WASHINGTON - Nos dias que se seguiram ao ataque de 6 de janeiro ao Capitólio, as linhas telefônicas e os sites das autoridades eleitorais do país inteiro começaram a operar a todo vapor: dezenas de milhares de republicanos estavam telefonando ou se conectando para mudar suas filiações partidárias.
Na Califórnia, mais de 33 mil republicanos registrados deixaram o partido durante as três semanas depois do motim de Washington. Na Pensilvânia, mais de 12 mil eleitores saíram do Partido Republicano no mês passado. E mais de 10 mil republicanos mudaram seu registro no Arizona.
Uma análise dos registros de votação de janeiro feita pelo The New York Times descobriu que quase 140 mil republicanos haviam saído do partido nos 25 Estados que tinham dados disponíveis (19 Estados não têm registro por partido).
Especialistas em votação disseram que os dados indicavam uma fuga mais forte do que o normal após uma eleição presidencial e, por conseguinte, o potencial início de um período prejudicial para os registros do Partido Republicano, com os eleitores recuando diante da violência no Capitólio e suas consequências.
Entre os que recentemente deixaram o partido se encontra Juan Nunez, de 56 anos, veterano do Exército em Mechanicsburg, Pensilvânia. Ele disse que desde muito sentia que a diferença entre os EUA e os outros países era que os combates da campanha terminavam no dia da eleição, quando todos os lados aceitavam pacificamente o resultado. O motim de 6 de janeiro mudou tudo isso, disse ele.
“O que aconteceu em Washington naquele dia partiu meu coração”, disse Nunez, republicano de longa data que se prepara para se registrar como independente. “Me abalou profundamente.”
Os maiores picos de saídas de republicanos do partido ocorreram nos dias seguintes a 6 de janeiro, especialmente na Califórnia, onde houve 1.020 transferências republicanas em 5 de janeiro – e depois 3.243 em 7 de janeiro. No Arizona, houve 233 mudanças republicanas nos primeiros cinco dias de janeiro e 3.317 na semana seguinte. A maioria dos republicanos nestes e em outros Estados mudaram para o status de não afiliados.
As listas de eleitores geralmente sofrem variações depois das eleições presidenciais, quando os registros às vezes tendem para o partido do vencedor ou as pessoas atualizam suas antigas afiliações para corresponder às suas atuais preferências partidárias. Outros Estados removem eleitores inativos ou falecidos. E também removem de todos os partidos aqueles eleitores que se mudaram de Estado, agrupando essas pessoas com os eleitores que mudaram seus próprios registros.
Dos 25 Estados pesquisados pelo Times, Nevada, Kansas, Utah e Oklahoma combinaram a manutenção da lista de eleitores com as alterações de registro, de modo que seus totais gerais não se limitaram às alterações feitas pelos próprios eleitores. Outros Estados também podem ter feito isso, mas não o indicaram em seus dados públicos.
Entre os democratas, 79 mil deixaram o partido desde o início de janeiro.
Mas o tumulto no Capitólio e a impopularidade recorde do ex-presidente Donald Trump contribuíram para um período intensamente instável na política americana. Muitos republicanos denunciaram as forças pró-Trump que se amotinaram em 6 de janeiro, e dez membros republicanos da Câmara votaram pelo impeachment.
Um número considerável de republicanos agora afirma apoiar elementos-chave do pacote de estímulo do presidente Joe Biden; em geral, o partido de oposição fica desconfiado, quando não hostil, diante das principais prioridades políticas de um novo presidente.
“Visto que se trata de uma atividade muito incomum, provavelmente é indicativo de uma tendência maior que está acontecendo, onde há outras pessoas que também estão pensando que não sentem mais que fazem parte do Partido Republicano, só que ainda não entraram em contato com as autoridades eleitorais para dizer que querem mudar seu registro de partido”, disse Michael P. McDonald, professor de ciência política da Universidade da Flórida. “Portanto, provavelmente é a ponta de um iceberg."
Mas, advertiu ele, também pode ser a expressão concreta do “Trump nunca” simplesmente entrando em foco agora que muitos republicanos enfim tomaram a decisão de mudar seu registro, embora já não viessem apoiando o presidente e seu partido desde 2016.
