Quando decidiu trocar Natal, uma das capitais ensolaradas do nordeste brasileiro, pelo Canadá, em 2016, uma das principais preocupações do analista de logística Leonardo Macedo, de 32 anos, era o rigoroso inverno do país norte-americano. No entanto, a onda de calor que castiga o oeste canadense e o noroeste dos Estados Unidos desde o fim da semana passada fizeram o nordestino pedir por uma temperatura mais amena.
"Eu nunca imaginei passar por isso aqui no Canadá, que é conhecido por ser um país frio. Vindo de Natal, uma cidade tropical, quente, eu nunca senti uma sensação térmica como essa. Espero que não aconteça de novo, apesar das previsões apontarem que deve acontecer com mais frequência."
Macedo e a esposa, Luiza Freire, de 30 anos, vivem na Colúmbia Britânica, Estado canadense que mais sofreu com a onda de calor. Foi lá onde, na última terça-feira, 29, o recorde de temperatura mais alta registrada no Canadá foi batida: 49,6ºC, na cidade interiorana de Lytton. Em Vancouver, onde o casal reside, os termômetros se aproximaram dos 40ºC, mas a sensação térmica tornou as atividades do cotidiano quase insuportáveis.
"Normalmente, aproveitamos os dias mais longos do verão para ir a alguma praia ou a algum parque depois do trabalho, mas não estava dando para sair de casa. Na segunda-feira, que eu acho que foi o pior dia, foi difícil até para trabalhar do home office. Só temos dois ventiladores em casa, e eles não estavam dando conta. Todo o tempo ficávamos levantando para beber água e pegar gelo para tentar amenizar o calor e nos mantermos hidratados", contou Luiza, que trabalha como Coordenadora de Serviços Estudantis na Universidade da Colúmbia Britânica (UBC).
Para enfrentar o calor desumano, o casal recorreu a diferentes estratégias, na base da tentativa e erro. "Quando se sente calor, normalmente se abre a janela para o ar entrar, certo? Mas quando fizemos isso, entrou um ar quente, sufocante. Precisamos fechar todas as janelas para o calor não entrar", relata Macedo.
"O que funcionou mesmo foi fechar as janelas e as persianas, para evitar ao máximo que entrasse calor, e ligamos os ventiladores. Para dormir foi o mais difícil, e chegamos a colocar roupas molhadas em cima da gente para ver se ajudava a refrescar o vento soprado pelos ventiladores - e isso até que ajudou", disse Luiza.
A infraestrutura canadense também prejudicou Leonardo e Luiza - assim como todos os residentes na área afetada pela onda de calor. Como o país está localizado em uma zona temperada, onde a média de temperatura costuma ser amena no verão e severa no inverno, as edificações são preparadas para o frio extremo, e não para o calor registrado nos últimos dias.
"Tudo é muito preparado para o frio. Na cidade que eu moro, todo ano tem pelo menos uma semana em que a temperatura chega nos -40ºC, com sensação térmica de -50ºC, então tudo é muito preparado para o inverno", disse o engenheiro brasileiro Erick Buonora, de 27 anos.
A cidade de Edmonton, onde o engenheiro vive há três anos, chegou a registrar 38ºC durante a semana, e o desafio de enfrentar o calor é diferente na infraestrutura canadense. "É diferente do Brasil. Os prédios não têm ar-condicionado, tem aquecedor central. Os lugares que você vai normalmente também não, e as pessoas não tem em casa", explicou Buonora.
"O calor subiu tanto que deu uma sobrecarga no ar-condicionado em dois escritórios da empresa onde eu trabalho. Você trabalhar em um local fechado, com um calor de 38ºC... mudou o humor de todo mundo. Não foi uma experiência legal."
'Mortes por calor'
A onda de calor foi tão intensa que a polícia de Vancouver investiga se pelo menos 65 casos de morte súbita estão diretamente relacionados ao aumento da temperatura. Na Colúmbia Britânica, 233 pessoas morreram no fim de semana passado, cerca de 100 a mais do que o comum para o período, o que faz crescerem as suspeitas sobre a influência do calor nos óbitos. Pelo menos 12 casos também eram investigados em Washington e Oregon, Estados americanos que também são afetados pelo evento climatológico.
"Ainda está sendo investigado, mas as autoridades estão associando as mortes a essa onda de calor. Isso foi uma das coisas que mais me impressionou. A gente veio do Brasil e nunca ouviu falar de alguém que literalmente morreu pelo calor", disse Luiza.
Além do calor em si - que fez as autoridades emitirem alertas de cuidados especiais, principalmente para os mais vulneráveis, como idosos e portadores de doenças renais e cardiovasculares -, o risco de incêndios florestais também preocupa.
Em Lytton, povoado que bateu por três vezes o recorde de maior temperatura no Canadá nesta semana, um incêndio na noite de quarta-feira destruiu quase 90% da cidade, segundo a Real Polícia Montada. O risco de incêndios florestais também preocupa nos Estados Unidos, onde o presidente Joe Biden tenta evitar uma crise grave como a registrada no ano passado na Califórnia.
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