PARIS - As salas de aula foram fechadas, os trens pararam e os manifestantes marcharam pela França na terça-feira, 31, para a segunda rodada de protestos vigorosos contra os impopulares planos do presidente Emmanuel Macron de aumentar a idade legal de aposentadoria de 62 para 64 anos.
Mais de 1,2 milhão de manifestantes marcharam em todo o país, segundo as autoridades francesas, enquanto os sindicatos disseram que o número era de mais de 2,5 milhões - em ambos os casos, mais do que no dia anterior de protestos, no início de janeiro, embora o número de trabalhadores em greve tenha caído ligeiramente.
Os protestos contínuos se tornaram um grande teste para Macron após sua reeleição no ano passado. Pesquisas recentes de opinião pública mostram que mais de dois terços dos franceses se opõem às suas propostas.
“Macron não percebe o que está atacando”, disse Marc Mouty, de 61 anos, ex-trabalhador ferroviário e manifestante dos Coletes Amarelos, na marcha em Paris. “Este progresso social é caro aos franceses.”
Macron e seu governo dizem que precisam mudar o sistema previdenciário da França agora para colocá-lo em uma base financeira mais firme para o futuro, à medida que a expectativa de vida aumenta e a proporção de trabalhadores para aposentados diminui.
Os oponentes, incluindo uma frente unida de sindicatos, contestam a urgência da necessidade de uma reforma. Eles dizem que Macron está atacando um direito acalentado à aposentadoria e sobrecarregando injustamente os operários por causa de sua recusa em aumentar os impostos sobre os ricos. Nenhum dos lados mostrou qualquer sinal de recuo.
Protestos e greves intermitentes de trabalhadores em escolas, transporte público, refinarias de combustível e usinas de energia deixaram claro o descontentamento generalizado, mas as interrupções gerais foram limitadas. No entanto, a pressão aumenta à medida que o projeto de lei das pensões chega a debate na Câmara Baixa do Parlamento, onde o partido de Macron tem uma maioria tênue, poucos aliados e oponentes que estão se preparando para um confronto legislativo.
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Por que os protestos parecem familiares?
A reforma da previdência tem sido um fator determinante da política francesa, provocando grandes protestos em 1995 e 2010, muito antes de Macron assumir o cargo. Esta é a segunda vez que os planos de pensão de Macron encontram forte resistência.
Em 2019, durante seu primeiro mandato, o esforço de Macron para reformar o generoso sistema previdenciário da França levou a grandes protestos de rua e greves opressivas, incluindo uma das mais longas greves de transporte da história do país. O governo arquivou esses planos com a chegada da pandemia de coronavírus.
Há uma diferença fundamental entre o que Macron fez naquela época e o que está fazendo agora: o projeto inicial de Macron não envolvia aumentar a idade legal de aposentadoria. Em vez disso, ele almejava uma revisão geral da estrutura complexa do sistema previdenciário. O objetivo era fundir 42 programas de previdência diferentes no que ele disse ser um sistema unificado e mais justo, usando pontos que os trabalhadores acumulariam e descontariam na aposentadoria. Mas os planos deixaram muitos franceses confusos e preocupados com a diminuição de suas pensões.
Qual o plano atual de Macron?
Os planos mais recentes são uma tentativa muito mais direta de equilibrar as finanças do sistema, fazendo com que os franceses trabalhem por mais tempo, um esforço que o governo reconhece que será difícil para alguns, mas insiste que é necessário.
O sistema previdenciário da França depende de uma estrutura de repartição em que trabalhadores e empregadores recebem impostos obrigatórios sobre a folha de pagamento que são usados para financiar pensões de aposentados. Esse sistema, que permitiu que gerações se aposentassem com uma pensão garantida pelo Estado, não mudará.
A França tem uma das taxas mais baixas de aposentados em risco de pobreza na Europa e uma taxa líquida de substituição de pensões - uma medida de quão efetivamente a renda da aposentadoria substitui os rendimentos anteriores - de 74%, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, superior as médias da OCDE e da União Europeia.