Associação de condomínio
Kevin Madden, ex-operador republicano que trabalhou na campanha presidencial de Mitt Romney em 2012, se encaixa nessa tendência, embora esteja à frente do êxodo mais recente. Ele disse que mudou seu registro para independente há um ano, depois de assistir ao que chamou de assédio a funcionários do serviço de relações exteriores no primeiro julgamento de impeachment de Trump.
“Não é um direito de nascença, não é uma religião”, disse Madden sobre a filiação partidária. “Os partidos políticos deveriam ser mais como a associação do condomínio. Se a associação de condomínio começa a agir de um jeito que seja inconsistente com suas crenças, você se muda”.
Quanto à tendência geral de os republicanos abandonarem o partido, ele disse que era muito cedo para dizer se isso significaria problemas a longo prazo, mas que os números não seriam esquecidos. “Durante todo o tempo em que trabalhei na política”, disse ele, “o que sempre me preocupou não foi a posição, mas a linha de tendência”.
Alguns dos dirigentes do Partido Republicano apontaram para os ganhos significativos em termos de registro que os republicanos tiveram recentemente, até mesmo antes da eleição de 2020, e observaram que, em outras ocasiões no passado, o partido se recuperou rapidamente.
Na Carolina do Norte, a mudança foi imediatamente perceptível. O estado testemunhou um aumento notável de republicanos mudando de filiação partidária: 3.007 na primeira semana após o motim, 2.850 na semana seguinte e mais 2.120 uma semana depois. Um número consistente de cerca de 650 democratas mudou de filiação partidária a cada semana.
Mas as autoridades estaduais do Partido Republicano minimizaram qualquer significado nas mudanças e expressaram confiança de que a Carolina do Norte, Estado-chave que recentemente se inclinou para o lado dos republicanos, continuará na sua coluna.
“Variações relativamente pequenas no registro eleitoral dentro de um curto período de tempo num universo de mais de 7 milhões de eleitores registrados na Carolina do Norte não são particularmente preocupantes”, disse em comunicado Tim Wigginton, diretor de comunicações do partido no Estado, prevendo que Carolina do Norte continuaria a votar com os republicanos.
No Arizona, 10.174 republicanos mudaram de registro partidário desde o ataque, uma vez que o partido estadual se deslocou ainda mais para a direita, como se vê em sua decisão de censurar três republicanos – o governador Doug Ducey, o ex-senador Jeff Flake e Cindy McCain – por vários atos considerados desleais a Trump.
O partido continua a levantar suspeitas sobre a eleição de 2020, e esta semana os republicanos no legislativo estadual apoiaram a prisão de funcionários eleitorais do Condado de Maricopa por se recusarem a cumprir intimações abrangentes relativas a materiais e equipamentos eleitorais.
Foi esse tipo de atitude, argumentam alguns estrategistas republicanos no Arizona, que provocou a queda nos registros de eleitores republicanos no Estado.
“O êxodo que está acontecendo agora, segundo os meus instintos e os de todas as pessoas que estão me contatando aqui, só está acontecendo porque as pessoas estão saindo depois dos atos de sedição que ocorreram e do contínuo questionamento do voto no Arizona”, disse Chuck Coughlin, estrategista republicano no Estado.
Para Heidi Ushinski, de 41 anos, a decisão de sair do Partido Republicano do Arizona foi fácil. Depois da eleição, ela se registrou como democrata porque “o Partido Republicano do Arizona simplesmente enlouqueceu” e não quis “desistir desse papo de fraude na eleição”.
“O Partido Republicano costumava representar aquilo que achávamos que era moral, uma questão de caráter e integridade”, acrescentou ela. “Acho que a parte mais eloquente do Partido Republicano do Arizona perdeu isso."
Nunez, o veterano do Exército na Pensilvânia, disse que seu desgosto com a invasão do Capitólio aumentou quando os republicanos do Congresso continuaram a recusar o envio de cheques de estímulo e se opuseram veementemente ao aumento do salário mínimo para US $ 15 a hora.
“Eles correram para socorrer as corporações, dando dinheiro a grandes empresas, mas continuam se recusando a dar dinheiro para as pessoas necessitadas”, disse Nunez, que planeja mudar de partido. “Além disso, sou proprietário de uma empresa e não consigo me imaginar vivendo com US $ 7 por hora. Temos de ser justos”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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