Por dentro da estratégia da Arábia Saudita de manter o mundo dependente de petróleo

O reino trabalha para manter os combustíveis fósseis no centro da economia global nas próximas décadas — fazendo lobby, financiando pesquisa e usando sua musculatura diplomática para obstruir ações ambientais

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Por Hiroko Tabuchi

Brilha no deserto um futurista centro de pesquisas com uma missão urgente: tornar a economia da Arábia Saudita mais verde — e o quanto antes. O objetivo é construir rapidamente mais painéis solares e expandir o uso de carros elétricos para que, eventualmente, o país deixe de queimar tanto petróleo.

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Mas a visão saudita para o restante do mundo é bem diferente. Uma das principais razões para o reino querer queimar menos petróleo dentro do país é liberar sua produção para vender no exterior. Este é apenas um aspecto da agressiva estratégia saudita a longo prazo para manter o mundo dependente de petróleo nas próximas décadas e continuar o maior fornecedor mundial do insumo, enquanto seus rivais saem à francesa.

Nos dias recentes, representantes do governo saudita fizeram pressão na cúpula climática global da ONU no Egito para bloquear um chamado para que o mundo queime menos petróleo, de acordo com duas fontes presentes na reunião, afirmando que a declaração final do evento “não deveria mencionar combustíveis fósseis”. O esforço prevaleceu: depois das objeções dos sauditas e de alguns outros produtores de petróleo, a declaração deixou de incluir o chamado pelo fim gradual do consumo e produção de combustíveis fósseis.

Participantes saem de um estende no fórum da Iniciativa Verde da Arábia Saudita perto da conferência climática COP27 da ONU. Foto: Kelvin Chan/ AP

O plano saudita para manter o petróleo no centro da economia global está sendo colocado em prática em todo o mundo em atividades financeiras e diplomáticas, assim como em pesquisa, tecnologia e até no campo da educação. É uma estratégia que contraria o consenso científico de que o mundo deve se afastar rapidamente dos combustíveis fósseis, incluindo petróleo e gás natural, para evitar as piores consequências do aquecimento global.

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Essa dissonância atinge profundamente a Arábia Saudita. A estatal petrolífera Saudi Aramco já produz um a cada dez barris de petróleo extraídos no planeta e vislumbra um mundo em que venderá ainda mais. As mudanças climáticas e as temperaturas em elevação, porém, ameaçam a vida dentro do reino desértico como em poucos outros lugares no mundo.

A Saudi Aramco tornou-se uma prolífica financiadora de pesquisas sobre questões energéticas críticas, financiando quase 500 estudos ao longo dos últimos cinco anos, incluindo pesquisas destinadas a manter carros a gasolina competitivos ou para colocar em dúvida os veículos elétricos, de acordo com o banco de dados Crossref, que registra e acompanha publicações acadêmicas. A Aramco colaborou com o Departamento de Energia dos Estados Unidos em proeminentes projetos de pesquisa, incluindo um esforço de seis anos para desenvolver um tipo de gasolina e motores mais eficientes, assim como estudos sobre melhorias em prospecção de petróleo e outros métodos para impulsionar a produção petrolífera.

A Aramco também coordena uma rede global de centros de pesquisa, incluindo um laboratório próximo a Detroit que desenvolve um dispositivo móvel de “captura de carbono”— um equipamento projetado para ser acoplado em carros a gasolina, destinado a sequestrar os gases-estufa antes deles saírem dos escapamentos dos veículos. Mais amplamente, os sauditas investiram US$ 2,5 bilhões em universidades americanas ao longo da década recente, tornando o reino um dos maiores financiadores da educação superior nos EUA.

Visão aérea da refinaria de petróleo Ras Tanura, da Saudi Aramco, e do terminal de petróleo na Arábia Saudita.  Foto: Ahmed Jadallah/ Reuters

Os interesses da Arábia Saudita destinaram cerca de US$ 140 milhões desde 2016 para lobistas e outros recursos com objetivo de influenciar políticas e opinião pública nos EUA, tornando o reino um dos países que mais gasta com lobby em Washington, de acordo com registros do Departamento de Justiça levantados pelo Centro por Políticas Responsivas.

