Por dentro do secreto e improvável plano de Trump para pôr fim à guerra na Ucrânia

Especialistas em política externa e alguns republicanos alertam que pressionar a Ucrânia a ceder território recompensaria Putin

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Por Josh Dawsey (The Washington Post), Isaac Arnsdorf (The Washington Post) e Michael Birnbaum (The Washington Post)

O ex-presidente Donald Trump tem afirmado privadamente que seria capaz de pôr fim à guerra da Rússia na Ucrânia pressionando Kiev a abrir mão de parte do território ucraniano, de acordo com pessoas familiarizadas com o plano. Alguns especialistas em política externa afirmam que a ideia de Trump recompensaria o presidente russo, Vladimir Putin, e daria reconhecimento à sua violação por meio da força de fronteiras reconhecidas internacionalmente.

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A proposta de Trump é pressionar a Ucrânia a ceder a Crimeia e a região fronteiriça do Donbas para a Rússia, de acordo com fontes que discutiram a ideia com Trump ou seus conselheiros e falaram sob condição de anonimato porque as conversas foram confidenciais. Essa abordagem, revelada com exclusividade pela reportagem do Washington Post, reverteria dramaticamente a política do presidente Joe Biden, que enfatizou o refreamento da agressão russa e o fornecimento de ajuda militar à Ucrânia.

Conforme busca retornar ao poder, o presumível indicado republicano a concorrer à presidência dos Estados Unidos tem se gabado com frequência de que seria capaz de negociar um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia em 24 horas depois de eleito, antes mesmo de tomar posse. Mas Trump tem se recusado repetidamente a especificar em público como colocaria fim rapidamente a uma guerra que se arrasta há mais de dois anos de matou dezenas de milhares de soldados e civis.

Pensadores de política externa alinhados com Trump têm enfatizado a necessidade de lidar com ameaças aos interesses americanos apresentadas pela China e buscar maneiras de reverter a crescente dependência da Rússia em relação à China em assistência militar, industrial e econômica. E também têm defendido limitar a expansão da Otan.

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Privadamente, Trump tem afirmado pensar que tanto a Rússia quanto a Ucrânia “querem parecer vitoriosas, querem uma saída” e que habitantes de certas regiões da Ucrânia não se importariam em ser parte da Rússia, de acordo com uma fonte que discutiu o assunto diretamente com Trump.

Recrutas em treinamento em Donbas, Ucrânia, 5 de fevereiro de 2024.  Foto: Wojciech Grzedzinski / For The Washington Post

Aceitar o controle russo sobre partes da Ucrânia expandiria o alcance da ditadura de Putin após o que tem sido o maior conflito terrestre na Europa desde a 2.ª Guerra. Alguns apoiadores de Trump têm tentado dissuadi-lo de um desfecho desse tipo.

“Eu tenho passado 100% do meu tempo falando falando com Trump a respeito da Ucrânia”, afirmou o senador Lindsey Graham (republicano da Carolina do Sul), que no passado foi crítico de Trump mas virou aliado. “Ele tem que pagar um preço. Ele não pode vencer no final”, acrescentou Graham, falando de Putin.

A Rússia declarou anteriormente que anexou o território ucraniano do Donbas e a Crimeia, e o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, afirmou que não aceitará abrir mão de nenhum território. Trocar território por um cessar-fogo colocaria a Ucrânia numa posição pior, sem garantias de que a Rússia não se rearmaria e retomaria as hostilidades, como no passado, afirmou Emma Ashford, pesquisadora-sênior do Centro Stimson, um instituto de análise apartidário. “É um acordo terrível”, afirmou ela a respeito da proposta de Trump.

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A campanha de Trump recusou-se a responder diretamente questões enviadas pela reportagem. “Qualquer especulação sobre o plano do (ex-)presidente Trump vem de fontes não identificadas e desinformadas, que não têm a mínima ideia do que está acontecendo ou acontecerá”, afirmou em um comunicado a porta-voz da campanha de Trump Karoline Leavitt. “O (ex-)presidente Trump é a única pessoa falando em parar a matança.”

O presidente Joe Biden afirmou em seu discurso sobre o estado da União que Putin está “em marcha, invadindo a Ucrânia e semeando caos por toda Europa e além” e que a Ucrânia está tentando defender a si mesma. Biden definiu um plano de longo prazo para apoiar a Ucrânia que incrementaria suas capacidades militares este ano, para que o país fique em melhor posição para partir para a ofensiva no próximo ano. Mas a ajuda americana já está em risco, conforme o presidente da Câmara dos Deputados, Mike Johnson (republicano de Louisiana) encara uma revolta de republicanos linha-dura que estão se entrincheirando contra qualquer financiamento maior e pedindo sua saída do cargo.

