THE NEW YORK TIMES - As duas guerras mais sangrentas dos últimos dois anos foram resultado de erros de cálculo trágicos. Uma terceira guerra que tem dominado o noticiário ultimamente também pode ter sido lançada por um erro custoso, conforme explicarei adiante. Para economistas, isto levanta uma questão: se as guerras são tão horríveis, por que nós continuamos a travá-las?
Primeiramente, os dados. As guerras que custaram mais vidas em 2022 ocorreram na Etiópia e na Ucrânia. O número de mortes decorrentes de batalhas excedeu 100 mil na região do Tigré, na Etiópia, e 81 mil na Ucrânia, de acordo com o Instituto de Pesquisas de Paz de Oslo. Esses conflitos fizeram o número de mortes decorrentes de batalhas no mundo, 237 mil, alcançar o recorde em 28 anos, afirma o instituto. Acreditem ou não, 2023 está tranquilo em comparação.
A guerra que ocupa o noticiário neste momento é o ataque terrorista do Hamas contra israelenses em 7 de outubro e o contra-ataque das Forças de Defesa de Israel, que elas afirmam ser necessário para extirpar o Hamas de Gaza. O Hamas assassinou cerca de 1,2 mil israelenses no primeiro ataque. Aproximadamente 400 soldados, oficiais e reservistas israelenses foram mortos naquela ação e em combates posteriores, de acordo com as IDF. Autoridades de Gaza estimam que mais de 14 mil pessoas morreram no contra-ataque, das quais, afirmam elas, 10 mil eram mulheres e crianças. (Menos que o número estimado de civis mortos.) Combates sangrentos também têm ocorrido na Cisjordânia.
![](https://www.estadao.com.br/resizer/v2/3BC4OCDDMRE2JO2TOHI4CWAG7U.jpg?quality=80&auth=96dcc41a545e7f640d2e908f176e4c12f82ef93f18ed3f3b92a9df927267b510&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/3BC4OCDDMRE2JO2TOHI4CWAG7U.jpg?quality=80&auth=96dcc41a545e7f640d2e908f176e4c12f82ef93f18ed3f3b92a9df927267b510&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/3BC4OCDDMRE2JO2TOHI4CWAG7U.jpg?quality=80&auth=96dcc41a545e7f640d2e908f176e4c12f82ef93f18ed3f3b92a9df927267b510&width=1200 1322w)
Há um argumento plausível sustentando que nenhuma dessas guerras teria ocorrido não fosse algum terrível erro de cálculo de algum indivíduo. Na região contestada do Tigré, na Etiópia, a Frente Popular de Libertação do Tigré atacou um posto do Exército etíope em 2020 “provavelmente numa tentativa de negociar um acordo melhor” com o governo central, disse-me o economista Eli Berman, estudioso da guerra da Universidade da Califórnia, em San Diego. Se foi este o caso, as coisas não saíram como planejado. Em vez de negociar, o governo escolheu lutar. Houve espasmos de combates pesados de novembro de 2020 a novembro de 2022, acusações de crimes de guerra de ambos os lados e fome.
Eu não gastarei tempo com os bem conhecidos erros de cálculo do presidente da Rússia, Vladimir Putin, que pensou que o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, e o povo ucraniano não tivessem força nem vontade para resistir à invasão russa. A guerra enfraqueceu a Rússia e transformou Putin em pária no Ocidente.
Leia mais
Quanto ao Hamas, uma teoria circulando afirma que o ataque surpresa foi mais bem-sucedido do que o grupo terrorista jamais imaginou — o que acabou sendo ruim, porque fez Israel retaliar com muito mais dureza que no passado. E não apenas para fazer o Hamas recuar, mas para erradicá-lo de uma vez por todas. Outra teoria, certamente, é que o Hamas conseguiu exatamente o que queria. “Nós fomos bem-sucedidos em colocar a questão palestina de volta sobre a mesa, e agora ninguém na região experimenta calma”, disse ao Times Khalil al-Hayya, membro do organismo mais graduado de liderança do Hamas.
Economistas e cientistas políticos costumavam acreditar que erros de cálculo são perfeitamente consistentes com a razão. Pensavam que líderes políticos completamente racionais podiam, mesmo assim, cometer erros comumente com base em informações incorretas a respeito do poder ou da determinação de seus oponentes.
