O presidente da Argentina, Alberto Fernández, anunciou nesta sexta-feira, 21, que não se candidatará à reeleição nas eleições gerais de outubro, para as quais sua coalizão de centro-esquerda Frente de Todos ainda não definiu candidato.
“No próximo dia 10 de dezembro de 2023 é o dia exato em que comemoramos 40 anos de democracia. Nesse dia entregarei a faixa presidencial a quem for legitimamente eleito nas urnas pelo voto popular. Trabalharei energicamente para que seja alguém que represente o nosso espaço político”, disse Fernández em um vídeo postado em sua conta no Twitter.
Em sua declaração de quase oito minutos, sob o título “Minha decisão”, o presidente de 64 anos relembrou as condições de endividamento e inflação em que o país se encontrava quando assumiu o cargo em 2019 e, segundo ele, agravadas pela pandemia global, pela guerra na Ucrânia e atualmente devido a “uma seca brutal”.
A decisão deve acirrar ainda mais a disputa interna na coalizão governista, dividida entre peronistas e kirchneristas.
A disparada descontrolada da inflação faz os argentinos sentirem os efeitos nos preços dos alimentos, que os obriga a comprar apenas o essencial e abandonar as marcas favoritas pelas mais baratas. O cenário é sombrio para o governo que busca se manter no poder nas eleições de outubro.
Os números da inflação publicados pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) na semana passada caíram como uma bomba para o governo de Alberto Fernández. O índice de rejeição de seu governo atingiu 65%, e analistas dizem que seu nome implicaria uma derrota para o peronismo. Em julho, o governo apontou Sergio Massa como a grande promessa de ser um superministro e salvar a economia, mas a expectativa se dissolveu com o descontrole inflacionário e cada vez menos os argentinos acreditam que o problema terá solução.
A Argentina tem uma etapa de pré-campanha eleitoral que terminará em agosto, quando as Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) determinarão quem disputará a eleição presidencial. As Paso, criadas por lei no governo de Cristina (2007-2015), são eleições primárias nas quais partidos e alianças partidárias elegem seus candidatos.
No entanto, muitas vezes, como aconteceu com o próprio Fernández em 2019, apenas um candidato participa. Este ano, o único que não terá rivais nas primárias será o deputado e candidato de extrema direita Javier Milei, o único que não disputará a candidatura de seu partido, Avança Liberdade. O economista e líder da extrema direita argentina, admirador dos ex-presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump, está em campanha desde o ano passado e, segundo algumas pesquisas, teria chances de conquistar uma vaga no segundo turno das presidenciais.
Saiba mais sobre a eleição na Argentina
Desde que o ex-presidente Maurício Macri desistiu de concorrer à eleição, abriu-se uma disputa feroz na aliança opositora Juntos pela Mudança. Na coalizão governista Frente de Todos (formada por peronistas e kirchneristas), vários disputam poder para sairem candidatos, sem uma definição clara. Apenas Cristina Kirchner admitiu que não vai concorrer a cargos executivos.
“Tenho que concentrar os esforços, o empenho e o coração na resolução dos problemas dos argentinos”, insistiu numa espécie de equilíbrio da sua gestão.
O presidente assegurou que a Frente de Todos “precisa gerar um novo ciclo virtuoso em que outros se empoderem para reconquistar o coração de quem continua a nos ver como o espaço que garante que a direita não volte para nos trazer seu pesadelo e sua escuridão”.
No partido governista, a vice-presidente e duas vezes presidente Cristina Kirchner (2007-2015) desistiu publicamente de disputar a presidência ou qualquer outro cargo eletivo após ser condenada em primeira instância por corrupção em dezembro passado a seis anos de prisão e inabilitação política.
Os nomes mais cotados eram os do ministro da Economia, Sergio Massa, do embaixador no Brasil, Daniel Scioli, do governador da província de Buenos Aires, o kirchnerista Axel Kicillof, do deputado Máximo Kirchner, filho da vice-presidente, e de alguns dirigentes peronistas. Mas a disparada da inflação pode ter amargado ainda mais as esperanças governistas.
A Argentina realizará o primeiro turno das eleições presidenciais em 22 de outubro, com possível segundo turno em 19 de novembro. Antes, em 13 de agosto, os partidos políticos devem realizar eleições primárias obrigatórias.