Mas o governo argumenta que o aumento da expectativa de vida deixou o sistema em um estado cada vez mais precário. Em 2000, havia 2,1 trabalhadores contribuindo para o sistema para cada aposentado; em 2020 essa relação havia caído para 1,7, e em 2070 deve cair para 1,2, segundo projeções oficiais.
Para manter o sistema financeiramente viável sem dinheiro adicional do contribuinte, o governo quer aumentar gradualmente a idade legal de aposentadoria em três meses a cada ano, até atingir 64 anos em 2030. Também quer acelerar uma mudança anterior que aumentou o número de anos que os trabalhadores devem pagar no sistema para obter uma pensão completa.
“Esta reforma é indispensável”, disse Macron na noite de segunda-feira durante uma visita à Holanda.
Por que o plano é tão impopular?
Os opositores dizem que Macron exagera na projeção dos déficits e se recusa a considerar outras maneiras de equilibrar o sistema, como aumentar os impostos sobre a folha de pagamento dos trabalhadores, dissociar as pensões da inflação ou aumentar os impostos sobre os ricos.
Fazer as pessoas trabalharem por mais tempo, argumentam os oponentes, afetará injustamente os trabalhadores de colarinho azul, que muitas vezes começam suas carreiras mais cedo e têm uma expectativa de vida menor, em média, do que os de colarinho branco.
“Sessenta e quatro não é possível”, disse Philippe Martinez, chefe do sindicato trabalhista CGT, o segundo maior da França, ao canal de notícias BFM TV na terça-feira. “Deixe-os visitar o chão de uma fábrica têxtil, ou um matadouro, ou a indústria de processamento de alimentos, e eles verão como são as condições de trabalho.”
Alguns temem ser forçados a se aposentar mais tarde, porque os idosos que querem trabalhar, mas que perdem seus empregos, muitas vezes lidam com a discriminação por idade no mercado de trabalho.
A impopularidade do plano também tem muito a ver com a raiva preexistente contra Macron, que tem lutado para se livrar da imagem de um distante “presidente dos ricos”.
O que vem depois?
O governo anunciou medidas destinadas a apaziguar a oposição: aumento da pensão mensal mínima para € 1.200, ou cerca de US$ 1.300; isenções contínuas permitindo que aqueles que começam a trabalhar em idades mais jovens se aposentem mais cedo; e outras medidas para ajudar os idosos a permanecerem empregados.
Mas o governo não deu sinais de desistir de aumentar a idade legal de aposentadoria, que a primeira-ministra Élisabeth Borne disse na semana passada não ser negociável. Os sindicatos estão se preparando para protestos e greves contínuos.
A atenção também se voltou para o Parlamento, onde se espera que os legisladores, especialmente à esquerda e à extrema direita, travem uma batalha feroz contra o projeto de lei das pensões. Espera-se que os legisladores da Assembleia Nacional, a câmara baixa e mais poderosa, a votem em fevereiro antes de enviá-la à câmara alta.
Mas o partido de Macron, o Renascimento, e seus aliados têm uma frágil maioria na Assembleia Nacional e teriam dificuldades para aprovar o projeto de reforma por conta própria. Eles terão de contar com os republicanos da França, o principal partido conservador, cuja liderança disse que poderia apoiar o projeto de lei.
Macron espera enfrentar os protestos e aprovar o projeto de lei, assim como Nicolas Sarkozy fez como presidente em 2010, quando elevou a idade de aposentadoria de 60 para 62 anos, apesar das grandes manifestações.
Mas alguns republicanos de base - e até mesmo membros do partido de Macron - expressaram desconforto com a versão atual do projeto de lei, o que significa que a votação pode desandar se os protestos dos eleitores levarem os legisladores a recuar.
O governo poderia usar uma rara ferramenta constitucional para forçar o projeto de lei sem votação, um movimento que exporia o gabinete a uma moção de desconfiança e que Borne usou com sucesso várias vezes no ano passado para aprovar projetos de lei de finanças.
Mas usá-lo em uma legislação muito mais controversa e consequente pode inflamar ainda mais as tensões nas ruas./ NYT e AP
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