Mas num influente artigo de 1995, o cientista político James Fearon, de Stanford, então na Universidade de Chicago, mostrou que, na maioria dos casos (não todos), um líder racional deveria ser capaz de despir o olhar de confusões e tomar decisões com base em informações consistentes. Dado o grau de destrutividade e mortalidade das guerras, líderes políticos têm grande incentivo para usar “diplomacia ou outras formas de comunicação para evitar ruídos tão custosos”, escreveu Fearon no artigo intitulado “Explicações racionalistas para a guerra”, publicado pela revista científica International Organization.
![](https://www.estadao.com.br/resizer/v2/UEN57BBFM5BT5G6JTLWKT2PCZM.jpg?quality=80&auth=f1c1e628ce928832672fb27ddd0fb04b9de67900d7b157831b7649f68fe7fb8c&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/UEN57BBFM5BT5G6JTLWKT2PCZM.jpg?quality=80&auth=f1c1e628ce928832672fb27ddd0fb04b9de67900d7b157831b7649f68fe7fb8c&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/UEN57BBFM5BT5G6JTLWKT2PCZM.jpg?quality=80&auth=f1c1e628ce928832672fb27ddd0fb04b9de67900d7b157831b7649f68fe7fb8c&width=1200 1322w)
“Para dar um exemplo concreto”, escreveu Fearon, “por que os líderes alemães em 1914 simplesmente não perguntaram aos seus homólogos britânicos e russos o que eles fariam se a Áustria atacasse a Sérvia? Se eles pudessem ter feito isso e se a resposta pudesse ter sido crível, os alemães poderiam não ter errado o cálculo em relação à disposição russa e, mais importante, britânica de lutar. Como consequência, poderiam ter evitado os custos horrendos da 1.ª Guerra”.
Mas Fearon detalhou três casos em que líderes podem errar o cálculo mesmo crendo estar se comportando racionalmente. Um é quando um ou outro lado tem informação privada a respeito de seu poder ou determinação e incentivos para deturpar tal informação para o outro lado. Blefar, por exemplo. Outro é quando uma ou ambas as partes não podem se comprometer confiavelmente com um acordo para manter a paz porque não têm incentivo para renegar os termos. Um terceiro é quando as partes não podem abrir concessões mútuas dividindo o prêmio no meio porque o prêmio é indivisível — digamos um trono que dois príncipes pretendam ocupar.
O segundo problema que Fearon sublinhou, do comprometimento, emerge consecutivamente na diplomacia, disse-me Berman. Combatentes travam batalhas por anos porque nenhum lado confia no outro para adotar um acordo de paz — e não há uma terceira parte que tenha poder ou motivação para forçá-los a tanto. A Organização das Nações Unidas é fraca demais. Os Estados Unidos perderam o interesse em servir como policiais do mundo.
O fracasso de décadas em alcançar uma solução de dois Estados para Israel e Palestina é um exemplo clássico de um problema de comprometimento. Israel resiste à formação da Palestina enquanto Estado independente na Cisjordânia e em Gaza por medo dos territórios poderem se transformar em bases para atacar e destruir Israel. E para muitos, ataques como o perpetrado pelo Hamas em 7 de outubro justificam essas preocupações, afastando ainda mais o prospecto da paz. Cada lado acredita que o outro só entende a força.
O clássico artigo de 1995 de Fearon cobre principalmente situações em que líderes políticos são presumivelmente racionais. Como escreveu Fearon, é até mais fácil explicar guerras que irrompem sob líderes emotivos, presunçosos ou de qualquer forma irracionais.
Eu também perguntei à professora e pesquisadora Siri Aas Rustad, do Instituto de Pesquisas de Paz de Oslo, por que ela pensa que a violência anda tão preponderante novamente. “É difícil explicar”, afirmou ela. “Talvez porque tenha passado tempo demais desde a 2.ª Guerra, e nós estejamos esquecendo como é ter um mundo em guerra e retornando a mais conflitos”. O que, suponho eu, se enquadraria na definição de irracionalidade estabelecida por Fearon. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO