HOUSTON (THE NEW YORK TIMES) - Quando o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, encontrar o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman na Arábia Saudita, ele estará repetindo os passos de presidentes como Jimmy Carter, que voou ao Teerã em 1977 para trocar brindes com o xá do Irã na véspera do Ano Novo.
Como príncipe saudita, o xá era um monarca não eleito e com um histórico manchado de violações aos direitos humanos. Entretanto, Carter comemorou com ele por uma causa que era de grande preocupação para os americanos: a gasolina mais barata e o abastecimento seguro de petróleo.
Assim como Jimmy Carter, Biden tem poucas ferramentas para reduzir os custos do combustível na bomba, especialmente no momento em que a Rússia, um dos maiores produtores de energia do mundo, vive uma guerra. Na época de Carter, a questão que ameaçava os suprimentos de petróleo no Ocidente eram as revoluções no Oriente Médio.
Durante a campanha para presidente em 2020, Biden prometeu transformar a Arábia Saudita em um “pária” pelo assassinato de um opositor conhecido, o jornalista Jamal Khashoggi. Agora, ele planeja visitar o país nos próximos meses, no sinal mais recente de que o petróleo recuperou a centralidade na geopolítica.
Há apenas alguns anos, muitos legisladores em Washington e executivos de petróleo e gás do Estado do Texas se elogiavam por um boom no setor energético que transformou os EUA em um exportador de petróleo e derivados e os tornou mais independentes em energia. Entretanto, com os preços subindo, essa conquista agora parece ilusória.
Os Estados Unidos são o maior produtor de petróleo e gás natural do mundo, mas respondem por apenas cerca de 12% do suprimento global de petróleo. O preço do combustível, o principal custo da gasolina, ainda pode disparar ou cair no país a depender dos eventos do outro lado do planeta. E nenhum presidente, por mais poderoso ou competente que seja, pode fazer muito para controlá-lo.
Esses fatos, no entanto, não tranquilizam os americanos que descobriram que uma parada no posto de gasolina pode facilmente custar cem dólares, muito mais do que apenas um ano atrás. Quando os preços dos combustíveis sobem, os consumidores exigem ações e podem se voltar contra presidentes que parecem relutantes ou incapazes de baixá-los.
A insatisfação leva os presidentes, principalmente em períodos mais próximos as eleições, a achar impossível não bajular os produtores estrangeiros e domésticos por mais perfuração e produção de petróleo. “Um presidente tem que tentar”, disse o ex-secretário de energia do governo Clinton, Bill Richardson. “Infelizmente, existem apenas opções ruins. E quaisquer opções alternativas são provavelmente piores do que pedir aos sauditas que aumentem a produção.”
Dois outros países produtores de petróleo que poderiam aumentar a produção – Irã e Venezuela – são opositores dos EUA e foram eliminados em grande parte do mercado global por sanções impostas pelos americanos e aliados. Qualquer acordo de Biden com os líderes destes países sem garantir grandes concessões em questões como enriquecimento nuclear e reformas democráticas é considerado politicamente perigoso.
Especialistas em energia disseram que mesmo um acordo com a Arábia Saudita, país amplamente reconhecido como o mais capaz de aumentar a produção de petróleo, pode não reduzir os preços automaticamente. Isso porque a produção de petróleo russo está em queda e pode ser ainda menor à medida que os europeus param de comprá-lo.
“Os presidentes podem ser a figura mais poderosa do governo americano, mas não podem controlar o preço do petróleo na bomba”, disse Chase Untermeyer, embaixador dos EUA no Catar durante o governo de George W. Bush. “Mesmo que os preços caiam por motivos fora de seu controle, Biden provavelmente também não receberá muito crédito por isso.”
Alguns legisladores republicanos e executivos de petróleo argumentaram que Biden poderia fazer mais para aumentar a produção local de petróleo e gás. Eles afirmam que o governo pode conceder mais terras e águas para a perfuração de poços em lugares como o Alasca e Golfo do México. Outro argumento diz que Biden poderia facilitar a regulamentação da construção de oleodutos para que os produtores canadenses possam enviar mais petróleo.
Entretanto, essas iniciativas – às quais ambientalistas e muitos democratas se opõem porque retardariam os esforços para combater as mudanças climáticas – teriam pouco impacto imediato. As novas perfurações levariam meses até começar a produzir e os oleodutos levariam anos para serem construídos.
