Posição sobre vacina opõe Trump e governador da Flórida e indica cisão no Partido Republicano

Ex-presidente defende imunizantes e se mostra fora de sintonia com políticos linha-dura de sua própria base

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Por Jonathan Martin and Maggie Haberman
Atualização:

MIAMI - Durante meses, o ex-presidente americano Donald Trump resmungou baixinho, de sua mansão em Palm Beach, sobre um centro de poder republicano rival em outra mansão da Flórida, cerca de 640 km ao norte.

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O governador Ron DeSantis, um homem que Trump acredita ter colocado no mapa, tem agido muito menos como um acólito e muito mais como um futuro concorrente, reclama o ex-presidente em conversas com amigos e aliados. Em ascensão clara e rápida no partido, o governador visivelmente se absteve de dizer que desistiria de uma candidatura se Trump decidisse concorrer à indicação republicana para presidente em 2024.

“As palavras mágicas”, disse Trump a vários associados e conselheiros.

Esse ressentimento de longa data veio a público em uma disputa envolvendo a pandemia. Após DeSantis se recusar a revelar seu histórico completo de vacinação contra a covid-19, Trump reconheceu que havia recebido uma dose de reforço contra a doença. Na semana passada, ele pareceu atacar DeSantis ao criticar os políticos “covardes” que se esquivam da pergunta por medo da reação de seus apoiadores anti-vacina.

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DeSantis reagiu na sexta-feira, criticando a forma como Trump lidou com a pandemia e dizendo que lamentava não ter sido mais vocal em suas queixas.

As idas e vindas expuseram até que ponto os republicanos rumaram à direita no que diz respeito às políticas de pandemia. A desinformação que Trump ajudou a lançar e amplificar só aumentou desde que ele deixou o cargo. Agora, sua tímida defesa das vacinas o colocou estranhamente fora de sintonia com os elementos linha-dura da base de seu partido, abrindo espaço para o surgimento de um rival.

Mas o fato de ser DeSantis, um membro leal da corte de Trump, a empunhar o punhal tornou tudo pior.

Em sua essência, a disputa substitui o desafio mais amplo que os republicanos enfrentam no início das eleições de meio de mandato. Eles são liderados por um ex-presidente derrotado que exige fidelidade total, não tolera críticas e está determinado a farejar e depois apagar qualquer ameaça ao seu controle do partido.

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O então presidente dos EUA, Donald Trump, ouve o governador da Flórida, Ron DeSantis, falar sobre a resposta ao coronavírus durante uma reunião no Salão Oval da Casa Branca em Washington, em abril de 2020; republicanos estão em pé de guerra Foto: Carlos Barria/REUTERS

Isso inclui DeSantis, de 43 anos, que disse a amigos que Trump espera demais quando "pede" que ele desista. A recusa de abandonar o jogo, por parte do governador, criou um choque de gerações e um verdadeiro teste de lealdade na Flórida, a capital de fato do Partido Republicano hoje.

Figuras do partido estão tentando acalmar as coisas.

"Eles são os dois líderes mais importantes do Partido Republicano", disse Brian Ballard, um lobista de longa data da Flórida com conexões com os dois políticos, prevendo que Trump e DeSantis "serão amigos pessoais e políticos pelo resto de suas carreiras."

Os assessores de Trump também tentaram reprimir perguntas sobre as frustrações do ex-presidente, para não elevar DeSantis.

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Ainda assim, Trump não escondeu seus preparativos para uma terceira candidatura à Casa Branca. E embora DeSantis, que está concorrendo à reeleição este ano, não tenha declarado seus planos, acredita-se que ele esteja de olho na presidência.

Trump e seus assessores estão atentos ao cansaço dos republicanos com o drama que segue o ex-presidente. As falsas alegações de fraudes nas eleições de 2020 – que DeSantis não contestou – e o papel de Trump nos eventos que levaram ao motim de 6 de janeiro no Capitólio fizeram alguns republicanos procurarem um novo começo.

DeSantis é frequentemente o primeiro nome que os republicanos citam como um possível candidato ao estilo de Trump sem o nome de Trump.

“DeSantis seria um candidato formidável em 2024 na pista de Trump se Trump não concorresse”, disse Dan Eberhart, um doador republicano. “Ele é Trump, mas um pouco mais inteligente, mais disciplinado e brusco sem ser muito brusco.”

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Notavelmente, Trump, um estudioso de longa data de carisma e apelo de massa, bem como um ávido leitor de pesquisas, se absteve até agora de atacar publicamente DeSantis, que é um distante, mas poderoso, candidato. Sua contenção é uma ruptura com a zombaria e o bullying que ele costuma usar para atacar os republicanos que considera vulneráveis. Trump não fez referência ao governador em um comício no Arizona no sábado.

DeSantis tem US$ 70 milhões no banco para sua reeleição, um cofre de guerra que ele abasteceu com a ajuda da base republicana e de seus doadores. Ele vem crescendo nos mesmos espaços que Trump já dominou. O governador é onipresente na Fox News, onde é rotineiramente recebido com as mordomias outrora direcionadas a Trump. E frequentemente se mistura com a bronzeada comunidade de doadores republicanos próximos à mansão de Trump.

