THE NEW YORK TIMES, TEL AVIV - Há 17 dias, as tropas terrestres e os tanques israelenses estão de prontidão, parados nos campos empoeirados ao redor de Gaza. Sua missão declarada: invadir o enclave costeiro palestino e destruir as capacidades militares do Hamas, o grupo terrorista islâmico, e sua capacidade de governar o local.
Várias explicações foram apresentadas.
Os Estados Unidos têm pressionado Israel a esperar para dar mais tempo às negociações com os reféns e às entregas de ajuda humanitária, e para que mais recursos militares dos EUA sejam enviados para a região.
A mídia israelense está repleta de relatos de diferenças dentro do governo e entre a liderança política e os militares. Acredita-se que o primeiro-ministro Biniamyn Netanyahu, que há muito tempo é visto como cauteloso em relação a aventuras militares, ainda esteja decidindo quando - ou se - irá em frente.
Clima ruim
O clima de brigas internas, paralisia e caos é tão generalizado que Netanyahu, seu ministro da Defesa, Yoav Gallant - que Netanyahu tentou demitir em março - e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, o tenente-general Herzi Halevi, emitiram uma declaração incomum em tempos de guerra na noite de segunda-feira, assegurando a um público traumatizado que os três estavam “trabalhando em estreita e total cooperação, 24 horas por dia, para levar o Estado de Israel a uma vitória decisiva” e professando “confiança total e mútua” entre eles.
Em seguida, eles apareceram juntos antes de uma reunião de segurança e fizeram mais declarações - sem dar nenhuma pista sobre o momento de uma invasão terrestre.
A demonstração de unidade ocorreu um dia depois que o Contra-Almirante Daniel Hagari, o principal porta-voz militar, disse em um briefing televisionado que o exército estava aguardando o sinal verde do escalão político para invadir Gaza.
Com a urgência pública inicial para uma invasão terrestre parecendo ter diminuído, os partidários de Netanyahu iniciaram uma campanha para frear a invasão, divulgando um vídeo produzido anonimamente nas mídias sociais, pedindo que as vidas dos soldados sejam colocadas em primeiro lugar, dando mais tempo para a força aérea destruir o traiçoeiro sistema de túneis do Hamas antes que as tropas entrem em Gaza.
Alguns comentaristas disseram que isso poderia significar nunca, já que provavelmente seria impossível destruir todos os túneis pelo ar.
Especialistas dizem que o governo e os militares israelenses estão lutando com dilemas concorrentes e complexidades reais.
“É um equilíbrio delicado entre a vantagem de deixar a Força Aérea fazer o que faz de melhor e por quanto tempo é possível atrasar a ofensiva terrestre”, disse Ehud Yaari, pesquisador israelense do Washington Institute for Near East Policy. Quanto mais túneis a força aérea destruir, disse ele, “mais fácil será para as forças em terra”.
Alvos
Além disso, disse Yaari, Israel tem aproveitado o tempo para expandir sua lista de alvos em Gaza, reunindo mais informações e interrogando os vários agentes do Hamas que foram capturados em território israelense.
Entretanto, há riscos em esperar. Com o passar dos dias, Israel pode se deparar com uma erosão do apoio internacional às suas ações, à medida que o número de mortes de palestinos aumenta e a crise humanitária se agrava ainda mais no enclave sitiado.
Além disso, é preciso considerar o moral dos soldados e reservistas que estão sendo mantidos no limbo, bem como o impacto sobre a economia israelense e a retirada financiada pelo Estado de dezenas de milhares de israelenses das áreas fronteiriças ao redor de Gaza e no extremo norte, onde as escaramuças entre Israel e o Hezbollah, a organização militante xiita libanesa fortemente armada, têm se intensificado.
“Isso não é algo que possa se prolongar indefinidamente”, disse Yaari sobre o jogo de espera e os combates que ainda estão por vir.
Saiba mais
O exército israelense, pego de surpresa pelos ataques de 7 de outubro, divulgou uma declaração na noite de segunda-feira dizendo que seus recrutas e reservistas estavam “realizando uma variedade de exercícios de treinamento a fim de melhorar a prontidão e a capacidade das forças para operações terrestres” em Gaza, talvez em um esforço para alinhar os militares com o governo aos olhos do público.
Israel também tem tentado avaliar as chances de o Hezbollah desencadear uma conflagração total na frente norte quando os militares israelenses estiverem atolados em Gaza, ou até mesmo um conflito mais amplo envolvendo o Irã e seus representantes na região.
Netanyahu
Netanyahu entrou nessa crise em um ponto baixo de sua carreira, lutando contra acusações de corrupção nos tribunais, enquanto seu governo de direita radical e religiosamente ultraconservador buscava restringir os poderes do judiciário, estimulando meses de protestos em massa no país profundamente dividido.
Desde então, ele trouxe rivais políticos para o seu governo para reforçar a confiança do público e formou um pequeno gabinete de guerra que inclui líderes mais experientes e profissionais.
Ainda assim, há uma disputa acirrada entre os membros seniores do governo. Em março, Netanyahu demitiu Gallant, o ministro da Defesa, depois que ele criticou abertamente o plano de reforma judicial do governo. Ele readmitiu o ministro da Defesa semanas depois, sob intensa pressão pública.
Benny Gantz, líder de um partido centrista e ex-chefe militar que deixou a oposição para se juntar ao gabinete de guerra, tem sua própria história infeliz com o atual premiê: em 2020, Netnayahu traiu um acordo de compartilhamento de poder com Gantz, e continuou no cargo quando deveria passá-lo a Gantz.
“Ele sempre foi avesso a riscos”, disse Amos Harel, analista de assuntos militares do jornal Haaretz, de esquerda, em uma entrevista sobre Netanyahu, que está no poder há 16 anos. “Ele está na pior situação de sua vida política, e entrar em Gaza é a maior aposta estratégica de todos os tempos”, acrescentou.
Pesquisas de opinião recentes mostraram que o público israelense tem muito mais fé no exército do que no governo. Há um consenso entre os israelenses, após as atrocidades de 7 de outubro, de que eles não se sentirão seguros até que a ameaça do Hamas seja removida de sua porta, mesmo que os detalhes de como conseguir isso permaneçam vagos.
Em um dia de semana recente, Itai Indig, um professor de inglês, estava organizando um protesto em frente à sede do Ministério da Defesa e do Exército em Tel Aviv, com um cartaz feito em casa com uma caricatura que mostrava o presidente Biden pressionando os líderes de Israel. O presidente americano, sugeriu ele, havia rejeitado uma invasão terrestre.
“Biden agora está comandando nosso gabinete”, reclamou Indig. “Se não entrarmos em Gaza agora, será 10 vezes pior da próxima vez”.
Uma transeunte, Elisheva Picker, parou para discutir com ele. “Entrar agora significará muito mais mortos”, disse ela. “E quanto aos reféns?”
Este é o clima divisivo em Israel. Muitos israelenses temem uma invasão terrestre, mas a veem como inevitável.
Amos Harel, analista do Haartez, disse que o choque de 7 de outubro aumentou a tolerância do público em relação à perspectiva de soldados israelenses voltarem para casa em caixões.
“As pessoas estão mais dispostas a arriscar uma operação militar em massa, mesmo que isso signifique um número incomum de baixas”, disse ele. “Por outro lado”, disse Harel, “não tenho certeza de que eles suportariam outro fracasso”.
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