Fora da presidência, Trump tem pressionado republicanos no Congresso a resistir a qualquer apoio adicional dos EUA ao esforço de guerra ucraniano, e sua volta à Casa Branca expandiria significativamente sua influência sobre o debate. Observando a dinâmica política nos EUA, aliados europeus ativaram suas indústrias militares a um ponto que esperam sustentar uma porção significativa da atual ajuda americana a Kiev. Mas analistas afirmaram que, realisticamente, a capacidade da Ucrânia de continuar lutando seria enfraquecida se Trump for bem-sucedido em bloquear mais ajuda dos EUA.

De muitas maneiras, os planos de Trump estão em linha com sua estratégia como presidente. Sua predileção em relação a cúpulas ostentosas em vez de políticas detalhadas, confiança em suas próprias habilidades de negociação e impaciência em relação a protocolos diplomáticos convencionais foram marcas do modo como ele tratou de assuntos internacionais em seu primeiro mandato.

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Ex-presidente Donald Trump em mansão de Mar-a-Lago, Flórida, 5 de março de 2024. Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

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Em seus oito anos como porta-estandarte do Partido Republicano, Trump liderou uma mudança acentuada a respeito da orientação prevalente no partido no sentido de torná-lo mais cético em relação a intervenções internacionais como o fornecimento de ajuda militar à Ucrânia. Trump tem elogiado Putin consistentemente, expressou admiração por seu governo ditatorial e destoou de sua própria linha para evitar criticá-lo, mais recentemente em relação à morte na cadeia do opositor político Alexei Navalni. Trump não pediu a libertação do repórter Evan Gershkovich, do Wall Street Journal, preso na Rússia há um ano sem acusações formais nem julgamento.

Trump recusa-se a reconhecer a interferência da Rússia na eleição de 2016 e culpou falsamente a Ucrânia por tentar ajudar sua rival democrata naquele ano, Hillary Clinton — uma mentira espalhada pelos serviços russos de espionagem. A tentativa de Trump em 2019 de condicionar a ajuda à Ucrânia a Zelenski anunciar uma investigação a respeito de Biden ocasionou o primeiro impeachment do ex-presidente.

Em um telefonema com Zelenski naquele ano que Trump classificou como “perfeito”, o americano pressionou o ucraniano a investigar Biden e a desacreditada teoria de que a Ucrânia, não a Rússia, tentou interferir na eleição de 2016. O Senado, então controlado pelo Partido Republicano, absolveu Trump posteriormente.

“O inexplicável e admirável relacionamento do ex-presidente Trump com Putin, juntamente com sua hostilidade sem precedentes em relação à Otan, não pode dar à Europa nem à Ucrânia nenhuma confiança em suas negociações com a Rússia”, afirmou Tom Donilon, ex-conselheiro de segurança nacional do ex-presidente Barack Obama. “Os comentários de Trump encorajando a Rússia a fazer o que quiser com os nossos aliados europeus estão entre as declarações mais inquietantes e perigosas já feitas por um candidato a presidente de um grande partido. Sua posição representa uma autorização e apresenta perigo para a segurança americana e europeia.”

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Graham afirmou que alertou Trump contra dar à Rússia o território que Putin deseja e quer que o ex-presidente aceite um caminho para que a Ucrânia entre na Otan.

“Para mim, a maneira de acabar esta guerra é garantir que a Ucrânia entre na Otan e na UE”, afirmou Graham. “Ele não fala muito a respeito disso. Não sei se ele pensou nisso direito.”

Em suas promessas públicas de pôr fim à guerra, Trump recusou-se expressamente a revelar detalhes a respeito de como pretende negociar com Putin e Zelenski. “Eu direi certas coisas para cada um deles que eu não diria para o restante do mundo; e por isso não posso lhes dizer muito mais que isso”, afirmou Trump em março em entrevista ao seu ex-assessor Sebastian Gorka.

O silêncio público de Trump em relação à sua tática de negociação permitiu espaço para outras vozes. O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que tem se antagonizado com aliados europeus em razão de suas tendências autocráticas e pró-Rússia, encontrou-se com Trump no mês passado e posteriormente afirmou que o americano lhe disse que forçará a guerra a acabar porque “não dará nenhum centavo” para ajudar a Ucrânia. A declaração de Orbán era falsa, mas o ex-presidente não quis ir a público contradizê-lo depois de entretê-lo a noite inteira em seu clube em Mar-a-Lago e expressar admiração por sua dureza e suas posições anti-imigração, de acordo com uma pessoa próxima a Trump, que falou sob condição de anonimato para descrever uma conversa privada.

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Durante o encontro, Orbán discorreu longamente a respeito da história da União Soviética, do desejo russo pelo território ucraniano e dos desafios diante da Ucrânia, disse a fonte. Trump ouviu mas foi evasivo, afirmou a pessoa. Um porta-voz de Orbán não respondeu a um pedido de comentário.

