Opinião | Por que os protestos nos câmpus dos EUA são parte do problema no conflito entre Israel e Palestina

Manifestantes rejeitam verdades importantes sobre o conflito: ignoram palestinos críticos ao Hamas, isentam grupo terrorista por ataque a Israel e pregam o apagamento do Estado judeu

PUBLICIDADE

Por Thomas Friedman (The New York Times)

Leitores têm me perguntado, e eu também me pergunto ultimamente, como me sinto a respeito das manifestações nas universidades pelo fim da guerra em Gaza. Qualquer um que venha lendo esta coluna desde 7 de outubro sabe que meu foco tem sido os acontecimentos em campo no Oriente Médio, mas esse fenômeno tornou-se grande demais para ser ignorado. Em suma: eu acho tudo isso muito inquietante, porque as mensagens dominantes das vozes mais estridentes e muitos cartazes rejeitam verdades importantes sobre como esta guerra mais recente em Gaza começou e o que será necessário para levá-la a uma conclusão justa e sustentável.

PUBLICIDADE

Meu problema não é os protestos serem em geral “antissemitas” — eu não usaria essa palavra para descrevê-los; e, de fato, enquanto judeu, estou profundamente desconfortável sobre a acusação de antissemitismo ser tão usada na questão israelo-palestina. Meu problema é que eu sou um pragmático cabeça-dura, que viveu em Beirute e Jerusalém, se importa com as pessoas de ambos os lados e sabe uma coisa acima de tudo, a partir de suas décadas na região: a única solução justa e factível para essa questão é o estabelecimento de dois Estados-nação para dois povos originários.

Se você é a favor disso, seja qual for sua religião, nacionalidade ou orientação política, você é parte da solução. Se não é a favor disso, você é parte do problema. E a partir de tudo o que li e assisti, protestos demais desse tipo se tornaram parte do problema — por três razões cruciais.

Manifestantes nos arredores da Universidade de Chicago enquanto acampamento pró-palestinos era desmontado pela polícia.  Foto: Charles Rex Arbogast/Associated Press

Primeiro, as manifestações são totalmente a favor de um fim ao comportamento vergonhoso de Israel matando tantos civis palestinos em busca dos combatentes do Hamas, ao mesmo tempo que isentam totalmente o grupo terrorista pelo rompimento do cessar-fogo que existiu até 7 de outubro. Naquela manhã, o Hamas lançou uma invasão na qual assassinou pais e mães israelenses diante de seus filhos, matou filhos diante de seus pais e mães (registrando tudo em suas câmeras GoPro), estuprou mulheres israelenses e sequestrou ou matou todas as pessoas em que seus combatentes conseguiram colocar as mãos, de crianças pequenas a idosos doentes.

Publicidade

Novamente, você pode — e deveria — estar horrorizado com a resposta de Israel: bombardear tudo em seu caminho em Gaza de forma tão desproporcional que milhares de crianças foram mortas, mutiladas e tornadas órfãs.

Se você, porém, se recusa a reconhecer que foi o Hamas que provocou isso tudo — não para justificar as ações de Israel, mas para explicar como o Estado judaico poderia infligir tanto sofrimento sobre homens, mulheres de crianças palestinas em resposta — você não passa de mais um ativista partidário jogando lenha partidária na fogueira.

Ao isentar o Hamas, os protestos colocaram o ônus sobre Israel em tamanha dimensão que sua própria existência é alvo de alguns estudantes, enquanto o comportamento sanguinário do Hamas é apresentado como uma aventura louvável rumo à descolonização.

Em segundo lugar, quando entoam máximas como “Palestina livre” e “do rio ao mar”, as pessoas estão pedindo essencialmente o apagamento do Estado de Israel, não uma solução de dois Estados.

Publicidade

Estão argumentando que o povo judeu não tem nenhum direito a autodeterminação ou autodefesa. Não acredito nisso em relação aos judeus nem em relação aos palestinos. Eu acredito numa solução de dois Estados na qual Israel, em troca de garantias de segurança, retire-se da Cisjordânia, da Faixa de Gaza e das regiões árabes de Jerusalém Oriental, e um Estado palestino desmilitarizado que aceite o princípio de dois Estados para dois povos nesses territórios ocupados em 1967.