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Muito disso teve como foco melhorar a imagem geral da Arábia Saudita, particularmente após o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, em 2018, cometido por operadores sauditas. Mas o esforço também se ampliou para a construção de alianças nos Estados do Cinturão do Milho Americano que produzem etanol — produto que também é ameaçado pelos carros elétricos.

Durante reuniões a portas fechadas em cúpulas climáticas, os sauditas têm trabalhado para obstruir ações ambientais e pesquisa, particularmente objetando-se a chamados pela rápida eliminação do uso e da produção de combustíveis fósseis. Em março, em uma reunião das Nações Unidas com cientistas especialistas em clima, a Arábia Saudita — juntamente com a Rússia — pressionou pela não inclusão de uma referência às “mudanças climáticas induzidas pela humanidade” em um documento oficial, colocando em dúvida o fato estabelecido cientificamente de que a queima de combustíveis fósseis pelos humanos é o principal motivador da crise climática.

“As pessoas gostariam que nós deixássemos de investir em hidrocarbonetos. Mas não”, afirmou o diretor-executivo da Aramco, Amin Nasser, porque essa atitude apenas provocaria caos nos mercados de petróleo. A maior ameaça, afirmou ele, é a “falta de investimento em petróleo e gás”.

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Em um comunicado, o ministério saudita da Energia afirmou esperar que hidrocarbonetos como petróleo, gás e carvão “continuem a ser parte essencial da combinação global de energia por décadas”, mas que, ao mesmo tempo, o reino “fez investimentos significativos em medidas para combater as mudanças climáticas”. O comunicado acrescentou: “Longe de bloquear o progresso de negociações sobre mudanças climáticas, a Arábia Saudita desempenha há muito tempo um importante papel” nesses fóruns, assim como em grupos do setor de petróleo e gás que trabalham para baixar emissões.

A Arábia Saudita disse apoiar o Acordo de Paris sobre o clima, que tem como objetivo evitar que as temperaturas no mundo se elevem mais do que 1,5º Celsius além dos níveis pré-industriais, e afirma pretender que o reino gere metade da eletricidade que consome em fontes renováveis até 2030. Os sauditas também pretendem plantar 10 bilhões de árvores nas próximas décadas e construir Neom, uma cidade futurista carbono-neutra que contaria com transporte público ágil, fazendas verticais e um resort de ski.

E o reino está diversificando as apostas para se prevenir contra riscos. O governo saudita investiu na fabricante americana de veículos elétricos Lucid e recentemente afirmou que construirá sua própria fábrica de veículos elétricos, a Ceer. Os sauditas também estão investindo em hidrogênio, uma alternativa mais limpa em relação a petróleo e gás.

Mas a transição verde dentro do país ainda é vagarosa. A Arábia Saudita ainda gera menos e 1% da eletricidade que consome em fontes renováveis, e seus planos para plantar bilhões de árvores em uma das regiões mais secas do mundo não estão claros.

Enquanto isso, fica cada vez mais difícil ignorar a ameaça climática. Segundo os índices atuais, a vida humana na região se tornará impossível sem acesso contínuo a ar-condicionado, afirmaram pesquisadores no ano passado.

Para os cientistas do Centro de Pesquisa e Estudos de Petróleo Rei Abdullah, um complexo que lembra uma estação espacial, alimentado de eletricidade por 20 mil painéis solares, em que os debates têm como foco projetos de geração solar e eólica ou tecnologias para captura de carbono, a consequência imediata é clara. “Se continuarmos consumindo nosso próprio petróleo”, afirmou Anvita Arora, diretora da equipe para transportes, “não teremos mais petróleo para vender”.

Dentro do centro de pesquisa rei Abdullah em Riad. Foto: Iman Al-Dabbagh/The New York Times

Os sauditas e o Cinturão do Milho

No início de 2020, Rob Port — que apresenta o podcast “Plain Talk” (Conversa Franca), sobre política e acontecimentos atuais, na Dakota do Norte — recebeu um telefonema de representantes da embaixada saudita. Ele estaria interessado em entrevistar um porta-voz saudita sobre os mercados do petróleo?

