pode ter causado a tragédia, outra questão veio à tona essa semana: o que os tripulantes, que têm acesso limitado ao mundo exterior, poderiam estar passando os tripulantes neste momento?
“Eles devem sentir o peso da responsabilidade de não conseguirem impedir que isso aconteça”, disse Joshua Messick, diretor executivo do Baltimore International Seafarers’ Center , uma organização religiosa sem fins lucrativos que procura proteger os direitos dos marinheiros.
Mesmo assim, autoridades elogiaram elogiaram a rápida mensagem de socorro da tripulação, transmitida pelo rádio quando o navio perdeu. Antes de o Dali atingir a ponte, o pedido de socorro ajudou os policiais pararem o tráfego e evitar que mais carros entrassem na ponte, provavelmente salvando muitas vidas, disseram as autoridades.
Enquanto o navio permanece preso no Porto de Baltimore, onde deve ficar por semanas, as vidas dos tripulantes entraram em uma fase incerta. Mas uma coisa permanece garantida: eles não cruzarão mais o mar ao redor da África do Sul em direção ao seu destino no Sri Lanka tão cedo.
Mas eles também não não vão atracar no porto iminentemente, pois devem esperar que destroços suficientes sejam removidos para liberar navio e reabrir o canal para um dos portos mais movimentados dos Estados Unidos. No sábado, 30, o governador de Maryland disse que as autoridades planejavam remover o primeiro pedaço dos destroços.
Prazo para remoção dos destroços?
Então, até o momento, os membros da tripulação estão praticamente estão trabalhando em uma agenda exaustiva para manter o navio, de forma semelhante ao que fariam se estivessem no mar. A diferença, porém, é que eles ficam imóveis enquanto os olhos do mundo se fixam neles, dizem os especialistas.
“O capitão do navio e a tripulação têm deveres com o navio”, disse Stephen Frailey, sócio do Pacific Maritime Group, que ajuda no salvamento marítimo e na remoção de destroços.
De acordo com Chris James, que trabalha para uma empresa de consultoria que auxilia a administradora do navio, a Synergy Marine, os tripulantes têm amplo suprimento de comida e água, além de bastante combustível para manter os geradores funcionando. Na verdade, quando Jennifer Homendy, presidente do Conselho Nacional de Segurança nos Transportes, embarcou no navio nesta semana, observou a cozinheira fazendo comida. “Cheirava muito bem”, disse ela.
Mas ainda não há um prazo exato para quando o navio poderá ser removido dos destroços, disse James. Uma vez que Conselho Nacional de Segurança nos Transportes e a Guarda Costeira terminar suas investigações, ele disse, “iremos olhar para a possibilidade de trocar a tripulação e permitir que eles voltem para casa”.
“Talvez percamos empregos”
Índia, o país natal dos tripulantes, é um dos maiores hubs mundiais para marinhos, segundo John A. Konrad, um captão marítimo e chefe-executivo do gCaptain, um site de notícias da indústria marítima e offshore. Embora os capitães e engenheiros indianos recebam menos do que americanos na mesma função, disse Konrad, eles ganham uma vida decente quando trabalham três ou mais meses por ano no mar.
Trabalhar em um navio cargueiro, ele disse, é uma tarefa de 24 horas sem fins de semana livres. Todo dia, conveses são checados para manutenção e segurança, cozinheiros e faxineiros atendem aos outros membros e trabalhadores na casa de máquinas mantêm as coisas nos trilhos.
No entanto, os tripulantes dos navios de carga têm algumas atividades de lazer disponíveis a bordo, como pausas para videogames nas cabines, exercícios em academias, sessões de pingue-pongue e noites de cinema. A tripulação do Dali tem pelo menos uma TV, revistas e livros a bordo, disse Andrew Middleton, que dirige o Apostolado do Mar, um programa que ministra aos marinheiros que passam pelo porto.
Clistan Joy Sequeira, um marinheiro indiano que não estava no Dali, mas que atracou em Baltimore com outro navio cargueiro na sexta-feira, 29, disse em entrevista que ele temia as repercussões que o colapso da ponte poderia ter sobre a indústria e sobre o seu país. “Eu estou com medo porque, por equipe ser indiana, nossa imagem internacional seja prejudicada”, disse Sequeira, de 31 anos. “Talvez percamos empregos.”
Sem internet a bordo
Alguns membros da comunidade portuária de Baltimore tiveram algum tipo contato com a tripulação de Dali, ainda que breve, por meio de terceiros ou do WhatsApp. Messick disse que enviou à tripulação dois pontos de acesso Wi-Fi na sexta-feira porque eles não tinham internet a bordo.
Middleton, do Apostolado do Mar, disse que ele estava em contato com dois membros da tripulação, lembrando-os que “estamos aqui apra ajudá-los”. “Quando eu perguntei como eles estavam, as respostas variam de ‘bem’ a ‘ótimo’”, ele diz. “Então, pelos próprios relatos, eles estão bem.”
Messick disse que ele também enviou um pacote de cuidados à tripulação por meio de uma empresa de salvamento que está ajudando nas operações. Nos pacotes, havia doces, muffins caseiros enviados por um morador preocupado e cartas de agradecimentos feitas por crianças.
Com tantas questões não respondidas sobre os próximos passos da tripulação, Messick disse que estaa ansioso para fornecer a eles cuidados com traumas e apoio emocional. Na sexta-feira, ele escreveu uma carta ao capitão, que foi entregue por outro navio. “Estamos aqui para apoiá-lo”, dizia.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.