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Por que as potências do petróleo no Golfo estão apostando em energia limpa

Aramco, ADNOC e outras estão investindo bilhões de dólares em suas apostas para a transição energética

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Por The Economist

Os Emirados Árabes Unidos jazem sobre um tesouro fóssil. A ADNOC, empresa nacional do petróleo desse país, é uma das maiores produtoras globais de hidrocarbonetos. Dois meses atrás, os EAU receberam cerca de 140.000 delegados na maior reunião de nomes do setor energético. Em meio ao panorama da pior crise de energia em décadas, seria de se esperar uma sessão de vanglória alardeando como o Golfo Pérsico e suas exportações cuspidoras de carbono ajudaram a evitar um choque ainda maior. Isso tornou ainda mais notável a palestra de abertura de Sultan Al Jaber, ministro da indústria dos EAU. Al Jaber destacou repetidamente a importância de tornar mais ecológico este setor tão poluente. “A ADNOC está tornando a energia de hoje mais limpa enquanto investe nas energias limpas do amanhã”, declarou.

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No passado, os barões do setor energético do Golfo se limitavam a defender o uso de combustíveis fósseis. Agora, muitos deles declaram seu compromisso com a redução nas emissões de carbono, como Al Jaber. Arábia Saudita e Kuwait anunciaram metas para zerar as emissões líquidas de gases-estufa até 2060. Os Emirados Árabes Unidos e Omã dizem que alcançarão essa meta até 2050. O Catar não tem como meta zerar as emissões, mas pretende reduzi-las em 25% até 2030, supondo um panorama de negócios trivial. Todos os países do Golfo assinaram o Global Methane Pledge, comprometendo-se a reduzir as emissões de metano. Os EAU também receberão a cúpula do clima das Nações Unidas (ONU) em 2023.

Alguns suspeitam que tudo não passa de um pouco de maquiagem verde: mensagens reconfortantes e metas pouco ambiciosas depois de anos negando a ciência da mudança climática e obstruindo os esforços para enfrentar o aquecimento global. Sob tal perspectiva, os governos do Golfo dependem demais da receita gerada por suas empresas nacionais de energia — que representam grande fatia do orçamento estatal — para serem levadas a sério quando falam em limitar suas emissões. Mas um exame dos planos de investimento das principais empresas revela uma aposta autêntica – e às vezes bastante substancial – nas tecnologias ecológicas.

Trabalhador da petrolífera Saudi Aramco em Abqaiq, na Arábia Saudita, em imagem do dia 12 de outubro. Empresa planeja desenvolver a capacidade de capturar, armazenar e utilizar dióxido de carbono e investir em energia eólica Foto: Maxim Shemetov/Reuters

É algo que vale a pena analisar, porque as empresas por trás da iniciativa podem ser relevantes além da sua região geográfica. Empresas nacionais de energia de outras partes do mundo observam as gigantes do Golfo, em especial a ADNOC e a Saudi Aramco, colosso do petróleo do reino árabe, como exemplos a serem imitados. O rumo tecnológico e estratégico escolhido por duas das maiores empresas de energia do mundo é frequentemente seguido por suas equivalentes estatais de outros países.

A abordagem das campeãs do petróleo do Golfo se apoia em dois pilares. O primeiro é bastante sujo: envolve dobrar a aposta no petróleo e no gás natural. Sustentadas pelo alto preço do barril, as empresas de energia da região estão investindo pesado para expandir a produção. As despesas de capital da Aramco em 2022 chegarão a US$ 40 - 50 bilhões. A empresa promete somas ainda maiores nos próximos anos, com o objetivo de levar sua produção de petróleo de aproximadamente 12 milhões de barris por dia para 13 milhões até 2027. A ADNOC vai gastar US$ 150 bilhões em projetos de capital até 2027 com o objetivo de ampliar sua capacidade de aproximadamente 4 milhões de barris por dia para 5 milhões. A Qatar Energy terá gasto US$ 80 bilhões entre 2021 e 2025 para expandir em dois terços a produção de gás natural líquido (GNL) até 2027.

Para a maioria das empresas de energia, dobrar a aposta nos combustíveis fósseis durante a transição para um mundo onde as emissões de carbono são limitadas seria financeiramente irresponsável. Todas as empresas nacionais de petróleo do mundo “querem ser a última e apagar a luz”, observa Patrick Heller, da ONG americana Natural Resource Governance Institute. Naturalmente, “nem todas podem sê-lo”. As gigantes do Golfo, com suas vastas reservas de baixo custo, têm mais probabilidade de prevalecer. Assim sendo, seus imensos investimentos em nova produção podem compensar, acredita Heller, “mesmo se a demanda global cair dramaticamente nos próximos anos”.

Não há novidade em ver empresas do petróleo apostando no petróleo. Mas as mais recentes apostas das gigantes do Golfo indicam que elas não estão mais com a cabeça enterrada na areia em se tratando do futuro da demanda por petróleo. Elas estão bastante conscientes do fato de seus melhores clientes no mundo desenvolvido estarem limitando as emissões de carbono, argumenta Mariam Al-Shamma, da firma de pesquisas S&P Global. Políticas como a tarifa fronteiriça de carbono da União Europeia, cujos detalhes foram aprovados pelos países membros no dia 18 de dezembro, são indício do que vem por aí. “Para ser o último produtor sobrevivente, é necessário mais do que o custo mais baixo”, diz Mariam. Para garantir sua longevidade, as campeãs do petróleo do Golfo também pretendem ser as produtoras mais ecológicas de combustíveis fósseis.

