População vivendo em democracia plena no mundo atinge menor número desde os anos 1980

Relatório anual sobre democracia feito pelo instituto sueco V-Dem relata que existem mais ditaduras do que democracias liberais neste momento

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Por Daniel Gateno

Os níveis globais de democracia caíram em 2022 para patamares mais baixos do que em 1986 e o número de Estados comandados por ditaduras se tornou maior do que o de democracias plenas pela primeira vez desde 1995, segundo o relatório anual sobre democracia feito pelo instituto sueco V-Dem, ligado à Universidade de Gotemburgo.

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A pesquisa é considerada uma referencia na medição dos níveis de regimes políticos no mundo e os divide em quatro vertentes: democracias plenas, democracias falhas, autocracias eleitorais e ditaduras.

Para classificar mais de 180 países nesses critérios, o instituto avalia itens como liberdade de imprensa, independência entre os poderes, repressão policial e integridade do sistema eleitoral, entre outros.

De acordo com o relatório, divulgado no mês passado, o número de democracias plenas no mundo caiu de um ápice de 44 em 2009 para 32 no ano passado. Já o número de ditaduras, que em 2012 estava em seu número mais baixo – 22 – em 2012, subiu para 33. Exemplos de democracias plenas citados pelo estudo são a França a Alemanha e os países nórdicos. As ditaduras incluem países como Nicarágua, China e Coreia do Norte.

O estudo ainda descreve um crescimento preocupantes de outros tipos de regime, as chamadas democracias falhas e autocracias eleitorais. Esses governos são uma espécie de modelo híbrido, nos quais existem ao mesmo tempo – em maior ou menor grau –características de regimes autocráticos e democráticos.

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Enquanto as democracias falhas eram apenas 16 nos anos 70 e hoje são 58, as autocracias eleitorais eram 35 naquela década e hoje são 56. Exemplos de autocracias eleitorais são a Hungria e a Polônia, e de democracias falhas, o Brasil e a África do Sul.

Em termos populacionais, o levantamento mostra que 72% do planeta vive hoje em países não democráticos, sejam eles autocracias eleitorais ou ditaduras. Esse número é puxado pela China, uma ditadura comunista de 1,3 bilhão de pessoas, e sobretudo pela Índia, que se tornou recentemente o país mais populoso do mundo e tem vivido um declínio democrático sob o comando do primeiro-ministro Narendra Modi.

Câmeras de vigilância na Praça da Paz Celestial em Pequim: monitoramento constante  Foto: Thomas Peter / Reuters

Valores democráticos em baixa

A combinação de sucessivas crises migratórias na América Latina e o Caribe, o Leste Europeu e a Ásia Central, a pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia, bem como crescente polarização política em países ocidentais, são apontados por analistas consultados pelo Estadão como as principais razões para esse declínio.

“O que vemos agora é que a oferta autocrática é mais popular que a liberal. As vitórias eleitorais das forças antidemocráticas em sistemas democráticos não podem ser explicadas pela ignorância do eleitor, nem pela falsa consciência ou que os eleitores são ‘deploráveis’”, aponta a professora da Central European University em Viena, Áustria, Andrea Peto,. “O nível de democracia é um teste decisivo que sinaliza mudança no eleitorado e também no desejo por um tipo diferente de política.”

De acordo com a professora da Central European University, a tendência autocrática mundial parece indicar um novo entendimento sobre os modos de governança. “O termo mudança dos tempos, que ficou famoso por conta de uma declaração do Chanceler da Alemanha, Olaf Sholtz, reflete no entendimento de que nada do que consideramos verdadeiro e que parece estar funcionando é mais o mesmo. E isso inclui o conceito de democracia, que foi capturada em diversos países por forças iliberais esvaziando, instrumentalizando e valorizando, instituições e conceitos nesta Nova Guerra Fria”.

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De acordo com o estudo, nove países se tornaram ditaduras nos últimos dois anos, com destaque para o Afeganistão, que conta com o grupo Taleban no poder desde 2021 e o Irã, que é governado por um regime teocrático que aumentou a onda de repressão à população por conta de diversos protestos relacionados à morte de Mahsa Amini, iraniana de 22 anos que havia sido deita pela polícia por supostamente não estar usando o hijab, o véu islâmico.

Riscos para o Brasil

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O relatório também alerta para a ocorrência de processos de autocratização, mesmo em democracias. Isso acontece quando os pilares democráticos de um país, como separação entre os poderes, liberdade de imprensa e alternância de poder, estão sendo corrompidos. Hoje 42 países que estão em declínio democrático, entre eles o Brasil. No ano passado, o número de países passando por este processo era de 33.

Foi o quarto ano seguido em que o relatório alertou para a queda de qualidade da democracia no Brasil, apesar de o País ainda ser listado como ‘democracia falha’ no estudo.

“Jair Bolsonaro sempre foi um político autoritário. Chegou à presidência com uma plataforma hostil a nossa democracia constitucional. Sua estratégia ao longo dos quatro anos foi a polarização visceral, a incitação dos militares contra os poderes civis e o emprego de suas prerrogativas presidenciais para subverter a ordem constitucional”, apontou o professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Oscar Vilhena Vieira.

Se a direita não for capaz de produzir uma nova alternativa nos próximos quatro anos, a democracia poderá mais uma vez ser ameaçada por radicais

Oscar Vilhena Vieira, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas

O professor da FGV destaca que houve radicalização de diversos setores ao longo do governo Bolsonaro, mas a sociedade brasileira soube reagir. “O processo de desradicalização tomará tempo. A democracia, recobrando a estabilidade, precisará ser mais efetiva na entrega de um mínimo de bem estar e segurança à população”, afirmou o professor.

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A pesquisa também cita a invasão às sedes dos Três Poderes em Brasília, ocorrida em 8 de janeiro de 2023 em um movimento de contestação à vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas. O instituto comparou o ocorrido com a invasão do Capitólio, o centro legislativo dos Estados Unidos, por apoiadores do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump em protesto o resultado das eleições que levou o atual presidente americano, Joe Biden, ao poder.

Poder econômico das autocracias

O estudo também mostra que o equilíbrio global do poder econômico entre autocracias e democracias está mudando, com os regimes autocráticos representando 46% do PIB global.

Em relação ao comércio, as exportações e importações de países autocráticos estão se tornando menos dependentes das democracias, enquanto a dependência das democracias em relação as autocracias dobrou nos últimos 30 anos.

“Estamos vivendo em uma época em que a guerra é travada com novos métodos”, aponta Peto. “Economia e exportação e importação também se tornaram armas. O dogma de que democracia e capitalismo são juntos a melhor e mais eficaz forma de produção é questionado, pois democracias não liberais também podem usar o capitalismo de forma eficaz”, acrescentou a professora.

O príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman, em almoço durante o encontro do G20 Foto: Leon Neal / AP
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