Durante um comício no Arizona no domingo, o ex-presidente Donald Trump omitiu um detalhe crucial ao promover sua proposta de contratar 10 mil novos agentes para patrulhar a fronteira entre os EUA e o México. Ele não disse de onde viriam esses novos agentes. Dadas as dificuldades históricas de recrutamento, a Patrulha de Fronteira dos EUA levaria anos para aumentar as contratações nessa escala, se é que conseguiria.
Mas essa foi apenas uma das várias medidas agressivas que ele disse que implementaria para proteger a fronteira, caso seja eleito. Ele prometeu deportações em massa, mas não está claro se teria os recursos para capturar milhões de imigrantes. Também propôs redirecionar parte do orçamento militar para a segurança da fronteira, sem explicar como obteria a aprovação judicial para isso.
Os planos de Trump apresentados no domingo foram mais um lembrete de que, quando se trata de sua visão para a segurança fronteiriça, a retórica exagerada frequentemente se sobrepõe a soluções concretas.
Muitos políticos anunciam políticas ambiciosas, embora irrealistas, durante campanhas para motivar sua base, mas sem detalhar como serão implementadas. Trump tem centrado grande parte de sua campanha em propostas assim, prometendo uma série de cortes de impostos sem explicar como os financiaria e garantindo o fim imediato de conflitos na Ucrânia e na Faixa de Gaza, sem fornecer muitos detalhes sobre como faria isso.
Ele está repetindo essa estratégia ao focar na questão das travessias ilegais na fronteira, que atingiram níveis recordes sob o governo de Joe Biden, para atacar a vice-presidente e candidata democrata, Kamala Harris.
Trump tem tentado culpá-la pelas milhões de travessias nos últimos anos, embora Biden tenha dado a ela um papel focado em abordar a pobreza e a corrupção na América Central, para desencorajar a migração para os EUA, e não na gestão das políticas específicas da fronteira EUA-México. “Elas estão destruindo nosso país — disse Trump no domingo sobre as políticas migratórias do governo Biden”.
Ele também afirmou que Kamala “arruinou o trabalho de muitos desses agentes”. No entanto, os próprios planos anunciados por Trump para lidar com a segurança da fronteira parecem mais focados em políticas duras — destinadas a explorar a raiva e o medo sobre a imigração — do que em soluções viáveis.
Um exemplo disso é a proposta de contratar 10 mil novos agentes da Patrulha de Fronteira. Embora ambiciosa e abrangente, a proposta enfrentaria desafios significativos de implementação.
“Quando eu estava lá, tínhamos uma defasagem de cerca de 1.200 agentes e já era difícil preencher as vagas existentes”, disse Gil Kerlikowske, ex-comissário de Alfândega e Proteção de Fronteiras sob o governo de Barack Obama. “Alcançar os 10 mil seria extremamente difícil”.
Dificuldades
Com mais de 19 mil agentes atualmente, a agência tem enfrentado dificuldades de contratação nos últimos anos devido a problemas de moral, à pandemia e à instabilidade de financiamento no Congresso, segundo o Escritório de Contabilidade do Governo dos EUA. Trump também disse que pediria ao Congresso um aumento imediato de 10% no salário dos agentes, além de um bônus de retenção e assinatura de US$10 mil.
A campanha de Trump não respondeu às perguntas sobre como colocaria em prática a contratação de milhares de agentes.
De forma ainda mais dura, Trump disse que promoveria uma operação histórica de deportação. Ele propõe invocar a Lei dos Inimigos Estrangeiros de 1798 para expulsar membros suspeitos de cartéis de drogas e gangues criminosas sem devido processo.
Essa lei permite a deportação sumária de pessoas de países que estão em guerra com os EUA, que tenham invadido o país ou realizado incursões predatórias. Embora a Suprema Corte tenha validado o uso da lei no passado, não está claro se os juízes permitiriam que um presidente a estendesse para abranger atividades de cartéis de drogas. O texto da lei exige uma conexão com ações de um governo estrangeiro.
Ainda assim, Trump levanta a possibilidade de operações de captura, alegando que seriam viabilizadas pela transferência de outros oficiais federais e pela nomeação de forças locais para ajudar o Departamento de Imigração e Alfândega. No entanto, algumas cidades se recusam a colaborar com o departamento por temerem que essa cooperação leve a deportações por infrações menores.
Apesar dos desafios logísticos, legais e financeiros que ele enfrentaria para implementar suas propostas, pesquisas mostram que muitos eleitores confiam mais em Trump do que em Biden e Kamala para lidar com a fronteira.
A campanha de Kamala tem tentado reverter esses números destacando o histórico da vice-presidente como promotora em um estado fronteiriço e questionando a viabilidade das propostas de Trump. “Trump não se importa em resolver problemas, ele só quer usá-los em sua campanha”, disse Matt Corridoni, porta-voz da campanha de Kamala.
Os democratas apontam que, embora Trump tenha proposto um aumento de contratações no domingo, ele ajudou a bloquear este ano um esforço para contratar 1.500 agentes para a agência que supervisiona a Patrulha de Fronteira. Um projeto de lei no Senado, negociado pela Casa Branca, democratas e republicanos, teria financiado a contratação de agentes e milhares de oficiais de asilo.
Karoline Leavitt, porta-voz da campanha de Trump, afirmou que ele se opôs ao projeto porque ele “teria facilitado a entrada ilegal de milhares de imigrantes no país toda semana”.
Saiba mais
Na verdade, o pacote endureceria a triagem inicial de asilo, tornando muito mais difícil para os migrantes permanecerem no país. O Conselho Nacional da Patrulha de Fronteira, o sindicato dos agentes, que endossou Trump durante seu comício no domingo, apoiava o projeto.
Seguindo o exemplo de Trump, no entanto, os republicanos derrubaram o projeto para impedir que os democratas garantissem uma vitória eleitoral. Kamala afirmou que assinaria o projeto se fosse eleita, caso ele fosse reapresentado e aprovado.
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