Opinião | Por que a maioria de nós se equivocou sobre Milei? E como ele mudou para conseguir governar

Presidente libertário da Argentina superou as expectativas no primeiro ano de mandato, mas terá vários desafios pela frente

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Por Benjamin Gedan (Americas Quarterly)

Dezembro na Argentina costuma ser um mês tenso, e não apenas por causa dos feriados. Em 2001, tumultos em supermercados se transformaram em violência de rua mais ampla, forçando dois presidentes a renunciar em rápida sucessão pouco antes do Ano Novo. Na década mais recente, conforme a economia oscilava de uma crise para outra, os protestos voltaram a se tornar uma espécie de tradição de Natal.

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Este ano, alguns observadores se perguntaram se os protestos de dezembro seriam retomados. Afinal, o presidente Javier Milei passou seu primeiro ano no cargo cortando impiedosamente os gastos públicos e os subsídios para eletricidade, gás natural, água e transporte público, cumprindo sua promessa de “passar a motosserra” no orçamento. Analistas debateram a probabilidade de um “cenário do helicóptero”, uma referência à fuga do presidente Fernando de la Rúa em dezembro de 2001 da Casa Rosada, o palácio presidencial sitiado.

Em vez disso, Buenos Aires está surpreendentemente tranquila. Os argentinos, embora não muito otimistas, estão emergindo de um período prolongado de profundo pessimismo.

Visitei a Argentina em abril e já estava claro que quase todo mundo havia subestimado Milei, inclusive eu. Antes do segundo turno presidencial, eu disse ao Wall Street Journal que a competição entre Milei e o ministro das finanças peronista era uma escolha entre “alguém que pode administrar previsivelmente o declínio da Argentina e alguém cujas tentativas de revolucionar a gestão econômica podem botar fogo na casa”.

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Acontece que eu era o único que estava vertendo fumaça. Quando visitei a Argentina novamente em outubro, os sucessos de Milei eram inegáveis. Ele forçou o orçamento a se submeter, matou a inflação, e fez isso sem acender a agitação social ou desencadear um embate paralisante com os trabalhadores organizados. A inflação, impulsionada por gastos excessivos e a impressão selvagem de mais pesos, caiu de 25% ao mês em dezembro para menos de 3% ao mês hoje. O governo agora gasta menos do que arrecada em impostos. O “risco-país”, uma medida dos preços dos títulos, está no ponto mais baixo dos cinco anos mais recentes, o que significa que os investidores estão confiantes de que serão reembolsados.

As políticas econômicas radicais de Milei dificilmente lhe custaram apoio público. Em seu discurso de posse, ele alertou que “não há alternativa ao choque” e, um ano depois, a maioria dos argentinos aparentemente concorda. Na pesquisa Poliarquía de novembro, Milei registrou uma taxa de aprovação de 56%, o nível exato de apoio que ele atraiu na eleição. A confiança do consumidor está aumentando. Houve várias greves nacionais de confederações de sindicatos e dois protestos gerais contra cortes de gastos em universidades públicas. Mas, no seu conjunto, os argentinos estão calmamente tomando mate.

Javier Milei discursa durante reunião da CPAC em Buenos Aires Foto: Natacha Pisarenko/AP

Por que a maioria de nós se equivocou em relação a Milei? Primeiro, a escala dos problemas da Argentina teria sido assustadora para um político experiente com apoio público esmagador, e Milei não era nada disso. Antes de sua eleição para o Congresso, em 2021, ele era mais conhecido como um comentarista de TV gritando que havia clonado seus cães. No primeiro turno da eleição do ano passado, ele ganhou apenas 30% dos votos. Até mesmo os eleitores de Milei frequentemente descreviam a escolha dele como um “salto al vacío”, um salto no vazio.

O programa econômico de Milei era mais prático do que o resto de sua plataforma, incluindo devaneios libertários para liberalizar a posse de armas e abrir um mercado para órgãos humanos. Ainda assim, os argentinos têm um temperamento explosivo quando se trata de reformas econômicas ortodoxas, e parecia provável que a trilha sonora de Buenos Aires seria mais uma vez o tilintar de panelas e frigideiras de eterno protesto.

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Mas, tendo experimentado o resto do cardápio, os argentinos provaram não apenas estar dispostos a eleger Milei, mas a dar a ele uma chance de lutar para mudar as coisas. O país tentou de tudo, incluindo 16 anos de populismo — sob Néstor Kirchner, sua esposa, Cristina, e seu ex-chefe de gabinete, Alberto Fernández — e um experimento com uma reforma gradual pró-mercado que rapidamente saiu dos trilhos.

