THE NEW YORK TIMES – Poucos dias depois do primeiro-ministro Yitzhak Rabin ser assassinado, em 4 de novembro de 1995, um amigo israelense me disse que, por mais terríveis que fossem as circunstâncias, sua morte havia estabelecido Rabin como um mártir pela paz. Como resultado, o processo de paz de Oslo, que ele havia iniciado e foi batizado com o nome da cidade onde foi secretamente costurado, tinha se tornado irreversível.
Isso sem dúvida pareceu verdade naquela época. Eu tinha acabado de chegar a Israel para trabalhar como jornalista correspondente, e uma aura de esperança ainda pairava sobre os dois acordos, assinados em 1993 e 1995, que garantiram aos palestinos certo grau de autogoverno e, mais importante, iniciaram um processo de paz destinado a alcançar uma solução definitiva em cinco anos.
O aperto de mãos no quintal da Casa Branca em 1993 entre Rabin, um político áspero, fumante compulsivo e beligerante, que havia conduzido Israel em grandes vitórias militares, e seu arqui-inimigo, Yasser Arafat, líder da Organização para Libertação da Palestina que havia dedicado grande parte de sua vida pregressa a “arrancar a entidade sionista da nossa terra”, viria a se tornar uma espécie de ícone que amalgamou a convicção de que até o mais intratável dos conflitos pode ser resolvido.
A profecia do meu interlocutor logo se provaria tragicamente equivocada. Sete meses após a morte de Rabin, em seguida a uma onda de atentados suicidas de palestinos e uma controvertida operação israelense no sul do Líbano, um crítico dos Acordos de Oslo chamado Benjamin Netanyahu, com 46 anos na época, conquistou a primeira de suas muitas vitórias políticas. Entre avanços e retrocessos, o processo de Oslo empacou, e o “campo da paz” israelense que o defendia se desintegrou.
Agora, em face à terrível carnificina em Israel e Gaza, aquele aperto de mãos parece quase uma triste nota de rodapé na história do conflito israelo-palestino. Mas eu acredito que as esperanças levantadas brevemente por esses acordos ainda têm relevância.
A sabedoria de Oslo deveu-se aos negociadores, que vieram a reconhecer a validade das narrativas que orientavam ambos os lados: o retorno de Israel à terra prometida após uma tragédia inominável; e o roubo de território sofrido pelos palestinos e a humilhante ocupação. Era necessariamente impossível conciliar essas narrativas, mas os negociadores conseguiram escapar da soma zero discutindo que lado estava correto em cada questão e reconhecendo os anseios, a história e os ressentimentos um do outro.
Leia mais
Uri Savir, um dos principais negociadores israelenses em Oslo, descreveu seu intercâmbio inicial com o negociador palestino Ahmed Qurei em seu livro “O Processo”: “Creio que nós chegamos à raiz do problema”, afirmou Qurei, mais conhecido como Abu Ala, segundo o relato de Savir. “Nós aprendemos que nossa rejeição a vocês não nos trará liberdade. Vocês podem ver que seu controle sobre nós não lhes trará segurança. Nós temos de viver lado a lado, em paz, igualdade e cooperação.” Savir e Qurei tornaram-se amigos próximos após as negociações. (Savir morreu no ano passado; Qurei, em fevereiro.)
Os Acordos de Oslo não foram projetados como uma solução definitiva, seu texto nem sequer menciona um “Estado palestino”; a intenção foi iniciar um processo no qual ambos os lados construiriam confiança mútua para abordar os obstáculos verdadeiros para a paz: os palestinos reivindicam direito de retorno aos lares dos quais eles foram retirados em 1948; a maneira de dividir Jerusalém, que ambos os lados reivindicam como sua capital sagrada; e o que fazer com os assentamentos coloniais de judeus multiplicando-se em território palestino ocupado.
Em retrospectiva, a ausência do objetivo final no texto do acordo — o Estado palestino ou a solução de “dois Estados”, como é hoje conhecida — pode ter sido um erro fatal.
Arafat foi atacado por diversos vozes da comunidade palestina, de grupos islamistas a intelectuais, por abrir grandes concessões em troca de uma perspectiva vaga. Grupos extremistas voltaram a praticar atentados suicidas, que Arafat foi incapaz de impedir, para minar os acordos.
Na campanha eleitoral de 1996, em seguida à morte de Rabin, Netanyahu atacou Shimon Peres, que fora parceiro de Rabin e com frequência orientou negociações em Oslo, acusando-o de “subcontratar” forças de segurança israelenses para os palestinos. Os assentamentos coloniais judaicos continuaram a se expandir, e o processo de paz foi minado ainda mais por ações provocativas de israelenses como a visita de Ariel Sharon ao Monte do Templo, em Jerusalém, em 2000, que contribuiu para a ignição do levante palestino conhecido como Segunda Intifada.
Em 2002, Arafat estava isolado em seu gabinete em Ramallah, cercado por forças israelenses; dois anos depois, ele morreu em decorrência de um mal súbito que jamais foi explicado conclusivamente, deixando a Autoridade Palestina nas mãos de Mahmoud Abbas, um líder envelhecido e ineficaz que perdeu o controle de Gaza em 2007 para o Hamas — o que motivou o bloqueio de Israel e Egito ao enclave densamente povoado, deixando seus 2,1 milhões de habitantes, a maioria de refugiados ou descendentes de refugiados expulsos de suas residências após a criação do Estado de Israel, em 1948, em condições cada vez piores.
A dúvida agora é se o horripilante ressurgimento de morte e destruição em Gaza agravará o ódio em ambos os lados ou se, eventualmente, levará israelenses e palestinos de volta à dedução de Oslo, de que ocupação e rejeições não podem levar à paz. A batalha ainda transcorre e a severidade da carnificina e da destruição moldarão grande parte do que virá a seguir. Se o Hamas for retirado do poder, o objetivo de Israel, a dúvida será a respeito da Autoridade Palestina ser ou não capaz de preencher o vácuo; e se não for, quem será?
Muito depende também dos palestinos da Cisjordânia ou do Hezbollah, no Líbano, serem sugados para os combates ou permanecerem dissuadidos, em resposta à pressão dos Estados Unidos e de outros países. Muito dependerá, também, do intenso autoexame de consciência inevitável em Israel quando as armas silenciarem e de Netanyahu e os extremistas religiosos e nacionalistas em seu gabinete permanecerem ou não na função.
Seja como for, a raiz do problema identificado por palestinos e israelenses no processo que até hoje foi o mais próximo que eles chegaram da paz continua o mesmo: os palestinos só terão liberdade quando os israelenses encontrarem aceitação e segurança, e os israelenses só alcançarão essa “bitachon”, esse termo amplo em hebraico que define segurança e tanto permeia a consciência de Israel, quando os palestinos tiverem soberania para reger suas próprias vidas. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
*Schmemann é membro do conselho editorial do The New York Times
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.