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Por que os jovens da China estão fugindo de se casar?

Aumento do desemprego entre os mais jovens e incertezas na economia atrapalham esforço do governo para combater a crise demográfica no gigante asiático

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Por Nicole Hong e Zixu Wang
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - Os três anos recentes têm sido brutais para os jovens adultos da China. O índice de desemprego em sua faixa etária foi às alturas em meio a uma onda de demissões nas empresas. As restrições draconianas anticovid acabaram, mas a sensação de incerteza a respeito do futuro que elas criaram, não.

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Para muita gente, a turbulência recente é mais uma razão para adiar decisões importantes na vida — o que contribui para uma baixa recorde no número de casamentos registrados e complica esforços do governo para combater uma crise demográfica.

A trabalhadora do setor de tecnologia Grace Zhang, que há muito tempo tem opinião ambivalente sobre casamento, passou dois meses enfurnada dentro de casa durante o lockdown imposto pelo governo de Xangai no ano passado. Furtada da capacidade de se movimentar livremente, ela surtou com a perda do controle. Conforme os lockdowns se espalharam para outras cidades, seu otimismo se esvaiu.

Quando a China reabriu, em dezembro, Zhang, de 31 anos, deixou Xangai para trabalhar remotamente, viajando de cidade em cidade na esperança de que a mudança de ares restaure sua positividade.

Pessoas conversam pelo portão durante o lockdown. Xangei, 25 de abril de 2022 Foto: Qilai Shen/The New York Times

Agora que vê em volta o aumento nas demissões numa economia em dificuldades, Zhang imagina se seu emprego é seguro o suficiente para sustentar uma futura família. Ela tem namorado, mas nenhum plano de se casar — apesar das frequentes censuras de seu pai dizendo-lhe que é hora de sossegar. “Esse tipo de instabilidade na vida deixa as pessoas com cada vez mais medo de fazer mudanças na vida”, afirmou ela.

O número de casamentos na China cai há nove anos, baixando pela metade em menos de uma década. No ano passado, cerca de 6,8 milhões de casais registraram matrimônio, o número mais baixo desde que os registros começaram, em 1986, segundo dados do governo revelados no mês passado — em 2013, 13,5 milhões de casamentos foram registrados.

Apesar de até aqui o número de registros matrimoniais ter crescido em 2023 em relação ao ano anterior, mais casamentos também têm terminado. No primeiro trimestre deste ano, 40 mil casais a mais contraíram matrimônio em comparação ao mesmo período de 2022, enquanto 127 mil divórcios a mais foram lavrados.

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Pesquisas mostram que jovens adultos são dissuadidos de se casar pelo custo de educar uma criança no implacável sistema educacional chinês. Conforme as mulheres que vivem nas cidades alcançam novos níveis de independência financeira e educação, o casamento deixa de ser uma necessidade econômica para elas. E os homens afirmam que não são capazes de sustentar um casamento citando pressões culturais para ter casa própria antes de poder até mesmo começar a namorar.

A instabilidade dos três anos recentes colabora para essas pressões, reformulando muitas expectativas de jovens a respeito de constituir família. A China tem imposto um controle cada vez mais estrito sobre cada aspecto da sociedade sob seu líder, Xi Jinping — com efeitos que poderiam influenciar o número de casamentos.

“Se os jovens não têm confiança no futuro, é muito difícil para eles pensar a respeito de se casar”, afirmou Xiujian Peng, pesquisadora sênior da Universidade de Victoria, na Austrália.

Na China, onde é extremamente improvável casais não casados ou pessoas solteiras terem filhos, o declínio no número de matrimônios está ligado à queda na taxa de natalidade. No ano passado, a população da China encolheu pela primeira vez desde os anos 60, quando uma crise alimentar assolava todo o país.

Casal posa para fotos de casamento em Xangai Foto: Qilai Shen/The New York Times

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O governante Partido Comunista empreendeu uma campanha de propaganda pedindo que as pessoas se casem e tenham filhos — e chega a organizar eventos para encontros de casais financiados pelo Estado. O governo chinês está testando programas em 20 cidades para promover uma “nova era” dos casamentos. Um dos fundamentos da nova era é que maridos e mulheres devam dividir as responsabilidades da criação nos filhos — um reconhecimento de que as mães chinesas carregaram tradicionalmente um fardo desigual. Um governo local no leste da China criou um aplicativo de namoro.