Além de eleger presidente e vice-presidente por um período de quatro anos, os argentinos vão renovar nas eleições de outubro metade da Câmara dos Deputados, com 257 membros, e um terço do Senado, com 72 membros.
Se nenhuma fórmula presidencial obtiver 45% dos votos ou 40% com uma diferença de pelo menos 10 pontos da segunda, será realizado um segundo turno.
Oposição rachada
Na coalizão de oposição Juntos por el Cambio (centro-direita), o ex-presidente Mauricio Macri decidiu não se candidatar para a disputa presidencial. Em vez disso, o prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta, já começou sua campanha para as primárias.
Recentemente, Macri anunciou que estava se retirando da disputa presidencial, abrindo espaço para os nomes de Larreta e Bullrich. Abriu-se então o questionamento de quem ele apoiaria na coalizão, com Larreta sendo o mais provável.
No entanto, frente à baixa popularidade de Macri - que perdeu a reeleição - e com o anti-macrismo sendo uma estratégia da coalizão do governo, o prefeito de Buenos Aires tenta se colocar como uma terceira opção na disputa. Uma estratégia de “nem um nem outro” que tem favorecido candidatos outsiders como Javier Milei.
Disputa de poder
Durante a semana, uma nova disputa de poder dentro do governo da Argentina entre o “superministro” da Economia, Sergio Massa e Antonio Aracre, chefe de gabinete de Alberto Fernández, ampliou a instabilidade ao governo em meio ao ano eleitoral. Na quinta-feira, rumores sobre uma possível queda de Massa levaram o dólar paralelo ao valor recorde de 440 pesos durante o dia, para cair em seguida. Em quatro dias, o câmbio aumentou 8,5%.
O aumento do câmbio paralelo nos últimos quatro dias foi muito acima da média e causou mal estar dentro da coalizão governista do Frente de Todos, que já luta para definir seus candidatos para as primárias eleitorais de agosto. A disparada ocorreu após uma rusga entre Massa e o chefe de assessores de Fernández,
A desvalorização do peso se agravou quando surgiram rumores na imprensa argentina que Sergio Massa estava a ponto de renunciar e ser substituído por Aracre, que até então era o homem de confiança de Fernández. Segundo as mesmas fontes, Aracre chegou a apresentar um “plano antiinflacionário” ao presidente, em um movimento que a equipe de Massa classificou como conspiração para derrubar o ministro.
Pela versão de Sergio Massa, o boato de sua saída teria sido plantado pelo próprio Aracre para propositalmente provocar a subida do câmbio e uma instabilidade interna, e assim obter seu cargo. Aracre, no entanto, nega a afirmação. De acordo com a imprensa argentina citando fontes próximas ao presidente, Fernández estava convencido da versão de Massa, que teria feito um ultimato a Fernández para que demitisse Aracre ou ele de fato renunciaria.
Horas depois, a porta-voz do governo, Gabriela Cerruti, publicou uma foto de Massa e Fernández sorridentes com a mensagem “animosidade interna”. O governo nega as informações de que haja uma briga interna.
Frente ao mal estar que a situação gerou para o governo e dentro da coalizão Frente de Todos, Aracre decidiu renunciar ao cargo que assumiu em 1º de fevereiro.
“Fizeram uma movimentação em que tentaram tirar o ministro, o mercado ficou nervoso e falou ‘se for mais longe e tirar o ministro da Economia, isso explode’ e houve o aumento do dólar mais que o normal”, explica Juan Carlos Rosiello, professor do Centro de Análises Econômicas e Empresariais da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Católica Argentina.
“Agora que ficou mais ou menos claro que ele não vai embora, o mercado se acalmou um pouco, mas essa insegurança persiste, porque existe a percepção de que pode explodir a qualquer momento”, acrescentou.
Massa foi indicado por Fernández em julho do ano passado, após a queda dos dois ministros anteriores, com a promessa de conter a disparada da inflação. Ao reunir os ministérios da Economia, Desenvolvimento Produtivo e Agricultura, Pecuária e Pesca, Massa ganhou o apelido de “superministro”.
Na época, o nome de Massa começou a ganhar força como possível candidato do peronismo para as eleições deste ano. No entanto, a escalada da inflação tirou o favoritismo do ministro que hoje só é mais popular que Alberto Fernández dentro da coalizão.
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