Acredito nisso tão convictamente que a entrevista da qual mais me orgulho ter feito nos meus 45 anos de carreira foi com o então príncipe-herdeiro saudita Abdullah bin Abdul Aziz, em fevereiro de 2002, na qual, pela primeira vez, ele conclamou todos os países da Liga Árabe a oferecer paz total e normalização de relações com Israel em troca de uma retirada total das linhas pré-67 — um chamado que levou a Liga Árabe a realizar uma conferência de paz no mês seguinte, em 27 e 28 de março, em Beirute, para fazer exatamente isso. A cúpula foi batizada como Iniciativa de Paz Árabe.

E sabem qual foi a resposta do Hamas à primeira iniciativa panárabe para uma solução de dois Estados? Deixarei que a CNN lhes diga. Vejam uma reportagem apurada em Israel na noite de 27 de março de 2022, logo após a abertura da cúpula da Liga Árabe.

“NETANYA, Israel — Um terrorista suicida matou pelo menos 19 pessoas e feriu 172 em um hotel à beira-mar nesta quarta-feira, no início do feriado religioso da Páscoa judaica. Pelo menos 48 feridos ficaram em “estado grave”.

Publicidade

O atentado a bomba ocorreu em um restaurante lotado, no Park Hotel, um resort litorâneo, durante a tradicional refeição que marca o início da Páscoa. (…) O grupo militante palestino Hamas, uma organização fundamentalista classificada como terrorista pelo Departamento de Estado americano, reivindicou a autoria do ataque”.

Sim, foi essa a resposta do Hamas à iniciativa árabe de paz no sentido do estabelecimento de dois Estados-nação para dois povos: explodir um Sêder de Pessach em Israel.

Ei, Friedman, mas o que dizer de toda a violência que colonos israelenses perpetraram contra palestinos e da maneira que Bibi Netanyahu fortaleceu deliberadamente o Hamas e minou a Autoridade Palestina, que adota Oslo?

Resposta: essa violência e essas ações de Netanyahu são horripilantes e também atrapalham uma solução de dois Estados. É por isso que sou tanto anti-Hamas quanto anti-Netanyahu. E se você é contrário a apenas um deles e não ao outro, deveria refletir um pouco mais sobre o que anda gritando no seu protesto ou antiprotesto. Porque ninguém trabalhou mais para prejudicar os prospectos de uma solução de dois Estados que as facções codependentes do Hamas e de Netanyahu.

Publicidade

Manifestantes bloqueiam a entrada de acampamento após discurso do comentarista conservador Charlie Kirk na Universidade de Washington. Foto: David Ryder/Reuters

O Hamas não é contra a ocupação pós-67. É contra a existência de um Estado judaico e acredita que um Estado islâmico deve ser estabelecido entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo. Quando ignoram esse fato, os protestos nas universidades tornam-se parte do problema. Tanto quanto apoiadores de Israel que ignoram o fato de os membros de extrema direita da própria coalizão de Netanyahu serem favoráveis a um Estado judaico entre o rio e o mar. Como eu sei? Netanyahu escreveu isso no acordo de coalizão que firmou com seus parceiros de extrema direita.

A terceira razão que tornou esses protestos parte do problema é eles ignorarem a visão de muitos palestinos em Gaza que detestam a autocracia do Hamas. Esses palestinos se enfurecem precisamente com o que as manifestações dos estudantes ignoram: o Hamas lançou esta guerra sem a permissão do povo de Gaza e sem preparar o povo de Gaza para se proteger, quando o grupo sabia que uma resposta brutal de Israel se seguiria. De fato, uma autoridade do Hamas afirmou no começo da guerra que seus túneis eram destinados apenas aos seus combatentes, não aos civis.

Isso não é desculpa nem para o mais leve dos excessos de Israel, mas, novamente, também não é desculpa para isentar o Hamas de culpa por abrir-lhes a porta.

Minha visão: o Hamas estava disposto a sacrificar milhares de civis de Gaza para ganhar apoio da próxima geração no TikTok. E isso funcionou. Mas uma razão para ter funcionado foi uma ausência de pensamento crítico de muitos indivíduos dessa geração — resultado de uma cultura universitária que acabou tratando demasiadamente do que pensar, em vez de como pensar.

