Opinião | Por que um acordo com o Hamas para libertar os reféns seria um veneno para Israel

Netanyahu está certo, e é importante para quem normalmente o critica, incluindo eu mesmo, reconhecê-lo

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Por Bret Stephens (The New York Times)

Desde os tempos de Abraão — que, de acordo com o Gênesis, resgatou seu sobrinho Ló após ele ter sido capturado por um exército invasor — a tradição judaica atribui um valor supremo à redenção dos cativos. Trata-se, num certo sentido, do cumprimento de um mandamento primevo e implícito: cuidar do irmão.

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É também uma fonte da coesão comunal do povo judeu ao longo de milênios jamais abandonar alguém que tenha sido sequestrado, mesmo que apenas para lhe dar um funeral apropriado.

Também é, misturando referências da Antiguidade, um calcanhar de Aquiles judaico.

Em 2006, um soldado de Israel chamado Gilad Shalit foi capturado pelo Hamas e mantido refém em Gaza. Ele foi libertado cinco anos depois, em troca de mais de mil palestinos presos por razões de segurança — um eufemismo, em muitos casos, para terrorismo. O acordo, aprovado pelo primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, incluiu a libertação de Yahya Sinwar, o arquiteto do 7 de Outubro.

Milhares se reuniram em Tel Aviv, no domingo, pedindo que Netanyahu aceite um acordo de cessar-fogo e consiga libertar os reféns israelenses em poder do grupo terrorista Hamas  Foto: Ariel Schalit / AP Photo

Esses dois pontos de referência estão agora no centro do debate entre os israelenses sobre o que virá depois da guerra em Gaza. Enormes manifestações em Tel-Aviv, coincidindo com os dolorosos funerais dos reféns assassinados, exigiram que o primeiro-ministro concordasse com um pacto de cessar-fogo para obter a libertação dos reféns restantes, sob o custo de conceder ao Hamas uma de suas principais demandas: a retirada Israel de uma faixa de território conhecida como Corredor Filadélfia, que separa Gaza do Egito. Netanyahu se recusou, insistindo em uma conferência de imprensa, na segunda-feira, que as forças israelenses não se retirarão.

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Netanyahu está certo, e é importante para quem normalmente o critica, incluindo eu mesmo, reconhecê-lo.

Ele está certo primeiro porque a justificativa mais elevada para travar uma guerra, além da sobrevivência, é evitar sua repetição. Israel perdeu centenas de soldados para derrotar o Hamas. Milhares de palestinos inocentes morreram e centenas de milhares sofreram, porque o Hamas faz todos os palestinos reféns de seus objetivos fanáticos. O Hamas foi capaz de iniciar e combater essa guerra somente por causa de sua linha logística segura de abastecimento sob sua fronteira com o Egito.

O controle de Israel sobre o Corredor Filadélfia impede em grande medida que isso ocorra. Abrir mão disso agora, pelo motivo que for, significa renunciar ao objetivo pelo qual os israelenses têm lutado, relega os palestinos a ainda mais miséria sob o Hamas e não assegura absolutamente que uma guerra similar não possa voltar a ocorrer no futuro. Por que, então, fazer isso?

A resposta, argumentariam muitos críticos de Netanyahu (incluindo seu ministro da Defesa, Yoav Gallant), é que o imperativo de salvar os reféns se sobrepõe a qualquer outra consideração — e que Israel sempre poderia retomar o corredor se o Hamas descumprir sua promessa na negociação ou se os israelenses voltarem a sentir que sua segurança está em risco.

Este último argumento é uma fantasia: quando Israel sair de Gaza, a pressão internacional para que os israelenses não tornem a entrar por nada menos que outro 7 de Outubro será avassaladora. E o Hamas garantirá que qualquer esforço israelense para retomar o corredor seja o mais sangrento possível tanto para os israelenses quanto para os palestinos, que Sinwar trata como escudos humanos. Esses riscos também devem pesar nas balanças morais em relação aos próximos passos de Israel.

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O caso mais poderoso, em especial no campo da emoção, diz respeito aos 95 reféns restantes; 60 deles, acredita-se, ainda vivos. Sua agonia é imensa, assim como a de suas famílias. Qualquer ser humano decente deve sentir uma enorme empatia por seu sofrimento.

Mas a solidariedade não pode suplantar o juízo. Os israelenses — acima de tudo as famílias dos reféns — passaram os 11 meses recentes sofrendo a amarga e previsível consequência do acordo sobre Shalit, que também se produziu em função de uma intensa pressão popular por sua libertação.

Soldados israelenses deixam casa que foi danificada nos ataques de 7 de outubro de 2023 em Kfar Aza, Israel. Foto: Avishag Shar-Yashuv/The New York Times.

Uma boa sociedade estará preparada para empreender grandes esforços para resgatar ou redimir um cativo, seja com operações militares arriscadas ou pagamentos exorbitantes de resgate. Mas deve haver um limite para o que qualquer sociedade possa pagar. O preço pela vida ou liberdade de um refém não pode ser a vida ou a liberdade de outrem — mesmo que conheçamos o nome da primeira vida mas não ainda da segunda. Isso deveria ser moralmente elementar.

Outra coisa elementar: apesar do que qualquer um possa pensar a respeito de Netanyahu, o peso do ultraje não deveria recair sobre ele, mas sobre o Hamas. O grupo publicou na segunda-feira um vídeo de Eden Yerushalmi, de 24 anos, uma refém que depois assassinou, dizendo aos seus familiares o quanto os amava — no dia seguinte ao seu funeral. Tratou-se de mais um ato de sadismo cínico, grotesco e sem filtro promovido por um grupo que tem a pretensão de falar em nome de todos os palestinos. O Hamas não merece um cessar-fogo que lhe permita recuperar sua força. Merece ser colocado no mesma depósito de cinzas da história no qual, em nossos melhores momentos, nós enfiamos os nazistas, a Al-Qaeda e o Estado Islâmico.

Pessoas inteligentes têm afirmado que Israel deveria estabelecer um acordo neste momento, libertar os reféns, tomar um fôlego e começar a se preparar para a próxima guerra, provavelmente no Líbano. Os israelenses deveriam lembrar que as guerras são piores e acometem com mais frequência quem é incapaz de vencê-las. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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Opinião por Bret Stephens

É colunista de opinião do 'The New York Times', escrevendo a respeito de política externa, política doméstica e questões culturais.

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