China e Rússia pressionaram a formação de uma aliança política e econômica informal contra o Ocidente. Agora, eles estão intensificando a cooperação entre seus militares com jogos de guerra conjuntos cada vez mais provocativos.
Bombardeiros de longo alcance chineses e russos patrulharam juntos perto do Alasca pela primeira vez no mês passado. Dias antes, os países realizaram exercícios navais com fogo real no disputado Mar da China Meridional pela primeira vez em oito anos. E eles têm zumbido com mais frequência nos céus e navegado nas águas juntos perto de Taiwan, do Japão e da Coreia do Sul, onde os Estados Unidos têm interesses estratégicos.
Os exercícios militares são, de certa forma, a expressão mais vívida de um alinhamento entre o principal líder da China, Xi Jinping, e o presidente Vladimir Putin, da Rússia, conforme buscaram desafiar seu principal rival geopolítico, os EUA.
A China tem sido frustrada pelas restrições comerciais americanas e pela construção de alianças de segurança na Ásia por Washington. Ela reagiu tentando cortejar os países europeus com o comércio e desenvolvendo sua influência entre os países mais pobres com investimentos. Mas esses esforços só conseguem chegar até certo ponto no combate ao domínio dos EUA.
“Pequim sente cada vez mais que ações diplomáticas e econômicas não são suficientes para fazer com que seus pontos de vista sejam transmitidos a Washington, então está confiando mais em seus militares como uma ferramenta de sinalização. A parceria com a Rússia é uma maneira de amplificar a mensagem de Pequim”, disse Brian Hart, um membro do China Power Project no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.
Para Washington, os exercícios semeiam dúvidas quanto à possibilidade de os EUA prevalecerem em uma guerra na Ásia contra as forças combinadas da China e da Rússia. Embora os planejadores de guerra americanos tenham considerado cenários com a China e a Rússia individualmente, eles prestaram menos atenção à perspectiva dos dois estados com armas nucleares lutando juntos porque isso pareceu muito improvável por muito tempo.
A patrulha conjunta de bombardeiros chineses e russos perto do Alasca no mês passado ressaltou a ameaça. Ao decolar de uma base aérea russa, os bombardeiros chineses com capacidade nuclear foram capazes de voar até cerca de 320 quilômetros de distância da costa do Alasca, com um alcance muito maior do que se tivessem decolado da China.
Não é só combate
O fortalecimento do alinhamento entre China e Rússia tem sido essencial para a guerra do Kremlin contra a Ucrânia. Os EUA dizem que Putin não seria capaz de sustentar o esforço de guerra se a China não seguisse comprando grandes quantidades de petróleo russo e fornecendo à Rússia tecnologia de uso duplo que pode ser aplicada no campo de batalha.
Pequim precisa da Rússia como sua única parceira entre as grandes potências para contrabalançar os EUA.
“A China se encontra em uma situação geopolítica muito difícil”, disse Alexander Korolev, especialista em relações China-Rússia na Universidade de Nova Gales do Sul, em Sydney. “Na verdade, não tem aliados. A Rússia é o único país que pode fazer a diferença.”
A maior diferença que a Rússia traz para o caso de se juntar à China em algum conflito é a ameaça de seu arsenal nuclear, o maior do mundo.
Ao mesmo tempo, “há muitas coisas que a Rússia pode fazer para ajudar a China que não incluem combater”, disse Oriana Skylar Mastro, pesquisadora de estudos internacionais na Universidade Stanford e autora de “Upstart: How China Became a Great Power”.
A fronteira terrestre de 4.000 quilômetros entre Rússia e China pode ser crítica para a entrega de armas, petróleo e outros suprimentos se os EUA e seus aliados conseguirem impor um bloqueio marítimo à China. A Rússia também pode negar acesso ao espaço aéreo perto de suas fronteiras, particularmente perto do Japão, onde os Estados Unidos mantêm bases.
“Em um cenário de guerra prolongada, esse apoio tornará muito mais difícil fazer a China capitular”, disse a Dra. Mastro.