Nem sempre foi assim.

DeSantis era um congressista pouco conhecido da Flórida em 2017, quando Trump,  à época presidente, o viu na televisão e se interessou. DeSantis, um veterano militar formado na Ivy League e defensor de fala mansa do novo presidente, era exatamente o que Trump gostava em um político.

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Não demorou muito para que Trump abençoasse a candidatura de DeSantis a governador e enviasse funcionários para ajudá-lo, levando o legislador a uma vitória sobre um rival mais conhecido pela indicação do partido.

DeSantis sobreviveu às eleições gerais e muitas vezes governou em um estilo que espelha seu patrono, cortando a esquerda e brigando com a mídia. Mas isso por si só não aplaca Trump. Assim como com outros republicanos que endossou, o ex-presidente parece acreditar ter uma espécie de participação acionária em DeSantis – que lhe deveria dividendos e deferência.

"Olha, eu ajudei Ron DeSantis em um nível que ninguém jamais viu antes", disse Trump em uma entrevista para o livro Insurgency, do repórter do New York Times Jeremy W. Peters. Trump disse acreditar que DeSantis "não teve chance" de vencer sem sua ajuda.

A expectativa de deferência do ex-presidente é um lembrete para outros republicanos de que o endosso de Trump tem um preço, uma demanda que pode ser particularmente importante se ele concorrer novamente e tiver uma série de legisladores republicanos em dívida.

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Algumas vezes, Trump tentou reavivar seu relacionamento com DeSantis. Ele sugeriu que o governador seria uma escolha forte para vice-presidente. Um namoro semelhante ajudou a ganhar a deferência de outros rivais em potencial. Mas DeSantis não cedeu.

"Eu me pergunto por que o cara não diz que não vai concorrer contra mim", disse Trump a vários associados e conselheiros, que falaram sob condição de anonimato.

E então chegou a contenda sobre as vacinas.

"A resposta é 'sim', mas eles não querem dizer isso porque são covardes", disse Trump em entrevista à televisão este mês, referindo-se apenas a "políticos", mas claramente aludindo a DeSantis. “Você tem que dizer – quer você tenha ou não, diga.”

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A resposta de DeSantis veio na sexta-feira, em uma entrevista no podcast conservador Ruthless. Falando em frente a uma audiência pessoal perto de São Petersburgo, na Flórida, o governador disse que um de seus maiores arrependimentos foi não se opor vigorosamente aos pedidos de bloqueio de Trump quando o coronavírus começou a se espalhar pela primeira vez na primavera de 2020.

"Sabendo agora o que sei então, se isso fosse uma ameaça antes, eu teria falado muito mais alto", disse DeSantis. O governador disse que estava "dizendo a Trump para 'parar os voos da China'", mas argumentou que nunca pensou no início de março de 2020 que o vírus "levaria ao bloqueio do país".

DeSantis então agiu rapidamente para culpar Anthony S. Fauci, conselheiro de saúde da Casa Branca, um alvo muito mais seguro para os conservadores.

O ex-presidente não respondeu imediatamente. Sem uma conta no Twitter, suas réplicas tornaram-se menos frequentes. 

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DeSantis, no entanto, tocou em uma questão delicada, uma das poucas em que Trump está à esquerda dos radicais de seu partido: a eficácia da vacina e a deferência aos conselhos de especialistas em saúde pública sobre como conter a propagação do vírus.

Trump começou a disparar tiros de advertência contra DeSantis e outros aspirantes a republicanos, sinalizando que pretende defender as vacinas que seu governo ajudou a desenvolver. Em entrevista a Candace Owens, uma personalidade da mídia de direita, o ex-presidente disse que “a vacina funcionou” e descartou as teorias da conspiração. “As pessoas não estão morrendo quando tomam a vacina”, disse ele.

DeSantis, no entanto, está muito mais ansioso para se concentrar em sua resistência às restrições impostas pela covid-19, passadas e presentes, do que para defender a vacinação e as doses de reforço.

Notavelmente, em seu comício no sábado, Trump não promoveu vacinas e criticou os chamados “bloqueios” da covid.

Os antagonistas mais barulhentos de Trump provavelmente continuarão a alimentar a tensão entre os dois políticos. Ann Coulter, comentarista conservadora que se desentendeu com o ex-presidente, ficou encantada com a confusão desta semana.

“Trump está exigindo saber o status de reforço de Ron DeSantis, e agora posso revelá-lo”, escreveu Coulter no Twitter. “Ele era um incentivador leal quando Trump concorreu em 2016, mas depois soube que nosso presidente era um mentiroso e vigarista cuja fraude era permanente.”

Em um e-mail, Coulter, ela mesma uma residente da Flórida em meio período, colocou um ponto mais delicado sobre o que torna a ascensão de DeSantis inquietante para o ex-presidente. “Trump acabou”, escreveu ela. “Vocês deveriam parar de ficar obcecados por ele.”