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Prefeito sugere banho a dois e presidente decreta feriado em aniversário por falta de água em Bogotá

Crise hídrica histórica afeta a capital da Colômbia, impacta fornecimento de energia ao Equador e domina debates públicos por medidas extremas e controversas sugeridas pelos políticos

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Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

ENVIADO ESPECIAL A BOGOTÁ - O prefeito de Bogotá, Carlos Fernando Galán, pediu que os colombianos tomem banhos de no máximo três minutos e que usem o chuveiro “a dois”. Se dependesse de um dos apelos mais recentes de Galán, os moradores da capital da Colômbia não se banhariam um dia da semana - ele já sugeriu que pulem a ducha aos domingos.

O presidente Gustavo Petro decretou “dia cívico”, uma espécie de feriado, na sexta-feira, 19, e orientou os moradores de Bogotá a viajarem ao longo do fim de semana, segundo ele uma forma de aliviar a demanda por água, diminuir o gasto de energia elétrica e o risco de desabastecimento. Aulas e o trabalho presencial foram suspensos.

Bogotá registra alta de temperatura e baixos índices de chuva, cenário incomum para o mês de abril, levando a medidas para racionar o abastecimento de água Foto: Felipe Frazão

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“Se, no domingo, você não sair de casa, aproveite e não tome banho”, disse Galán à emissora local Caracol. “Tomem banho em casal. Trata-se de um exercício pedagógico de economia de água, não de outras coisas”.

A justificativa de Galán e Petro - em lados opostos na política colombiana - é a mesma: a crise hídrica histórica em Bogotá. Os “embalses” - reservatórios de água que abastecem a cidade no topo dos Andes - registram níveis críticos. O abastecimento de 10 milhões de pessoas da região metropolitana de Bogotá está ameaçado. Todos dependem da mesma fonte de água potávavel.

Os embalses de Chuza e San Rafael, reservatórios do sistema Chingaza, abastecem a capital colombiana e registravam no sábado, dia 20, nível de 15,18% da capacidade, reportou o prefeito. Estima-se que os embalses precisariam de cerca de seis meses de chuvas para voltar ao nível normal. Atualmente, poderiam abastecer a cidade por cerca de 50 dias somente.

Segundo o presidente, há três anos os embalses registram níveis anuais cada vez mais baixos, sem que nenhuma intervenção para reverter a situação tenha sido concluída.

“Agradeço aos mandatários, ao setor privado e a todos os cidadãos que aderiram ao dia cívico para poupar água e energia. Não podemos baixar a guarda e só juntos poderemos sair desta situação”, disse Petro.

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Os fins de semana são críticos porque, segundo registros da Prefeitura de Bogotá, o dia de maior de maior consumo é o sábado. Há ainda risco de que a redução da oferta de água afete represas e impacte a produção de energia elétrica, o que pode encarecer a conta doméstica.

O governo Petro aplicou uma sobretaxa de 30% ou 50% por Kvh na conta de energia elétrica caso o consumo supere a própria média, verificada nos três meses anteriores. Na indústria e no comércio, o encargo é de 100%. Esse dinheiro vai subsidiar descontos para quem economizar.

A Colômbia cortou a exportação de energia para o Equador, e o governo Daniel Noboa anunciou dois dias de suspensão de atividades de trabalho e educacionais, nos setores público e privado.

Os dois países dependem das hidrelétricas e enfrentam déficit nos reservatórios por causa da seca. A Colômbia autorizou o uso de térmicas por gás natural, durante os efeitos do El Niño, para aumentar a oferta de energia. O país compra gás natural no mercado internacional do Caribe e, segundo Ministério de Minas e Energia, dois navios vão chegar nos próximos dias.

Aniversário e M-19

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Um detalhe: a data do dia cívico convocado coincidiu com o aniversário de Petro, que fez 64 anos, na sexta-feira e com a fundação do M-19 (Movimento 19 de Abril), grupo guerrilheiro de esquerda que ele integrou na juventude.

A guerrilha do M-19 ficou famosa nos anos 1970 e 1980 por ações violentas. Eles tomaram o Palácio da Justiça mantendo 15 diplomatas reféns e roubaram a espada de Simón Bolívar de uma casa-museu onde o libertador da América Espanhola viveu.

A coincidência levantou dúvidas acerca da real intenção de Petro e motivou incentivo à desobediência. Houve quem visse nas ações do presidente uma manobra para, em vez de somente fechar as torneiras, esvaziar manifestações da oposição realizadas neste domingo, dia 21, em Bogotá e capitais do país. As marchas foram contra as reformas trabalhista, previdenciária e do sistema de saúde.