As travessuras de Milei, enquanto isso, agora parecem uma vantagem dele, não um defeito. Quanto mais extravagantemente ele se comporta, menos ele se parece com os líderes desacreditados que vieram antes.

Inflação na Argentina parou de subir, mas alta dos preços em 12 meses ainda é significativa Foto: Natacha Pisarenko/AP

A política de Milei na prática

A presidência também mudou Milei. Isso talvez seja mais óbvio em sua abordagem para o Congresso. Seu recém-criado partido La Libertad Avanza detém apenas 39 das 257 cadeiras na Câmara dos Deputados da Argentina, seis das 72 cadeiras no Senado e nenhum governo provincial. No gabinete do presidente da câmara baixa, Martín Menem, em frente a um busto de seu tio, o ex-presidente Carlos Menem, um mapa da câmara representando por cores os partidos parece garantir uma paralisação legislativa.

No entanto, Milei, doutrinário e combativo, fez progressos em seus sonhos de reestruturar a economia da Argentina. Em junho, após seis meses de disputas públicas e acordos privados, ele e os legisladores concordaram com um grande projeto de reforma pró-mercado que incluía incentivos para empresas que investissem pelo menos US$ 200 milhões, a privatização de várias empresas estatais e reformas trabalhistas.

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Milei não obteve tudo que desejava; o Congresso, por exemplo, recusou-se a privatizar a companhia aérea nacional e a empresa petrolífera nacional. Milei disse recentemente que seu ressentimento com o governo que lidera ainda é “infinito”. No entanto, após fechar 11 dos 18 ministérios, ele parece satisfeito. Seu zelo revolucionário não se estende mais à dolarização, um pilar de seu discurso de campanha. Ele se sentiu confortável em fazer acordos com membros do que ele chama de forma irônica de “casta”, incluindo governadores peronistas.

As coisas ainda podem sair dos trilhos, como acontece com tanta frequência na Argentina.

Os investidores estão animados com Milei. Mas, fora dos setores de energia e mineração, eles não estão com pressa para investir. Há várias razões para isso, nenhuma delas simples de resolver.

Muitas das realizações de Milei são facilmente reversíveis, e seu estilo político divisivo dificulta a construção de uma coalizão durável com a centro-direita, que dirá recrutar peronistas moderados. As reservas em moeda forte são baixas, dificultando a remoção dos controles de capital. O último experimento pró-mercado, sob o presidente Mauricio Macri, terminou mal, dificultando a destruição da reputação que o país tem de crises recorrentes (o mesmo vale para litígios não resolvidos com investidores e credores). O Mercosul é o Mercosul, dificultando a abertura da economia.

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Futuramente, a oposição peronista pode se reagrupar, desafiando Milei no Congresso e afrouxando seu monopólio do debate nacional. De qualquer forma, o público pode se cansar do choque. A economia da Argentina deve encolher 3,5% este ano. A pobreza está muito alta. O desemprego também, sendo agora a principal preocupação dos eleitores. As pensões não estão acompanhando a inflação. Se a popularidade de Milei cair, suas parcerias intermitentes no Congresso serão interrompidas novamente, talvez com a aproximação das eleições intercalares de outubro.

Não ajuda que Milei escolha brigas desnecessárias. Ele é admirado em Mar-a-Lago e Elon Musk é fã dele, mas, na Argentina, muitas de suas opiniões estão a quilômetros de distância da janela do possível. Isso inclui sua aparente simpatia por oficiais militares acusados de abusos de direitos humanos na “Guerra Suja”, sua admiração por Margaret Thatcher e seu entusiasmo aparentemente limitado pelas reivindicações da Argentina em relação às Ilhas Falkland (Malvinas).

Quando se trata de cortes no orçamento, o Fundo Monetário Internacional dá a Milei avaliações ambíguas. O FMI está ansioso para que a Argentina acabe com os controles de capital e pediu a Milei que garanta que os cortes no orçamento “não recaiam desproporcionalmente sobre as famílias trabalhadoras”. Há também preocupações de que a interrupção de obras públicas prejudique a produtividade e a competitividade a longo prazo. Em meio às crescentes tensões, o FMI afastou em setembro seu principal funcionário da América Latina das negociações com seu principal mutuário.

Ainda assim, dada a profundidade do buraco em que a Argentina se meteu, não é surpreendente que Milei permaneça debaixo da terra após 12 meses no poder. Na verdade, é notável o quão perto da superfície ele chegou. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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