O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, aprendeu os limites de sua estratégia de política externa na última semana: mesmo forças aliadas bem armadas e bem treinadas podem se mostrar pouco confiáveis se forem neutralizadas por um exército moderno determinado.
Após a morte de Hassan Nasrallah e muitos outros membros dos altos escalões do Hezbollah libanês, o ataque frustrado com mísseis balísticos do regime clerical contra Israel foi uma tentativa de diminuir a humilhação que Teerã sofreu depois que Israel rapidamente desconstruiu o grupo protegido mais querido do Irã. Com o Hezbollah como modelo e parceiro, Teerã aperfeiçoou o imperialismo islâmico de forma barata: representantes espalharam a fé e massacraram os inimigos do Irã enquanto o protegiam de retaliações diretas.
Mas, como as ofensivas israelenses em Gaza e no Líbano revelaram, um aspirante a formar uma hegemonia regional com capacidade convencional limitada precisa de mais poder de fogo e dissuasão do que aquele que seus representantes podem oferecer sozinhos. Talvez Israel já tenha destruído muitos dos mísseis, lançadores e equipes de mísseis mais perigosos do Hezbollah. E, dado o fracasso duplo do Irã em sobrepujar as defesas aéreas do Estado judeu, o enorme investimento do regime em mísseis balísticos e de cruzeiro também se mostrou repentinamente insuficiente.
Para onde, então, o aiatolá Khamenei poderia se voltar em seguida? Apesar das objeções religiosas declaradas do líder supremo às armas nucleares, o Irã tem feito progressos constantes em suas capacidades nucleares ao longo do ano passado. Agora, de acordo com o governo dos EUA, o período necessário é de uma a duas semanas para produzir urânio suficiente para uma bomba atômica, embora possa levar vários meses para levar a campo uma arma nuclear.
Com seus combatentes aliados sob cerco e suas armas convencionais se mostrando insuficientes, Teerã pode estar mais perto do que nunca de cruzar o limiar e construir uma arma nuclear. As saraivadas de mísseis do Irã podem provocar o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, a arriscar um ataque direcionado às suas instalações nucleares e negar a Teerã a única arma que poderia garantir sua liberdade de manobra. Por décadas, a liderança iraniana quis projetar poder à distância, visto que sua legitimidade se baseava na exportação da revolução islâmica para o exterior. As condições estavam maduras para essa estratégia no Oriente Médio pós-11 de setembro. Quando o sistema estatal regional essencialmente entrou em colapso, Teerã marchou para o vácuo. Os representantes da República Islâmica obtiveram sucesso nas guerras civis no Iraque e na Síria e desmoralizaram os EUA, mesmo depois que o avanço americano no Iraque em 2007 derrotou muitos dos aliados locais do Irã. No Iêmen, os houthis apoiados pelo Irã, cuja radicalização xiita é recente, mas profunda, desgastaram a aliança da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos.
Esse foi essencialmente o status quo destruído em 7 de outubro — o poder iraniano aumentando no Levante, Iraque e Península Arábica, enquanto EUA e Israel se concentravam em expandir os Acordos de Abraão para a Arábia Saudita.
Embora a mídia estatal do Irã esteja repleta de histórias de mortes em Gaza, o regime provavelmente não ficou muito perturbado pela resposta agressiva de Netanyahu ao ataque brutal do Hamas. Na verdade, a forte resposta de Israel aos ataques de 7 de outubro é uma vitória significativa de propaganda para Teerã, visto como produziu uma erupção global de sentimento pró-palestino e anti-sionista.
Uma vez que Israel intensificou seu ataque ao Hezbollah, esse cálculo mudou. Para o Irã, a batalha na fronteira norte de Israel é completamente diferente. A República Islâmica apoia o Hezbollah desde sua fundação, na década de 1980, e o usa como um instrumento de seu terrorismo do Levante à América do Sul. O Hezbollah e seu arsenal de mísseis servem como a segunda força de ataque do Irã, caso Israel seja tentado a atingir suas instalações nucleares.
Tendo se defendido com sucesso da saraivada de mísseis balísticos do Irã com a ajuda dos Estados Unidos, Israel está enfrentando um dilema. O país prometeu retaliar e, segundo relatos, citou as instalações nucleares do Irã como alvos potenciais, junto com as plataformas de petróleo e sistemas de defesa aérea do Irã. Mas eliminar o programa nuclear do Irã pode estabelecer as bases para uma guerra direta e sustentada com o Irã, que Israel terá dificuldade para manter enquanto tenta conter o Hamas e o Hezbollah. E se empreender um contra-ataque significativo contra o Irã, mas não bombardear as instalações nucleares, deixará intacta a única arma que uma teocracia ferida precisará para dissuadir os israelenses de futuras ações.
Enquanto a liderança militar e civil de Israel debate a escala da resposta, os Estados Unidos, seu mais fundamental aliado e defensor militar, está no modo de gerenciamento de crise, continuando a buscar a redução da tensão, apesar de meses sem conseguir atingir essa meta. O presidente Biden disse que não apoiaria um ataque israelense às instalações nucleares do Irã. Mas o presidente e os candidatos presidenciais também declararam que o Irã nunca terá permissão para ter uma bomba, o que não é fácil de conciliar com os apelos de ambos os partidos para que os Estados Unidos parem de ser arrastados para “guerras eternas”.
Enquanto os grupos em Jerusalém e Washington podem discordar quanto ao melhor caminho a seguir, a proximidade de sua aliança pode ser o único freio restante às ambições atômicas do Irã. A recente série de sucessos de inteligência de Israel, especialmente o bombardeio que matou Ismail Haniyeh, um dos principais líderes do Hamas, em um complexo operado pela Guarda Revolucionária em Teerã, deve fazer o aiatolá Khamenei se perguntar se uma ordem secreta para montar uma bomba atômica seria simplesmente vazada, provocando uma reação israelense ou americana.
O Oriente Médio pós-7 de outubro ainda oferece à teocracia iraniana motivos para ter esperança. Israel derrotou duramente seus representantes, mas o Hamas e o Hezbollah quase certamente sobreviverão. A conflagração tirou do prumo a normalização das relações sauditas-israelenses e, por enquanto, também uma aliança de defesa EUA-Arábia Saudita, que representaria uma grande ameaça a Teerã. A realeza saudita e emiradense que antes denunciava veementemente as maquinações iranianas e alimentava as esperanças israelenses de uma grande entente contra o inimigo xiita adotou uma linha mais branda, dadas as mortes de dezenas de milhares de palestinos.
Se, em um futuro não muito distante, o regime clerical puder testar uma arma nuclear, reduzirá da noite para o dia qualquer poder que Israel e os EUA tenham na região. Os Estados Unidos nunca atacaram um estado equipado com armas nucleares. É razoável supor que Israel, amplamente considerado como tendo armas nucleares, embora nunca as tenha declarado, não atacará um estado com armas nucleares. E a doutrina nuclear de longa data de destruição mútua assegurada quase certamente restringiria Israel mais do que o Irã. O Irã já demonstrou disposição para atacar Israel apesar deste possuir armas nucleares. Teerã tem representantes mortais; Israel, não.
Tornar-se um estado nuclear pode oferecer uma nova maneira para o aiatolá Khamenei promover o poder do Irã em casa e no exterior, ao mesmo tempo em que neutraliza a possibilidade de sua decisão de atacar Israel novamente esta semana levar a uma escalada convencional na qual o Irã não poderia competir. Estados autoritários são extremamente dependentes do espanto que projetam. Derrotas estrangeiras inevitavelmente têm repercussões domésticas./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.