A ligação foi realizada por Dan Lederman, do LS2group, uma agência de lobby com base em Iowa, que também tem trabalhado para grupos de agronegócios e produção de etanol, e uma das poucas firmas de lobby que permaneceu com os sauditas, enquanto outras agências cortaram laços após o assassinato de Khashoggi.

Em maio daquele ano, o porta-voz da embaixada saudita, Fahad Nazer, foi entrevistado no podcast de Port. “Eles disseram que têm os mesmos interesses que nós”, afirmou Port, particularmente o interesse em “um próspero mercado global de petróleo”.

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Essa projeção foi parte de um grande esforço do LS2group, em nome do reino, que alcançou Estados como as Dakotas do Norte e do Sul, Texas, Iowa e Ohio. Por prestações de US$ 125 mil ao mês, o LS2group abordou apresentadores de rádio locais, acadêmicos, produtores de eventos, dirigentes da indústria esportiva, um ex-jogador de futebol americano e o dono de um resort de ski e snowboard, de acordo com registros do Departamento de Justiça.

A empresa de lobby LS2 em Des Moines, Iowa, que ajudou a promover os interesses sauditas nos Estados produtores de milho. Foto: Kathryn Gamble/ The New York Times

Grande parte da campanha foi sobre tópicos genéricos, como a história das relações próximas entre Arábia Saudita e EUA. Mas Estados como Iowa, o maior produtor americano de etanol, serviram como solo fértil para a visão dos sauditas a respeito dos veículos elétricos, afirmou Jeff Angelo, ex-senador estadual de Iowa, que atualmente apresenta um talk-show e foi abordado pelos representantes dos sauditas.

“Os produtores de etanol aqui em Iowa dizem a mesma coisa: ‘Não é terrível que o governo Biden force as pessoas a comprar carros elétricos, quando poderíamos estar produzindo biocombustíveis bem aqui no Estado e ganhando dinheiro, dando apoio aos nossos fazendeiros e sendo independentes energeticamente?”, disse ele.

Outra faceta do esforço da Saudi Aramco em perpetuar os carros a gasolina tem base no centro de pesquisa próximo a Detroit. Por lá, cientistas estão trabalhando em um dispositivo inovador. Instalado em um carro, o aparelho sugaria parte do dióxido de carbono que sai do escapamento antes de que o gás entre na atmosfera e aqueça o planeta.

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Em Detroit, a Aramco está trabalhando em dispositivos de captura de carbono que caberiam em veículos. Foto: Cydni Elledge/ The New York Times

O protótipo, desenvolvido por um laboratório da Aramco, sequestra apenas uma parcela das emissões. Mas é parte de um esforço para manter carros a gasolina competitivos. Os transportes usam dois terços do petróleo extraído no planeta, então qualquer afastamento dos veículos a gasolina baixaria enormemente a demanda pelo combustível.

Trata-se de uma mudança que a Aramco não quer. “Os carros elétricos condenarão o petróleo?”, disse o ministro saudita de investimento, Khalid Al-Falih, ex-presidente da Aramco, em um fórum sobre energia em 2019. “A resposta é não.”

A Saudi Aramco se juntou a grandes fabricantes de automóveis, como Hyundai, para desenvolver um combustível de “queima ultrapobre” para veículos híbridos a gás e eletricidade que ainda usariam petróleo. E parte da pesquisa financiada pelos sauditas coloca em dúvida os carros elétricos.

Em junho, o Departamento de Energia também publicou constatações de uma iniciativa de seis anos de pesquisa sobre motores a gasolina e combustíveis mais limpos, afirmando que carros a gasolina “dominarão as novas vendas de veículos por décadas”. A Aramco e o departamento também colaboraram em artigos técnicos sobre métodos para aumentar o fluxo de petróleo nos poços. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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