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Elas desfrutam de uma vantagem natural. Suas reservas de hidrocarbonetos estão entre as que menos emitem carbono durante a extração. Emiradenses e sauditas também fizeram um esforço para reduzir ainda mais esta intensidade de carbono com uma alta eficiência operacional e reduzindo o flaring na produção de gás, observa Olga Savenkova, da firma de pesquisas Rystad Energy. A ADNOC está gastando US$ 3,6 bilhões em cabos de energia submarinos e outros equipamentos para substituir o gás natural queimado em suas instalações offshore usando energia limpa produzida em terra firme. Isso é ao mesmo tempo ecológico e, potencialmente, lucrativo. Mariam Al-Shamma calcula que o petróleo produzido com menos emissões será negociado a preços mais altos, tendência que já é observada no mercado de gás natural.

O segundo pilar da estratégia do Golfo é mais intrigante. Envolve o investimento de parte do lucro atual com os combustíveis fósseis nas tecnologias de energia limpa de amanhã. Os governos da região estão fazendo algumas das maiores apostas do mundo na captura e armazenamento de carbono, fontes renováveis e hidrogênio. “Uma onda de projetos de baixa emissão de carbono está se formando no Oriente Médio”, comenta impressionado um analista.

“A Arábia Saudita conta com grandes vantagens na redução das emissões de carbono”, diz Jim Krane, da Universidade Rice, no Texas. Ele destaca os amplos espaços vazios e ensolarados com uma geologia perfeita para armazenar o carbono emitido em áreas industriais adjacentes. A Aramco planeja desenvolver a capacidade de capturar, armazenar e utilizar 11 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, e instalar 12 gigawatts (gw) de capacidade de geração de energia eólica e solar até 2035.

No geral, a Arábia Saudita pretende instalar 54gw de capacidade de geração renovável até 2032. Sem intenção de ficar para trás, os EAU planejam ter 100gw de capacidade renovável até 2030, no país e no exterior, uma alta em relação ao investimento cumulativo equivalente a 15gw em 2021. Isso faria da Masdar, empresa estatal de energia limpa na qual a ADNOC tem participação, a maior desenvolvedora mundial de energia limpa. Recentemente, ela comprou uma empresa britânica que desenvolve tecnologia de armazenamento de energia.

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As maiores apostas ecológicas do Golfo envolvem o hidrogênio. Se produzido a partir de fontes limpas e renováveis, e não do gás natural, o hidrogênio é um combustível limpo. Investimentos na infraestrutura necessária estão proliferando em todo o mundo, desde Gujarat até o Texas. Em 2021, os EAU inauguraram a primeira instalação de “hidrogênio ecológico” da região. A ACWA Power, empresa saudita de energia, quase concluiu o financiamento para um projeto de hidrogênio ecológico de US$ 5 bilhões. Omã, cujas reservas de petróleo são menores e mais caras de explorar do que seus vizinhos maiores, está falando em um investimento de US$ 30 bilhões naquela que pode se tornar a maior instalação de hidrogênio do mundo. A empresa lançou uma entidade estatal de hidrogênio para oferecer concessões de projetos de hidrogênio ecológico em suas zonas econômicas especiais.

Sauditas e emiradenses também estão de olho no exterior. A Masdar está investindo em um fundo de US$ 10 bilhões no Egito; desenvolvendo 4gw em projetos de hidrogênio ecológico e fontes renováveis no Azerbaijão; e investiu em uma empresa que trabalha com hidrogênio ecológico no norte da Inglaterra. A ACWA Power está interessada em projetos multibilionários de hidrogênio ecológico no Egito, África do Sul e Tailândia. Até 2030 EAU e Arábia Saudita desejam controlar pelo menos um quarto do mercado global de exportação de hidrogênio ecológico.

Ben Cahill, do centro de estudos estratégicos Centre for Strategic and International Studies, enxerga os dois países avançando agressivamente com o hidrogênio e a amônia (que pode funcionar como meio mais prático para o transporte do gás). Eles querem adquirir vantagens primárias ao fechar acordos com compradores na Ásia e na Europa. O Catar está gastando mais de US$ 1 bilhão em uma instalação para produzir “amônia ecológica” a partir do gás natural. A inauguração deve ocorrer em 2026. Se a economia do hidrogênio decolar, estima a consultoria Roland Berger, poderá gerar entre US$ 120 bilhões e US$ 200 bilhões em receitas anuais para os países do Golfo até 2050. É muito menos do que ganham atualmente com o petróleo e o gás; sozinha, a Aramco teve mais de US$ 300 bilhões em vendas na primeira metade de 2022. Mas trata-se de soma considerável e, levando em conta o risco real do fim da farra do petróleo, isso indica que os esforços ecológicos do Golfo devem ser tratados com seriedade. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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