Publicidade

Recomendo muito a leitura de alguns artigos a respeito da magnitude da fúria dos cidadãos de Gaza em relação ao Hamas pelo grupo ter iniciado esta guerra sem nenhum objetivo em mente que não seja a infrutífera missão de tentar destruir Israel para que seu líder, Yahya Sinwar, obtenha sua vingança pessoal.

Fiquei particularmente chocado com um relato no jornal The National, de Abu Dhabi, de Ahmed Fouad Alkhatib, um palestino-americano criado em Gaza. O título é: “A guerra de Israel matou 31 pessoas da minha família, mas é vital denunciar o Hamas”. Alkhatib colocou o ataque de 7 de outubro do Hamas no contexto de crescentes protestos contra seu governo inepto e autocrático que vinham ocorrendo periodicamente em Gaza desde 2019 afirmando “Queremos viver”.

Alkhatib, um analista político que atua como pesquisador-sênior não residente no Atlantic Council, escreveu: “Crescendo em Gaza, eu testemunhei a ascensão do Hamas ao poder e seu controle cada vez maior sobre a Faixa, a política e a sociedade palestina escondendo-se atrás de uma narrativa de resistência e usando políticas extremistas para sabotar prospectos de uma resolução pacífica ao conflito com Israel. Meses antes do 7 de outubro, dezenas e milhares de cidadãos de Gaza protestaram nas ruas em desafio ao Hamas, da mesma forma que em 2019 e 2017″.

Alkhatib acrescentou que os protestos “‘Queremos viver’ denunciavam as más condições de vida e o alto desemprego em Gaza, assim como a ausência de horizonte político para alguma mudança significativa nas realidades e oportunidades no território. O regime do Hamas foi um empreendimento criminoso e despótico que usou Gaza como porto-seguro para membros do grupo e entes afiliados — e transformou os palestinos do território em indivíduos necessitados, que dependem da comunidade internacional”, e Gaza em uma “‘cidadela de resistência’ que conformava uma nefasta aliança regional com o Irã”.

Publicidade

FILE - Palestinians look at the destruction after an Israeli strike on residential buildings and a mosque in Rafah, Gaza Strip, Feb. 22, 2024. Israel and Hamas appear to be seriously negotiating an end to the war in Gaza and the return of Israeli hostages. A leaked truce proposal hints at concessions by both sides following months of stalemated talks. (AP Photo/Fatima Shbair, File) Foto: Fatima Shbair/AP

Uma universidade com pensadores críticos poderia organizar uma palestra no gramado central também sobre esse tema, não apenas sobre a violência dos colonos israelenses.

Nesse cenário, nós temos visto diretores de faculdades em instituições como Rutgers e Northwestern concordar com algumas exigências dos estudantes para pôr fim aos protestos. Conforme resumiu a Rádio Pública Nacional (NPR), as “demandas variam entre as escolas, mas geralmente pedem o fim da guerra Israel-Hamas, relatórios sobre investimentos institucionais e retiradas de investimento a empresas ligadas a Israel ou que lucram de alguma maneira com sua operação militar em Gaza”.

O que palestinos e israelenses mais precisam agora não é de gestos performáticos de desinvestimento, mas gestos reais de investimentos de impacto, não a ameaça de uma guerra mais profunda em Rafah, mas uma maneira de construir mais parceiros para a paz e investir em grupos que promovem o entendimento árabe-judaico, como as Iniciativas Abraão ou o Fundo Nova Israel. Investir em habilidades administrativas geradoras de capacidades para os palestinos na Cisjordânia em em Gaza, como a maravilhosa rede Educação para o Emprego ou a Anera, que ajudarão uma nova geração a assumir a Autoridade Palestina e construir instituições fortes e não corruptas para governar um Estado palestino.

Não é hora de pensamentos excludentes. É hora de pensarmos complexidades e sermos pragmáticos: como conseguiremos dois Estados-nação para dois povos originários? Se você quiser fazer a diferença, em vez de meramente defender seu ponto de vista, seja a favor disso, trabalhe por isso, rejeite qualquer um que rejeita isso e abrace qualquer um que compreenda isso. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Publicidade

Opinião por Thomas Friedman

É ganhador do Pullitzer e colunista do NYT. Especialista em relações internacionais, escreveu 'De Beirute a Jerusalém'

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.