Mas as ansiedades que explicam por que tantos chineses recusam o casamento não têm solução simples.

A pandemia acabou com os planos de Xu Bingqian, de 23 anos, que acaba de se formar na faculdade, de estudar na Espanha e se candidatar a uma pós-graduação no país. Um de seus professores, de Cuba, não pôde retornar para a China para lecionar em razão das restrições de viagem. Conforme os lockdowns trancaram Xu em seu dormitório, debates com seus colegas irromperam. Eles lamentavam a falta de oportunidades educacionais, afirmou ela, e lhes faltavam meios de expressar sua frustração.

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Xu, que atualmente trabalha como vendedora em uma livraria de Qingdao, afirmou que as restrições fizeram com que ela adotasse uma abordagem mais “conservadora” e evitasse grandes mudanças, como encontrar um namorado. “Eu não tenho como saber se ele será bom ou ruim”, afirmou Xu, “e não quero esse tipo de incerteza na minha vida”.

No mês passado, o tema casamento foi muito popular online após a viralização de um vídeo na rede social Weibo, a versão chinesa do Twitter, que exibiu um homem matando sua mulher atropelando-a com seu carro repetidamente depois de uma briga doméstica. Muitos dos que comentaram a postagem aconselharam as mulheres a não se casar. Uma hashtag recente no Weibo a respeito de rejeitar casamento gerou 92 milhões de visualizações, com as pessoas que comentaram citando a ausência de proteção às mulheres nas leis chinesas sobre divórcio e violência doméstica.

Recém casados são fotografados em Xangai, em julho de 2023  Foto: Qilai Shen / The New York Times

A fatia de mulheres com idades de 25 a 29 anos que vivem em áreas urbanas na China que nunca se casaram cresceu para 40,6% em 2020, de 8,6% em 2000, segundo análise do professor de sociologia Wang Feng, da Universidade da Califórnia, em Irvine.

Muitos homens afirmam que deixam o casamento para depois porque se sentem inseguros economicamente. Em razão de uma preferência cultural por meninos durante a política de filho único do governo chinês, que foi encerrada em 2016, a China tem cerca de 35 milhões de homens a mais do que mulheres, o que alimenta uma sensação de competição econômica por casamento.

Xu Xi, de 30 anos, deixou um emprego em uma multinacional de tecnologia este ano para trabalhar em uma estatal. Ele quis mais segurança no emprego, apesar de um corte de 50% no salário, e atualmente sua renda anual é de US$ 28 mil.

Depois da mudança, Xu sente que está pronto para pedir sua namorada em casamento no próximo ano, mas afirma que o casal não planeja ter filhos porque o custo de vida é intimidador. Ele afirmou que muitas pessoas se sentem mais pobres apesar da China ter se tornado mais próspera, um sentimento que influenciará inevitavelmente as atitudes dos trabalhadores em relação ao casamento. Em função do PIB per capita, a China é o segundo país mais caro do mundo para criar um filho, atrás da Coreia do Sul, de acordo com demógrafos chineses.

“Neste momento, eu ainda estou buscando estabilidade e vendo como a economia se comporta”, afirmou Xu, que vive em Chengdu, no sudoeste chinês.

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Casal tira fotos com familiares em Xangai após casamento Foto: Qilai Shen/The New York Times

Até 2020, Erin Wang, de 35 anos, era otimista em relação a viver na China. Então ela viu o governo refrear as empresas privadas, acabando com empregos no processo, e adotar políticas inclementes durante a pandemia. Ela ficou preocupada a respeito do ambiente cada vez mais autoritário.

“Não me senti nem um pouco confiante para ter um bebê na China”, afirmou Wang. Recentemente, cansada de seu emprego como consultora financeira, ela pediu demissão e se mudou de Hangzhou para Xangai em busca de uma nova carreira. Wang espera que Xangai tenha solteiros mais variados do que Hangzhou, onde, afirmou ela, os homens de seu círculo social só queriam mulheres obedientes, que sacrificassem suas carreiras para criar os filhos.

Em abril, Wang viajou pelos Estados Unidos, onde ela trabalhou por quatro anos, para ver se deveria voltar a viver lá. Neste momento, Wang está na China, mas organiza sua saída, transferindo dinheiro para bancos estrangeiros e pesquisando vistos para viver em outros países. “Eu quero realmente me casar”, afirmou ela, “mas se não houver ninguém compatível, não será o fim do mundo para mim”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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