Testando os limites
Para enviar um sinal eficaz, os exercícios militares normalmente precisam estabelecer novos precedentes. Esse foi o caso em 24 de julho, quando dois bombardeiros estratégicos com capacidade nuclear Xi’an H-6 chineses e dois russos Tu-95 “Urso” conduziram uma patrulha conjunta perto dos EUA pela primeira vez.
Acredita-se que a aeronave tenha decolado do campo de aviação de Anadyr, em Chukotka, uma região oriental da Rússia, de acordo com o Centro de Pesquisa para Ciência e Tecnologia Avançada da Universidade de Tóquio, que examinou imagens de satélite de aeronaves militares chinesas em Anadyr.
Os quatro bombardeiros entraram na Zona de Identificação de Defesa Aérea do Alasca, uma zona-tampão no espaço aéreo internacional que estaria fora do alcance do Xi’an H-6 se tivesse decolado da China, devido ao alcance máximo de 6.000 quilômetros do avião. A patrulha, que foi interceptada por caças dos EUA e do Canadá, ocorreu dois dias após o Pentágono divulgar seu novo relatório de estratégia do Ártico, que observou o aumento da cooperação chinesa e russa na região e a ameaça que isso representava para os americanos.
Saiba mais
O uso de uma base aérea russa por aviões militares chineses pode ser uma indicação de que as duas forças armadas podem se comunicar, trabalhar juntas e usar os recursos uma da outra, parte do que é conhecido em linguagem militar como como interoperabilidade. Também reflete um nível crescente de confiança entre dois países que nem sempre foram amigos.
Os dois países também sugeriram estabelecer um sistema de defesa de mísseis compartilhado, o que poderia fornecer à China e à Rússia um aviso prévio de um ataque nuclear, permitindo que respondessem mais rapidamente.
Preocupações nos EUA
As forças armadas da China e da Rússia estão longe de serem tão integradas quanto as forças armadas dos EUA com suas parceiras da Otan, dizem especialistas militares, mas a crescente cooperação entre elas levantou preocupações em Washington.
Um relatório divulgado no mês passado pela Comissão de Estratégia de Defesa Nacional, comandada pelo Congresso, descreveu o alinhamento cada vez mais profundo da China e da Rússia como “o desenvolvimento estratégico mais significativo dos anos mais recentes”.
Avril Haines, diretora de inteligência nacional, disse em uma audiência no Senado este ano que as autoridades americanas precisavam considerar como a Rússia poderia ajudar se a China decidisse invadir Taiwan, a ilha autônoma reivindicada por Pequim que os EUA devem defender.
Essa ajuda potencial pode não necessariamente implicar em se juntar a um conflito na Ásia. Becca Wasser, que comanda jogos de guerra no Center for a New American Security, disse que um cenário que frequentemente surge durante as simulações do centro de um conflito com a China é aquele em que a Rússia inicia uma guerra em outro lugar que desvia as forças americanas.
“A China poderia esperar da Rússia, que está se tornando cada vez mais uma parceira menor nesse relacionamento, que abrisse um segundo teatro para distrair os EUA e alguns de seus aliados”, disse Wasser. “Isso poderia reduzir a quantidade de recursos e atenção que são direcionados à China.”
China e Rússia realizam exercícios militares juntas há duas décadas. A China diz que não há nada de incomum nessa cooperação militar e que ela não tem como alvo nenhum outro país. Ela acusa os EUA de serem provocativos ao voar e navegar perto da China.
Song Zhongping, um analista de defesa independente baseado em Pequim e ex-oficial militar chinês, disse que esperava que os exercícios, particularmente perto do Alasca, crescessem em frequência para conter a pressão americana.
“Embora digamos que os exercícios militares não têm como alvo nenhum outro país, na verdade eles têm um alvo: a hegemonia dos EUA e o bloco que os EUA construíram com sua aliança de contenção contra a China”, disse Song. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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