“Mesmo se o governo atender toda a lista de desejos da indústria, o impacto nos preços de hoje seria modesto porque os desejos são muito mais ligados sobre a produção futura”, avaliou o diretor do Centro de Energia Global da Universidade de Columbia e ex-conselheiro do presidente Barack Obama, Jason Bordoff. “Isso traria desvantagens consideráveis no nível político, social e ambiental”.
Biden e seus assessores pressionam os executivos americanos a bombear mais petróleo, mas obtêm pouco sucesso. A maioria das companhias relutam em expandir a produção porque temem que novos poços causem um excesso de produção e uma consequente queda de preços – um temor que viram acontecer no início da pandemia, quando os preços ficaram abaixo de zero. Companhias como Exxon Mobil, Chevron, BP e Shell mantiveram em grande parte os orçamentos de investimento que estabeleceram no ano passado antes da Rússia invadir a Ucrânia.
O petróleo no xadrez geopolítico
Comerciantes de energia estão tão convencidos de que a oferta de petróleo vai permanecer limitada que os preços de referência do combustível subiram -- nos EUA e no mundo -- após a notícia de que Biden planeja viajar para a Arábia Saudita. Os preços passaram para cerca de US$ 120 o barril na sexta-feira. Já nos EUA, o preço médio do galão de gasolina comum ficou em US$ 4,85 no domingo, 20 centavos a mais do que na semana anterior e US$ 1,80 acima do ano passado.
Outro esforço do governo Biden que parece ter fracassado é a decisão de liberar diariamente um milhão de barris da Reserva Estratégica de Petróleo. Analistas disseram que era difícil discernir qualquer impacto desses lançamentos.
Diálogos com Venezuela e Irã estão em andamento
Biden também mantêm diálogo com a Venezuela e o Irã, mas o progresso de possíveis acordos está paralisado.
Com relação à Venezuela, o governo americano renovou recentemente uma licença que isenta a petrolífera americana Chevron das sanções destinadas a paralisar a indústria de petróleo do país. Em março, três funcionários de Biden foram à Caracas para convencer o presidente Nicolás Maduro a negociar.
Na Europa, as sanções contra a Venezuela também ficaram mais brandas. A Repsol, da Espanha, e a Eni, da Itália, foram autorizadas a enviar em algumas semanas para a Europa pequenas quantidades de petróleo venezuelano, segundo informou a Reuters neste domingo, 5.
A Venezuela, que já foi um grande exportador para os Estados Unidos, possui as maiores reservas de petróleo do mundo. Entretanto, a indústria de petróleo do país está tão prejudicada que pode levar meses ou até anos para o país aumentar substancialmente as exportações.
Já com o Irã, Biden tenta reviver um acordo nuclear de 2015 que foi cancelado no mandato de Donald Trump. O acordo poderia autorizar o Irã a exportar mais de 500 mil barris de petróleo diariamente, o que causaria alívio na crise de oferta global e compensaria parte dos barris que a Rússia parou de vender. O Irã tem cerca de 100 milhões de barris armazenados, que podem ser liberados rapidamente.
Entretanto, as negociações parecem estar paralisadas em discordâncias e não devem ter resultados agora.
Além disso, qualquer acordo dos EUA com a Venezuela ou o Irã pode se tornar um peso político para Biden porque a maioria dos republicanos e até alguns democratas se opõem a possíveis compromissos com estes países.
“Nenhum presidente quer remover a Guarda Revolucionária do Irã da lista de terroristas”, disse Ben Cahill, especialista em energia do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington, sobre um dos pontos de discórdia nas negociações com o Irã. “Os presidentes desconfiam de qualquer movimento que pareça fazer sacrifícios políticos e conceda vitórias aos adversários dos Estados Unidos”, acrescentou.
Especialistas em política externa avaliam que, embora as crises de energia durante guerras sejam inevitáveis, elas sempre surpreendem os governos, que geralmente não estão preparados para a próxima crise. “A história das crises do petróleo mostra que, quando há uma crise, os políticos correm perdidos tentando descobrir o que fazer para fornecer alívio imediato aos consumidores”, disse o ex-conselheiro de Obama, Bordoff.
Ele sugere que o país invista mais em automóveis elétricos e encoraje o uso mais eficiente e conversador de energia para diminuir a demanda. Para ele, os líderes americanos precisam preparar melhor o país para “a próxima vez que houver uma inevitável crise do petróleo”.
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