A notícia a respeito do plano de Trump para a Ucrânia circulou em Washington em novembro durante uma reunião da Heritage Foundation entre atores de política externa de direita e uma delegação do Conselho Europeu de Relações Exteriores. O ex-assessor de Trump na Casa Branca Michael Anton descreveu os contornos esperados do plano de paz de Trump: a Ucrânia cede território na Crimeia e no Donbas, a Otan limita sua expansão e Putin é influenciado para abrandar sua crescente dependência em relação à China, de acordo com várias pessoas presentes na reunião, que, como outras fontes ouvidas pela reportagem, falaram sob condição de anonimato para descrever uma discussão privada.

Procurado pelo telefone em março, Anton afirmou que não falava com Trump havia pelo menos de 18 meses a dois anos e negou saber de qualquer coisa a respeito de seu plano para a Ucrânia. Anton não respondeu mais perguntas.

Vladimir Putin celebra dez anos de anexação da Crimeia em evento na Praça Vermelha, Moscou, 18 de março de 2024.  Foto: Natalia Kolesnikova / AFP

James Carafano, o pesquisador da Heritage Foundation que organizou a reunião, recusou-se a comentar a respeito da discussão privada, mas criticou a ideia de separar Rússia e China. “É uma estupidez básica”, afirmou ele. “Tudo o que poderíamos dar aos russos que eles realmente valorizariam comprometeria todos os nossos interesses. A maneira de lidar com a relação Rússia-China é tornar Moscou um parceiro mais fraco.”

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Afastar a Rússia da China presumivelmente envolveria alívios em sanções, já que o Kremlin apelou para Pequim para compensar as amplas sanções ocidentais aos seus setores de energia, defesa e finanças, afirmou o diretor do escritório em Washington do Conselho Europeu de Relações Internacionais, Jeremy Shapiro, que levou a delegação do grupo à reunião de novembro. Shapiro recusou-se a revelar detalhes das conversas, citando regras do evento que proibiram atribuir informações discutidas às fontes, mas afirmou que o plano de paz de Trump para a Ucrânia não pareceu detalhado.

“A equipe de Trump sente que um dos grandes pecados da guerra ucraniana e da política externa russa, falando em termos gerais, é empurrar a Rússia na direção da China e torná-la completamente dependente da China”, afirmou ele. A “estratégia fundamental (de Trump) com todas essas coisas é juntar homens numa mesma sala para negociar” sem necessariamente ter planos detalhados anteriormente, afirmou Shapiro.

Especialistas em Rússia duvidaram que os esforços de Trump poderiam ser bem-sucedidos. Fiona Hill, pesquisadora-sênior da Brookings Institution que foi a principal conselheira do ex-presidente sobre Rússia e desde então emergiu como uma crítica proeminente, afirmou que isso a lembrou de 2017 — quando, sem nenhum tipo de critério, estrangeiros e executivos de empresas se aproximaram de Trump com vários planos de paz, e ele pensou que poderia se sentar à mesa de negociação com Rússia e Ucrânia e ponderar sobre a força de seu carisma pessoal.

A equipe de Trump “está pensando nisso de forma muito compartimentada, como se fosse um problema apenas entre Ucrânia e Rússia”, afirmou Hill. “Eles pensam nisso como uma disputa territorial em vez de algo que envolve o futuro de toda a segurança europeia e a ordem mundial por extensão.”

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Mesmo estabelecer uma linha de armistício pode não ser tão simples. Em setembro de 2022, o Kremlin declarou que estava anexando quatro províncias do sul e do leste ucraniano, incluindo a região do Donbas, mas estendendo para muito além. Já que Kiev ainda controla grande parte do território, qualquer tentativa de resolver sua guerra com concessões territoriais deverá envolver extensas barganhas — a não ser que ambos os lados simplesmente concordem em congelar as linhas de frente que estiverem ativas no momento de um acordo.

A Ucrânia e os aliados europeus provavelmente resistiriam a esforços de Trump de estabelecer um acordo com Moscou, afirmou Hill. Ela acrescentou que os EUA têm pouco peso para alcançar um acordo unilateral porque um alívio significativo nas sanções dependeria da cooperação europeia.

“Nenhuma pressão que os EUA possam exercer seria capaz de compelir a liderança ucraniana a envolver-se em políticas que constituiriam um suicídio político domesticamente”, afirmou Michael Kofman, analista que estuda a guerra Rússia-Ucrânia do Fundo Carnegie para a Paz Internacional, um centro de pesquisas apartidário. “E nenhuma pressão que os EUA possam exercer seria capaz de compelir a Ucrânia a ceder território ou envolver-se nesses tipos de concessões. Trata-se de uma situação em que se você estiver disposto a dar a mão o outro lado rapidamente vai querer o braço inteiro.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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