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O próprio prefeito da cidade ignorou o presidente e ordenou que os órgãos públicos distritais funcionassem normalmente. Universidades e colégios privados também não pararam.

“A necessidade de mudar os nossos hábitos e reduzir o nosso consumo de água não é uma questão de um dia, é um esforço a longo prazo e deve ser sustentável ao longo do tempo. Mais do que um dia cívico, Bogotá precisa de todos os seus servidores públicos dedicados a conseguir a redução do consumo de água e dos cidadãos fazendo a sua parte para o bem comum”, afirmou Galán.

As ações educativas e restritivas tomaram conta do debate no país nos últimos dias a ponto de alguns dos principais agentes públicos divergirem, incomodou moradores da cidade e incendiou as redes sociais.

“É bom que todos participemos, distrito e nação, mas devemos fazê-lo com base em evidências. Dizer a uma pessoa cujo plano dominical foi cancelado ‘fique em casa, nada acontece se você não tomar banho’ não é o mesmo que dizer a uma criança que não vá à escola quando ela tem direito à educação”, disse Galán, em referência a sua recomendação e a do presidente Petro.

Resultados

Segundo o governo Petro, houve uma diminuição de 4% na demana por energia no país durante o fim de semana, inclusive na sexta-feira passada, quando o presidente decretou o Dia Cívico da Paz com a Natureza.

Nesta segunda-feira, dia 22, a Casa de Nariño divulgou que os reservatórios em todo o país subiram um ponto percentual, em relação à semana passada, e agora estão com 29,5% da capacidade. O resultado é atribuído pelo governo às medidas sobre o consumo e também às chuvas.

Ministros de Petro avaliaram que “não podem cantar vitória nem baixar a guarda”. Eles seguem monitorando o nível dos reservatórios e as previsões climáticas, sobretudo o regime de chuvas, e defendem as campanhas.

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“Comparamos (o consumo) da sexta-feira passada, declarada dia cívico, com as últimas cinco sextas-feiras, sem contar a da Semana Santa, e verificamos uma queda de 3,6% frente a uma sexta-feira típica”, disse o ministro de Minas e Energia, Andrés Camacho.

Rios voadores

O El Niño e a devastação florestal rareou os chamados “rios voadores”, como são conhecidos no país as nuvens carregadas de água em vapor que saem da selva amazônica colombiana e se deslocam até encontrar e precipitar sobre cordilheira dos Andes. No topo das montanhas, a água fica acumulada num bioma típico - os páramos andinos - cuja vegetação retém a água por meses e ajuda a formação dos reservatórios.

A seca e as queimadas, com temperaturas elevadas, transformou a paisagem do embalses e mudou o clima, com recordes de temperatura na região da Cordilheira Oriental.

“Uma engrenagem humana, muitas vezes mafiosa, está destruindo a selva amazônica. Se acabarem com a selva amazônica, aqui não haverá água, não só em Bogotá como em toda a cordilheira andina, com suas grandes cidades. Se a selva amazônia for destruída a Colômbia não será mais habitável”, disse Petro.

Apesar da chuva nos últimos três dias, inclusive com granizo, a situação não foi aliviada e permanece longe de ser resolvida em Bogotá - na prática a tempestade somente piorou o caótico trânsito da capital colombiana.

A chuva pode ter sido celebrada por ajudar a guardar água nos edifícios com captação, mas não impactou a política de racionamento. Sobre os embalses do sistema Chingaza caiu apenas uma garoa, o que não alterou o nível de água.

‘Chuvas mil’

Os bogotanos dizem que já não usam mais o ditado “em abril, chuvas mil” - popular na cidade. Estão irritados com o incomum racionamento de água, com cortes diários em alguns bairros da cidade. A interrupção nas torneiras dura 24 horas e impacta a mesma vizinhança a cada dez dias.

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A administração pública em Bogotá quer reduzir o consumo para 15 metros cúbicos por segundo e tentar fazer com que o nível do sistema de reservatórios atinja ao menos 20% da capacidade total até o fim de abril.

“Está grave. Há muitos anos não vivíamos isso”, disse o motorista por aplicativo Gustavo Adolfo, enquanto dirigia numa noite da semana passada e reclamava que, se passam da cota mensal de consumo de metros cúbicos, recebem uma multa na conta. “Costumamos dizer aqui na cidade ‘em abril, chuvas mil’, porque chove o tempo todo, mas este mês quase não choveu. Precisamos de consciência, de pedagogia.”

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